Depois de muitas discussões, idas e vindas e tudo mais que um tema polêmico e que mexe com a estrutura do funcionamento de um setor sacudido pela renovação do arcabouço regulatório, das mudanças de hábitos dos consumidores e do avanço tecnológico, a Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira (5) o projeto de lei que reformula as regras do setor.
O texto segue para sanção do presidente Lula e não são esperados vetos. Atualmente, os contratos de seguro são regidos pelo Código Civil, que tem um capítulo específico sobre o assunto, e pelo Decreto-Lei 73/66, também conhecido como Lei do Seguro Privado. O projeto substitui estas normas e entrará em vigor um ano após a sua publicação.
“Foram 21 anos de luta, sem trégua, mas o importante é que a lei e a futura regulamentação infralegal a ela respeitosa melhorarão substancialmente as relações contratuais securitárias no nosso país e conduzirão a um mercado maior com segurados melhor protegidos”, comemorou o advogado Ernesto Tzirulnik, o principal idealizador da proposta, que vem sendo discutida desde 2004 no Congresso Nacional. Contou com o fiel apoio de Fernando Haddad, ministro da Fazenda, e Alessandro Octaviani, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep).
Para Octaviani, o texto traz uma série de medidas de estímulo ao setor de seguros, aumentando a transparência e a proteção dos consumidores. Além disso, Octaviani destaca que a Lei é uma mudança institucional vinculada, mais amplamente, a uma Política Nacional de Acesso ao Seguro. “O Brasil tem um enorme mercado potencial de seguro, raramente comparável a qualquer outro mercado do mundo. Somos uma das dez maiores economias do mundo, mas o mercado de seguros é apenas em torno do 20º. A Lei é um dos tantos diplomas normativos que se insere nesse objetivo maior que é proporcionar o acesso e o consumo de seguro no nosso país”, afirmou em nota.
O diretor de relações institucionais da CNseg, Esteves Colnago, destaca que a nova lei vai aprimorar as diretrizes para o setor e seus consumidores. “O texto aprovado pela Câmara é fruto de acordo com o setor segurador e busca fortalecer o segurado, trazendo maior necessidade de atenção e comprometimento por parte das seguradoras quando da oferta dos seus produtos. Esse novo equilíbrio na relação entre as partes trazida pelo projeto impõe novos desafios e, consequentemente, novas oportunidades de amadurecimento e crescimento do setor”, afirmou.
Para a diretora jurídica da CNseg, Glauce Carvalhal, ter uma Lei sobre seguros promoverá uma melhor estruturação clareza sobre os conceitos aplicáveis ao contrato, de modo a possibilitar maior transparência às relações jurídicas e facilitar a disseminação dos aspectos que envolvem o contrato de seguro, o que é tão importante para o crescimento do setor. “Uma nova lei, como é natural, acarretará desafios que demandarão estudo, análise, interpretação para sua correta aplicação, diálogo entre os diferentes atores sociais e profundo sentido de cooperação, para que possamos concretizar os melhores resultados para toda a sociedade consolidando a solvência, sustentabilidade e perenidade para o setor de seguros em prol da sociedade brasileira”, disse a executiva.
“O novo marco legal do seguro no Brasil é um divisor de águas. Com a lei espera-se maior certeza jurídica, ampliação dos direitos do segurado e maior eficiência das seguradoras na subscrição de riscos, bem como regulação e liquidação de sinistros. As seguradoras devem se adaptar organizacionalmente, mudando processos e sistemas para melhor atender a sociedade”, comentou o advogado Cássio Gama Amaral, sócio do Machado Meyer ao Sonho Seguro. “Será um impacto substancial não apenas nas relações entre segurado e seguradora, mas também nas relações internas. Os reguladores de sinistro passam a ter um papel ainda mais relevante”, afirma.
Em entrevista ao Valor, Luciana Dias Prado, sócia do Lefosse, o projeto foi pensado principalmente do ponto de vista da pessoa física e jurídica que contrata os seguros “massificados”, como de veículos e residencial. A grande questão, afirma, é que a lei não faz distinção com seguros de grandes riscos, que cobrem eventos de grande impacto, como o colapso de estrutura e desastres naturais. “Há casos de sinistros em que o processo de regulação dura de um a dois anos. O prazo de 120 dias pode ser insuficiente e fazer com que as seguradoras optem por negar a cobertura diante da impossibilidade de analisar os casos de forma adequada, o que pode gerar maior judicialização no mercado”, alerta Prado.
O novo marco do setor deve demandar adaptações nas operações das seguradoras para o cumprimento de novos prazos e regras, destaca o Valor. “Não são pontos que o mercado não irá se adaptar, mas eles terão um custo que ainda não foi bem estimado”, diz Bárbara Bassani, corresponsável pela área de seguros e resseguros do TozziniFreire.
Principais pontos de controvérsia e suas resoluções:
Aprovação prévia de condições contratuais e notas técnicas atuariais: O texto original exigia que todas as condições contratuais e notas técnicas atuariais fossem aprovadas previamente pela Superintendência de Seguros Privados (Susep).Após debates, essa exigência foi flexibilizada, permitindo que, em determinados casos, as seguradoras possam registrar seus produtos sem necessidade de aprovação prévia, desde que cumpram requisitos estabelecidos pela Susep.
Atualização em relação às inovações tecnológicas e regulatórias: Foram incorporadas emendas que buscam alinhar o texto às inovações tecnológicas e às mudanças regulatórias recentes, contemplando aspectos como o uso de inteligência artificial e novas tecnologias aplicadas ao setor de seguros.
Liberdade contratual e competitividade do mercado: Algumas disposições que poderiam interferir na liberdade contratual foram revisadas.Por exemplo, as regras específicas sobre o período de garantia nos seguros de transporte de bens e de responsabilidade civil foram ajustadas para permitir maior flexibilidade entre as partes contratantes.
Conflito com a atualização do Código Civil: Para evitar inconsistências jurídicas, o texto aprovado foi harmonizado com as propostas de atualização do Código Civil brasileiro, assegurando coerência entre as legislações.
Impacto no mercado de resseguros: A exigência de que contratos de resseguro firmados por seguradoras brasileiras com resseguradoras estrangeiras sejam regidos exclusivamente pela legislação brasileira foi mantida. No entanto, foram introduzidas disposições que permitem maior flexibilidade, visando não afastar resseguradoras internacionais do mercado brasileiro.