A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o artigo 56 da Lei nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O dispositivo em questão impõe às seguradoras, entidades de previdência complementar aberta, sociedades de capitalização e resseguradores a obrigatoriedade de destinar 0,5% de suas reservas técnicas e provisões para investimentos em créditos de carbono, o que corresponde a aproximadamente R$ 9 bilhões.
A CNseg argumenta que o mercado de carbono no Brasil é incipiente e de baixa liquidez, com movimentação. Segundo análise mais recente, elaborada pelo BTG Pactual (Voluntary Carbon Market – Monthly Report – novembro de 2024), o total de créditos de carbono emitidos permaneceu na casa dos US$ 220 milhões. Mesmo considerando o mercado global, a consultoria McKinsey estima que ele seja hoje de aproximadamente US$ 1,5 bilhão.
Diante disso, a entidade afirma que não há volume suficiente de créditos de carbono disponíveis para atender à demanda criada pela lei, tornando impossível o cumprimento da obrigação estabelecida. Além disso, o setor destaca preocupações com a integridade e a padronização das metodologias de certificação de créditos de carbono, uma vez que projetos cancelados e falhas de monitoramento têm sido frequentes, o que poderia impactar negativamente os balanços das seguradoras e prejudicar os segurados.
Outro ponto levantado pela CNseg é a falta de um mercado estruturado e transparente para a negociação desses ativos. Atualmente, os créditos de carbono não são negociados em bolsas ou mercados organizados, o que dificulta a verificação de preços e condições, além de comprometer o planejamento das seguradoras. A Resolução CVM nº 223/2024 reconhece que os créditos de carbono não constituem ativos financeiros, reforçando a fragilidade do mercado.
Em nota, a CNseg também alerta para o risco de especulação no mercado de carbono, já que a demanda criada pela lei supera amplamente a oferta existente. Isso poderia inflacionar artificialmente os preços dos créditos, prejudicando tanto os obrigados a adquiri-los quanto aqueles que desejam fazê-lo voluntariamente. Além disso, a entidade ressalta que as reservas técnicas e provisões não pertencem às seguradoras, mas aos segurados e participantes da previdência, sendo destinadas ao pagamento de indenizações e benefícios. A destinação compulsória desses recursos para créditos de carbono coloca em risco a estabilidade financeira do setor e a segurança dos consumidores.
A ADIN proposta pela CNseg alega que o artigo 56 apresenta vícios de inconstitucionalidade formal e material. A Constituição Federal estabelece que a regulação do setor de seguros deve ser feita por lei complementar, e não por lei ordinária, como foi o caso. Além disso, o dispositivo foi inserido na lei de última hora, sem debate prévio com o setor, ferindo princípios constitucionais como a isonomia, a livre iniciativa, a segurança jurídica e a liberdade econômica. A CNseg também critica o caráter discriminatório do artigo, que beneficia apenas os emissores de créditos de carbono, excluindo outros tipos de projetos sustentáveis.
A entidade reforça que o setor de seguros tem atuado de forma proativa na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com 70% das seguradoras já incluindo critérios ASG (Ambientais, Sociais e de Governança) em suas políticas de investimento. A CNseg defende soluções mais abrangentes, como a emissão de green bonds, que permitem a aplicação de recursos em diversos tipos de projetos sustentáveis, sem comprometer a segurança das reservas técnicas.
Ernesto Tzirulnik, advogado da CNseg, destacou que sua cliente apresentará seus argumentos ao STF, ressaltando que o CMN já autoriza legalmente as seguradoras a investirem até 5% de suas reservas em ativos relacionados a créditos de carbono. No entanto, Tzirulnik alerta para o precedente perigoso de uma norma possivelmente inconstitucional desviar recursos para políticas específicas, mesmo que não comprometa individualmente a solvência das companhias.
Tzirulnik também enfatizou que o legislador entendeu ser lícito e não danoso à solvabilidade impor a obrigação de investimento de 0,5% das reservas técnicas em créditos de carbono, como uma política de Estado para impulsionar o mercado desses ativos. No entanto, ele questiona a constitucionalidade da medida, que pode abrir precedentes para outras obrigações semelhantes no futuro. “A CNSeg certamente se preocupa com o precedente de uma norma possivelmente inconstitucional desviar a políticas outras os ativos garantidores, ainda que sem comprometer individualmente a solvência das companhias. E é isso que cabe ao STF avaliar se está acorde ou não com a Constituição”, afirmou.
Cassio do Amaral, sócio do escritório Machado Meyer e especialista em seguros, afirmou que “qualquer tipo de lei que imponha obrigações de investimento em áreas, indústrias e setores para regulados é inconstitucional”. Ele destacou que a medida fere princípios constitucionais como a livre iniciativa e o direito de propriedade. “O Estado pode, e assim o faz, por meio do CMN, indicar quais ativos e o teto de investimentos das seguradoras, por meio da Resolução CMN 4993. Isso é feito para fins prudenciais, mas exigir que uma empresa ou cidadão aplique recursos em ativos específicos é uma invasão descabida do princípio basilar da liberdade”, explicou. “
Todos concordam que a regulação do setor de seguros deve ser feita com base em critérios técnicos e prudenciais, sem interferir na alocação de recursos de forma compulsória. Ele também criticou a falta de debate prévio com o setor antes da inclusão do artigo 56 na lei, o que, segundo ele, compromete a segurança jurídica e a estabilidade do mercado segurador.