Seguro rural: recursos incertos para enfrentar riscos crescentes

A discussão no seguro rural, principalmente com a tragédia do Rio Grande do Sul, deve incluir todo o setor atingido, governo e sociedade para mudar esse cenário de incertezas, afirma diretor da Mapfre

Fonte: Valor Econômico, Revista Agronegócio

Previsibilidade. Esta é a palavra mais repetida quando o assunto é o Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), que visa proteger a safra, especialmente de riscos climáticos. Mas de previsível nem o tempo, nem os recursos disponibilizados pelo governo federal aos produtores. “Temos as adversidades do clima com a ocorrência do El Niño na safra atual e previsão de La Niña em 2024/2025. Precisamos de previsibilidade para elevar a área segurada e mitigar riscos dos produtores com custos cada dia mais elevados”, afirma Guilherme Rios, assessor técnico da Comissão Nacional de Política Agrícola da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Desafios não faltam para o seguro rural avançar no Brasil. O governo tem relegado esse tipo de seguro a segundo plano, sem novos recursos incluídos no anúncio do Plano Safra 2024/2025, assim como foi em 2023, acentuando a instabilidade orçamentária, o que, segundo os entrevistados, destrói o planejamento das seguradoras e dos produtores, que acabam recorrendo ao refinanciamento da dívida em caso de perdas.

Como o seguro rural segue o ano civil, e não o ano safra, os recursos só são definidos junto com o Orçamento da União. De acordo com o ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, o pleito de seguro rural em torno de R$ 3 bilhões será trabalhado na elaboração da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2025. A CNA luta para conseguir R$ 4 bilhões diante das incertezas climáticas. As contratações do PSR estão concentradas em seis atividades, que representaram aproximadamente 85% do orçamento aplicado no ano de 2023, como soja, milho, trigo, maçã, café e uva.

Mesmo anunciando os recursos pretendidos, o governo não cumpriu ou atrasou os valores disponibilizados no orçamento aprovado pelo Congresso Nacional nos últimos três anos. No primeiro semestre deste ano, foram liberados apenas R$ 346,5 milhões para a subvenção ao prêmio do seguro rural do orçamento de R$ 947,5 milhões de 2024. Ao todo, foram subvencionadas 31,9 mil apólices, com área coberta de 1,6 milhão de hectares e valor assegurado de R$ 8,8 bilhões. Em 2021, R$ 1,15 bilhão, suficiente para segurar 17% da área plantada no Brasil. Em 2022, pouco mais de R$ 1 bilhão. Em 2023, o pedido era de R$ 2 bilhões, mas só vieram R$ 933 milhões, o que cobriu apenas 8% da área plantada.

O Plano Safra 2024/2025 trouxe apenas um aporte de R$ 500 milhões destinado ao Rio Grande do Sul, que sofreu com enchentes e inundações. “Um evento semelhante teria proporções catastróficas para o agro se tivesse ocorrido três ou quatro semanas antes no Sul, antes da colheita da safra”, diz Daniel Castillo, vice-presidente de resseguros do IRB(Re).

O Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa) monitora a atuação das seguradoras habilitadas no PSR no Sul do Brasil. Do total de aproximadamente 16 mil apólices comercializadas para as principais culturas de verão (arroz, milho e soja), cerca de três mil estavam com aviso de sinistro até junho. De acordo com a Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg), o seguro rural acumula 2.215 pedidos de indenizações, estimadas em R$ 181 milhões até 16 de junho.

A tragédia no Sul colocou novamente na pauta do setor a criação de um fundo catástrofe para fazer frente a perdas acima da série histórica, como a registrada em 2022. “Apenas entre os anos de 2020 e 2022, as seguradoras pagaram aos produtores rurais cerca de R$ 16 bilhões em indenizações”, comenta Jônatas Pulquério, diretor do departamento de gestão de risco na Secretaria de Política Agrícola do Ministério da Agricultura e Pecuária (SPA/Mapa).

De acordo com Rios, da CNA, com o maior volume de perdas, o fundo se torna urgente para manter as seguradoras no ramo e preços mais estáveis para os produtores. O fundo seria acionado para recompor as perdas das seguradoras em caso de eventos climáticos severos acima da série histórica, evitando assim a instabilidade da oferta do seguro. A CNA também quer blindar os recursos, por meio da transferência dos recursos para Operações Oficiais de Crédito (OOC).

Os executivos de seguros afirmam que a demanda dos produtores é grande e há frustração com os valores liberados. “A insuficiência de recursos destinados à subvenção do prêmio do seguro rural coloca em risco a segurança financeira dos produtores, que precisam recorrer a renegociações de dívidas, o que é um ônus maior para o governo do que reservar recursos para o subsídio”, argumenta Joaquim Neto, presidente da Comissão de Seguro Rural da Federação Nacional de Seguros Gerais (FenSeg).

A Brasilseg, líder do segmento, manteve-se presente em todas as regiões de atuação, por ter um contrato de resseguro adequado. “É fundamental que se criem mecanismos que viabilizem a universalização do seguro em todo o país, para reforçar o conceito do mutualismo e dar sustentabilidade diante das perdas que certamente serão registradas em virtude dos fenômenos climáticos cada vez mais frequentes e impactantes”, comenta Amauri Vasconcelos, CEO da Brasilseg, uma empresa da BB Seguros.

No ano passado, a Brasilseg ampliou em 44% o volume de negócios com parceiros agro para além do balcão do Banco do Brasil, em especial com revendas agrícolas, cooperativas e correspondentes bancários, e a expectativa é continuar fortalecendo essas relações em 2024.

Fabio Damasceno, diretor técnico de seguro rural da Mapfre, segunda maior seguradora do segmento, acredita que a discussão no seguro rural, principalmente com a tragédia do Rio Grande do Sul, deve incluir todo o setor atingido, governo e sociedade para mudar esse cenário de incertezas. “O cerne da questão são as mudanças climáticas, que se anteciparam em muitos anos, e as ofertas atuais de seguro precisam ser revistas. Embora os modelos de precificação tenham evoluído, o clima e a conjuntura econômica são dinâmicos e podem alterar completamente a estratégia e a percepção de risco de todos os envolvidos. A imprevisibilidade de recursos, calendário e contingências relacionadas aos subsídios adicionam mais complexidade.”

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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