Fonte: Valor, por Beatriz Olivon
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve a cobrança de PIS e Cofins sobre receitas financeiras obtidas com a aplicação das reservas técnicas das seguradoras – depósitos obrigatórios que garantem a capacidade de pagamento de sinistros. A decisão é a primeira que se tem notícia depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) encerrou a discussão sobre a tributação de prêmios das seguradoras.
Em alguns votos, os ministros do STF chegaram a abordar a tributação das reservas técnicas. Mas, no julgamento, essa questão não foi definida, segundo os integrantes da 2ª Turma do STJ. A matéria, afirmou o relator, ministro Francisco Falcão, não era objeto do processo e teria caráter infraconstitucional. Por isso, acrescentou, caberia ao STJ analisá-la.
Depois da decisão do Supremo, seguradoras e a Fazenda Nacional seguiram divergindo sobre a questão. Para as seguradoras, com base no julgamento, esses rendimentos obtidos com as reservas técnicas não deveriam sofrer a incidência de PIS e Cofins. Defendem que vendem seguros – essa é a atividade principal – e somente o que recebem dos clientes poderia ser tributado.
No entendimento da Fazenda Nacional, porém, o julgamento do Supremo autorizaria a tributação. Considera que a constituição dessa reserva técnica faz parte da atividade operacional das seguradoras e, por esse motivo, cobra o PIS e a Cofins sobre os rendimentos.
O assunto vem repercutindo nos tribunais. Em novembro, o desembargador Antonio Carlos Cedenho, vice-presidente do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), com sede em São Paulo, determinou que a 4ª Turma voltasse a julgar um caso tendo em vista a decisão do STF sobre “reservas técnicas” (processo nº 0006564-81.2015.4.03.6100).
No STJ, o advogado das seguradoras, Paulo Tedesco, lembrou na sustentação oral que, recentemente, o Supremo analisou a base de cálculo do PIS e da Cofins das seguradoras e prevaleceu o voto do ministro Cezar Peluso, no sentido de que faturamento é a receita típica das seguradoras – o que significa que deve ser recorrente e vinda da atividade que confere propósito e razão de ser à empresa.
“Não há atividade. Há mera receita passiva [com a aplicação das reservas técnicas]. E se atividade houvesse, não seria atividade típica”, afirmou o advogado. “Não é qualquer espécie de atividade nem de ingresso financeiro [que pode ser tributado].”
Ainda segundo o advogado, a Lei nº 12.973, de 2014, estabelece que o PIS e a Cofins incidem sobre a receita principal da seguradora. Ele lembrou que a legislação obriga as companhias a formar a reserva técnica e a investir os recursos e, por isso, não haveria atividade.
“A receita principal das seguradoras vem da venda de seguros, mas há também receita de juros e rendimento com a reserva técnica, guardada em investimentos financeiros”, disse Tedesco, acrescentando que “a atividade única das seguradoras é garantir riscos”.
O advogado lembrou que, no julgamento do STF sobre os prêmios, dois ministros, expressamente, retiraram a tributação dos rendimentos das reservas técnicas. Entre eles o relator, ministro Dias Toffoli.
No STJ, porém, prevaleceu o voto do relator, ministro Francisco Falcão. Ele afirmou que, no julgamento sobre a definição da receita bruta operacional das instituições financeiras, o STF não deixou dúvidas sobre a incidência de PIS e Cofins sobre receitas financeiras advindas de investimentos com recursos próprios. Por isso, de acordo com ele, a incidência do PIS e Cofins independe da caracterização do ingresso financeiro como contraprestação.
Ainda segundo o relator, no julgamento sobre o prêmio das seguradoras, o STF não se pronunciou sobre a tributação das receitas advindas da reserva técnica. Para ele, “as receitas financeiras advindas de investimentos das reservas técnicas são receitas operacionais” (REsp 2052215).
Para Glauce Carvalhal, diretora jurídica da Confederação Nacional das Seguradoras (CNSeg), “a decisão do STJ não observou a decisão do Supremo que concluiu que as receitas operacionais ou típicas das seguradoras são apenas aquelas decorrentes do recebimento de prêmios de seguros”.
Leandro Cabral, sócio do Velloza Advogados, também entende que o julgamento da 2ª Turma contraria a decisão do STF. O voto vencedor indica que, para as seguradoras, não consistem em faturamento as receitas financeiras oriundas das aplicações financeiras das reservas técnicas. A decisão do Supremo já transitou em julgado (RE 400479), portanto, não cabe mais recurso.
No STF, o ministro Dias Toffoli trouxe o ponto das reservas técnicas no voto, indicando que não poderiam ser atingidas pelo PIS e Cofins e que o posicionamento do ministro Peluso, apresentado antes de se aposentar, era no mesmo sentido.
Toffoli chegou a citar um parecer recente de Peluso sobre o assunto, em que afirma que essa é a sua posição. O ministro Edson Fachin, por sua vez, afirmou em seu voto que esse tema não era objeto do processo. Como o acórdão do STF foi redigido por Toffoli e o ponto não foi abordado em todos os votos, a divergência se manteve.