Um detalhe importante passou longe de comentários da imprensa, ainda pouco ocupada com temas de seguros. Principalmente como esses, que envolve tantos interesses. Para sorte de todos, o advogado Walter Polido, que trabalhou quase duas décadas no IRB Brasil Re, deixando a resseguradora até então estatal por uma oferta recebida da Munich Re, maior resseguradora do mundo, está sempre em busca de melhorias para o setor.
Hoje, Walter Polido é consultor e árbitro em seguros e resseguros. Ao me mandar um artigo sobre a Circular Susep 458, de 21.12.2012, ele abriu um debate interessante sobre a extinção dos seguros singulares, aqueles feitos sob medida. “E por que as seguradoras, resseguradoras e clientes se calaram?” é a pergunta que circula nos bastidores do setor.
Um executivo acredita que as seguradoras se calaram porque ou gostaram ou porque não se importam nada com isso. Acho difícil que elas não se importem, portanto, penso como o executivo, que a Susep fez o que algumas seguradoras queriam, aquelas interessadas em complicar o pagamento das indenizações ou deixar para o ressegurador decidir, já que é ele que assume quase a totalidade do risco. Mas hoje quem responde legalmente pelos contratos são as seguradoras líderes. Ou seja, esse jogo de “culpa do outro” logo terá um fim. Assim como ter um bom cliente será algo para aquelas que praticam governança corporativa.
A segunda pergunta seria “E os grandes segurados, ou seja, as grandes empresas multinacionais ou brasileiras, por que se calaram?” Não se calaram. Apenas ninguém havia perguntado a elas o que pensavam disso. Abaixo, temos o artigo de Cristiane Alves, presidente da ABGR. “A coleção de atos emitidos pela SUSEP dificultam o nosso crescimento econômico e a distribuição saudável do risco. A autorização legal para que o mercado brasileiro passe a trabalhar como se dá a prática no resto do mundo, além de favorecer o nosso crescimento, garantiria a real proteção do risco para as nossas atividades e pessoas”, escreve Cristiane. “Como ABGR ficaremos muito felizes quando a SUSEP atingir a sua plena capacidade de atuar como ente regulatório supervisionando de forma eficiente o nosso mercado.”
Outra observação de executivos do setor é que as grandes apólices são pesadamente resseguradas. E é sempre complicado acomodar essas apólices singulares nos contratos automáticos. Antes da abertura, as grandes apólices praticamente não entravam nos contratos do IRB, geravam quase sempre os chamados Facultativos. A coisa funcionava por si só, mas a administração dos riscos Facultativos no dia a dia era cara, em toda a cadeia.
Depois, com a entrada dos resseguradores estrangeiros no Brasil, as capacidades automáticas cresceram muito e essas grandes apólices passaram a frequentar os contratos automáticos, mas muitas vezes via as desconfortáveis “aceitações especiais”. O que é ruim pra todo mundo: segurado, seguradora, broker e ressegurador. E quando acontecem sinistros nessas apólices tailor made há espaço para muitas controvérsias. O grande volume de sinistros indo parar na Justiça mostra bem que isso ainda acontece. Será que a extinção das singulares interessa às seguradoras e resseguradores locais?
Difícil afirmar. Mas parece, segundo executivos, que tudo voltou a ser como no passado, “onde fazia-se uma apólice brasileira meia-boca e o resto estava todo lá fora, por meio daqueles mecanismos de Difference in Conditions e outros citados por Polido em seu artigo”, comenta um executivo.
Bem, segue o artigo de Polido e em seguida o de Cristiane Alves, presidente da ABGR, para que os leitores possam refletir e tirar suas próprias conclusões. Afinal, como tudo no Brasil, a conta será paga por todos. Enganam-se quem os que pensam que só o consumidor paga a conta. Ele pode pagar, mas o peso disso volta para todos no Custo Brasil, na falta de segurança que afugenta os investidores e na mazela que se torna a infraestrutura da sexta maior economia do mundo, simplesmente porque o interesse pessoal ainda se sobrepõe ao coletivo.
Com poder estagnante igual ou até pior do que a Circular Susep-437/2012 (planos padronizados de seguros RCG), nos parece agora a determinação normativa da Circular 458/2012. Ela simplesmente extinguiu os denominados “seguros singulares”, ou seja, os clausulados caso a caso, confeccionados segundo as necessidades específicas de cada conta ou risco, o chamado modelo “tailor made”. Todo segmento apresenta exceções e especificidades e não há modelo padrão que possa atender a toda e qualquer situ ação de risco existente no mundo pós-moderno, de complexo dinamismo.
A parametrização única, inclusive, costuma se apresentar inadequada, improdutiva, com alto grau de obsolescência, ineficaz, incerta, além de desprestigiar o desenvolvimento, a criatividade humana, a inventividade, a superação e, enfim, a inteligência humana. Não há padrão que se sustente para sempre e de forma a fornecer enquadramento eficaz às situações ímpares, em face do dinamismo do mundo e dos riscos criados pelo homem. Só o Estado usualmente insiste em achar que o padrão pode resolver todas as situações encontradas na sociedade. E, por isso mesmo, ele erra sempre, pois que o homem é díspare em todos os sentidos e também nos seus interesses individualizados.
Também por esta razão o Estado constitui o maior litigante passivo do país, contribuindo para emperrar a celeridade exigida da Justiça. Por que a Susep determinou este conteúdo da Circular 458/2012 e, aparentemente, nu m clima de cumplicidade silenciosa das seguradoras? Imaginamos alguns cenários. O principal motivo repousou no desconhecimento da Autarquia sobre o mercado de seguros/resseguro contemporâneo, cujo segmento brasileiro ela tem a função de regular, mas não de legislar.
Segundo, porque lhe falta além da especialização moderna em seguros, número suficiente de profissionais preparados e em quantidade para atender à demanda do Brasil atual, segundo as funções anacrônicas que ela ainda possui nos termos da legislação vigente (Decreto-lei 73/66, artigo 36, “c”, p. exemplo). Então, sem preparo e sem gente suficiente, a Autarquia preferiu “engessar” o mercado segurador brasileiro, criando modelos estandardizados de clausulados de coberturas de seguros, em todos os ramos, como se os riscos não fossem dinâmicos no Brasil, diferentemente do resto do mundo.
A irrealidade e a miopia estatal refletirão e muito no descompasso que o mercado sentirÍ tão logo a malfadada Circular entre em vigor, produzindo os seus efeitos equivocados. Mas e as Seguradoras, por que se calaram? Inconcebível a postura, diante do momento de transição pelo qual passa o país e o próprio mercado segurador, rumo ao desenvolvimento. Contraditório mesmo. Mas, afinal, como ficarão os programas mundiais de seguros também existentes no Brasil, considerando-se o vasto parque industrial do nosso país? Ainda que as Seguradoras disponham de produtos “não-padronizados”, cujo objetivo é inexequível diante da “Lista de Verificação” da Susep, a qual conduz obrigatoriamente também esta categoria ao “padronizado”, por isso mesmo, não serão condizentes com os programas mundiais existentes e também com outras situações especiais de riscos que surgem no dia a dia.
Uma simples “cláusula particular” ou meia dúzia delas a serem insertas nas condições não-padronizadas não conseguirão resolver todas as situações que podem surgir . Os clausulados, desta forma manipulados, tornam-se verdadeiros “franksteins” de difícil inteligência e praticidade, cujo resultado certamente não contribui positivamente para a proteção exigível do consumidor de seguros do país. Ao contrário disso, continuam motivando o grande afluxo de ações nas cortes de justiça do Brasil, na busca de solução para os conflitos criados.
Não é assim que funciona a dinâmica e complexa arte da subscrição de riscos para fins de seguros no mundo todo. Também no Brasil não poderia ser diferente. A partir da Circular 458/2012, entretanto, as Seguradoras estarão indiretamente proibidas de aceitar participação local em programas mundiais complexos e de outras situações afins, uma vez que não conseguirão atender ao critério determinado pela Autarquia, o qual se mostra desconectado com a realidade global. De qualquer maneira, o mundo não para e os negócios acontecerão, independentemente da miopia e do despreparo do Estado.
A tendência, então, será a da emissão de apólices simples (com modelos padronizados Susep) ou menores ainda em relação aos valores envolvidos em face daqueles que hoje são praticados domesticamente e apenas com o intuito de atenderem à legislação vigente (DL-73/66, vetusto e ultrapassado em muitos sentidos), valorizando acentuadamente os mecanismos DIC/DIL/FINC (procedimentos que determinam que as apólices mundiais, contratadas em países sede das empresas seguradas, assumirão os eventuais excessos de coberturas e de limites domésticos ou ainda converterão em aumento/aporte de capital, em sobrevindo sinistros nas respectivas unidades no Brasil).
Todos esses mecanismos internacionais representam, sem dúvida alguma, retrocesso e perdas de divisas para todo o mercado brasileiro e ao país. Perdas em sentido amplo: da comissão dos corretores primários de seguros; dos prêmios de seguros e de resseguro; das comissões de brokerage de resseguro; dos serviços em ajustes de sinistros; na aquisição de experiência e conhecimento técnico com grandes contas; etc. Quanto maior for o fluxo de negócios para o Exterior e de modo a “fugir” das limitações internas impostas pelo Estado e em razão do desconhecimento real da causa, ainda que da maneira mais lícita possível o referido fluxo, maior será o prejuízo para o Brasil e até mesmo em termos de conhecimentos tecnológicos em matéria de seguros.
Devemos todos lamentar muito a miopia do Estado. Apesar de se pretender, aparentente, “proteger” o consumidor de seguros no Brasil, ao desconhecer completamente todas as regras do jogo, o Poder Público acaba desprotegendo-o e prejudicando o fluxo de arrecadação de negócios de seguros e de resseguro no país. Este procedimento equivocado e ineficaz não deveria mais prosperar e, ao contrário disso, precisaria sim ser abolido urgentemente e para o bem de todos os cidadãos brasileiros, segurados ou não. As funções da Susep precisam ser revistas desde o DL-73/1966, urgentemente. Cabe ao mercado segurador, por sua vez, assumir suas funções originais, começando pela elab oração efetiva dos produtos de seguros que ele comercializa.
Todos sabemos do enorme potencial de nosso país para atrair negócios. Mesmo com o desempenho econômico se mostrando muito aquém do esperado, esperado no sentido literal da palavra justamente pelo tamanho do nosso Brasil, e do projetado, já que infelizmente não tivemos muito sucesso nas medidas tomadas para atingir as projeções que deveriam atender nossas esperanças.
Desta forma, o México já vem despontando como o novo país da “moda”, posto ocupado por nós desde 2007 / 2008 – disputamos e ganhamos a honra de sediar os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo! Estamos mal? Não, mais uma vez, somos um “monstro” . Nosso tamanho, nossos números domésticos nos fazem forte e os investimentos continuam. Continuam tranquilamente? Abstenho-me de responder esta questão.
Peru e Colômbia também tem atraído muitos investimentos. E o que se ouve? São países com uma “imagem muito séria”. Lá sim os investidores se sentem tranquilos com relação à segurança jurídica. As leis são claras e estáveis, coerentes! O Estado cumpre com suas obrigações contratuais.
Então, o que acontece com o nosso enorme Brasil? Impossível um investidor ficar fora dele – investe, mas com a tremenda insegurança ou sendo ainda mais clara: com uma imensa “pulga atrás da orelha”. De uma forma geral, conseguimos ter ideia de quanto uma empresa gasta com escritório externo que se dedica a monitorar as alterações das disposições legais (por exemplo, tributaria, trabalhista…) e em seguida indicar como a empresa deve passar a trabalhar para atender as disposições alteradas? Horas / homem das empresas para implementar as alterações necessárias? E o repasse para seus produtos finais? Tudo isso é custo Brasil!
No nosso setor de seguro os exemplos não faltam. Fazemos coleção, alias! Desde a longa série de acontecimentos para a abertura do mercado de resseguros, iniciada ainda nos anos 90 até a sua concretização em 2007 / 08, seguida do retorno ao mercado “parcialmente’ fechado com regras para retenção de 40% do risco no mercado local de resseguro, até chegarmos na Circular Susep 437/2012 e a mencionada 458 de 21.12.2012 pelo nosso colega W. Polido em seu artigo que veiculamos no clipping de 06/06.
A verdade é que estamos sempre caminhando na contra mão do que o mundo pratica. A prática que funciona no mundo todo não tem chance de sucesso em nosso país. É louvável a preocupação do Estado em proteger os consumidores menores de seguro. É louvável também proteger os grandes consumidores de seguro e que se utilizam amplamente do resseguro. Mais que louvável, é dever!
No entanto, pretendendo proteger, cria regras que ao final geram o trabalho que mencionei acima, mas neste caso em específico da circular 458/2012, algo ainda mais importante. O segurado que antes era coberto por um clausulado “tailor made” passa a considerar que nem sempre terá toda a sua perda coberta localmente, e isto certamente também será considerado no custo final de seu produto. As seguradoras que passarão a disponibilizar seus técnicos para mais horas de acertos, ou melhor dizendo, adequação de clausulado para cada segurado antes coberto pelo seguro singular. Elas também certamente vão repassar seu custo no premio final da apólice. Mais custo Brasil. Menos proteção real para o risco.
A coleção de atos emitidos pela SUSEP dificultam o nosso crescimento econômico e a distribuição saudável do risco. A autorização legal para que o mercado brasileiro passe a trabalhar como se dá a prática no resto do mundo, além de favorecer o nosso crescimento, garantiria a real proteção do risco para as nossas atividades e pessoas.
Como ABGR ficaremos muito felizes quando a SUSEP atingir a sua plena capacidade de atuar como ente regulatório supervisionando de forma eficiente o nosso mercado.