Fonte: Folha
O grupo de trabalho que trata do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária decidiu retomar a proposta que autoriza estados a taxarem os recursos aportados em planos de previdência privada transmitidos a beneficiários por meio de herança.
A medida havia sido incluída na minuta elaborada pelo governo a pedido dos estados, mas foi excluída de última hora por decisão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) diante da repercussão negativa.
O parecer com as mudanças foi divulgado na noite desta segunda-feira (8) pelo grupo de trabalho na Câmara dos Deputados. O relator-geral do texto é o deputado Mauro Benevides (PDT-CE). Segundo ele, o projeto está pronto para votação em plenário, mas a data dependerá de decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL).
Alguns estados já cobram o ITCMD (Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos) sobre planos de previdência privada do tipo PGBL e VGBL. No entanto, as regras não são homogêneas e enfrentam questionamentos na Justiça.
O objetivo do governo era uniformizar as normas em âmbito nacional e dar maior segurança jurídica à cobrança do tributo quando o plano tem caráter sucessório, para transmitir patrimônio. A retomada do dispositivo resgata essa intenção, mas com ajustes.
O texto do grupo de trabalho diz que o ITCMD incide sobre “aportes financeiros capitalizados sob a forma de planos de previdência privada ou qualquer outra forma ou denominação de aplicação financeira ou investimento, seja qual for a modalidade de garantia”.
No entanto, não serão alvo de cobrança os valores que tenham sido aportados em planos do tipo VGBL há mais de cinco anos da ocorrência do fato gerador.
“Para quem tem muito patrimônio, a pessoa tem dinheiro na poupança, CDB, todas as aplicações financeiras… Quando a pessoa falece, há sim a incidência do ITCMD. Entretanto, as pessoas de mais alta renda conseguem fazer planejamento tributário. Eles trocam todas as aplicações e vão para o VGBL”, afirmou Benevides.
Segundo ele, pela legislação atual não há nada de ilícito nessa migração, mas o desejo dos parlamentares é dar segurança para a cobrança do imposto estadual.
“Para evitar que esses planejamentos tributários continuem acontecendo na legislação brasileira, vamos colocar o prazo de cinco anos. Se colocou dinheiro e manteve por 5 anos, não terá incidência de ITCMD”, acrescentou o parlamentar, reconhecendo que o tema deve gerar debates no plenário.
O texto manteve fora do alcance da taxação os planos similares a seguros de vida, que pagam uma indenização em caso de morte do segurado em valor sem relação direta com o montante aportado.
O deputado Ivan Valente (PSOL-SP), um dos integrantes do grupo de trabalho, reforçou que a regra dos cinco anos busca coibir a prática de transferência de recursos para planos de previdência como forma de driblar a taxação.
“Sabemos que PGBL e VGBL são rota de fuga”, disse Valente durante a reunião pública do grupo de trabalho para divulgar o parecer ao projeto. “Os que já ganham muito, têm patrimônio grande, renda grande querem rotas de fuga, ainda.”
O deputado Pedro Campos (PSB-PE) disse que a inclusão da taxação dos planos de previdência foi discutida com os estados, embora nem todos tenham concordado com o prazo de cinco anos para a cobrança sobre os valores aportados.
“Sabemos que tem estados que concordam com essa opção e estados que não exatamente concordam, mas o grupo de trabalho decidiu que essa questão seria colocada no texto, até para jogar luz no debate”, afirmou.
No relatório, os deputados mantiveram inalterada a alíquota máxima do ITCMD, hoje em 8% (conforme resolução do Senado Federal), apesar da demanda de estados por uma elevação desse patamar.
No entanto, eles incluíram no projeto um comando que obriga os estados a cobrar o teto sobre os “grandes patrimônios”, definição que será regulamentada em lei estadual ou do Distrito Federal.
Hoje, os estados têm autonomia para fixar alíquotas menores do que os 8%. Segundo Valente, 13 unidades da federação cobram percentuais menores do que o teto.
“Vai ser obrigatório seguir os 8% garantidos pela Constituição”, disse o deputado do PSOL. “Isso que fizemos não é aumento de imposto, é justiça fiscal. E é pouco ainda”, afirmou.
Segundo os parlamentares, a criação da categoria de “grandes patrimônios” vincularia automaticamente a cobrança em caso de elevação da alíquota máxima pelo Senado Federal.
No entanto, o relator-geral do texto reconheceu que a regulamentação do que será considerado “grandes patrimônios” será facultativo: se algum estado não aprovar a lei, não há punição. “Realmente é facultativo”, disse Benevides. “Vamos ver se isso pelo menos serve de estímulo.”
Valente disse que incluir uma punição aos estados que não regulamentarem o tema poderia ser considerado inconstitucional, dado o preceito de autonomia federativa garantido pela Constituição.
O projeto de regulamentação também mexe nas regras que tratam do ITBI (Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis), cobrado por municípios e pelo Distrito Federal.
Hoje, o pagamento é feito no momento do registro da transferência. A proposta do governo previa a antecipação da cobrança para o momento da assinatura da escritura, que passaria a ser o fato gerador do débito —o que foi questionado por tributaristas.
“Entendemos que não seria possível mudar o fato gerador na transmissão”, disse Campos. O texto prevê a opção de os municípios anteciparem ou não a cobrança para o momento da assinatura do contrato de compra e venda, mas sem mexer no fato gerador. Ou seja, recolher antes seria opcional.
“O que foi colocado é a possibilidade de antecipação da cobrança do imposto, e isso já é feito por meio da lógica de concessão de desconto”, disse o parlamentar. Ele ressaltou ainda que, para quem já assinou o contrato de compra e venda, não haverá efeito retroativo se o projeto for aprovado dessa forma.