Pedido de recuperação da Light pode gerar perdas de até R$ 5 bi em seguros

São mais de 20 seguradoras na disputa do garantia judicial, com as duas maiores detendo R$ 1,2 bilhão das vendas

O dia nem tinha raiado mas o ritmo das mensagens em grupos de WhatsApp de executivos de seguro garantia judicial já era de horário de rush. O pedido de recuperação judicial da Light pode ser o gatilho para outro dos maiores eventos de sinistro na história do mercado brasileiro de seguros, com impacto bilionário no segmento de seguro de garantia judicial. As previsões preliminares de alguns executivos é de algo em torno R$ 5 bilhões.

No caso Americanas, o seguro mais afetado, inicialmente, foi o seguro de crédito, com pedidos de indenizações de fornecedores ainda em andamento, com valores que devem superar os R$ 3 bilhões. No caso do seguro garantia, se a Americanas quebrar, as seguradoras podem perder outros bilhões. “Mas no caso da Americanas, há sócios que injetaram dinheiro e isso aliviou as perdas em seguro garantia. Já no caso da Light é muito pouco provável que alguém injete dinheiro e evite uma falência”, comentam executivos que pediram anonimato.

Um advogado especializado no tema pondera. “Se houver impacto em garantia judicial não será imediato. Outras garantias de expansão de rede podem ser impactadas”, afirmou ao Sonho Seguro. “É um caso parecido com a OI. Tem fluxo de caixa garantido e isso ajuda durante a recuperação judicial, pois os clientes não param de pagar a conta de energia”.

Outro advogado vê o risco para o mercado segurador de outra forma. Segundo ele, a recuperação judicial da Light é altamente questionável, pois discute-se se uma concessionária de energia pode mesmo pedir uma RJ. Se o judiciário entender que cabe a RJ, o cenário acima é o mais provável de acontecer.

O problema é se o Judiciário não entender cabível a RJ. “A Light pode simplesmente falir do dia pra noite. Nesse caso, provavelmente todas os seguros garantia judiciais já seriam acionáveis pelos respectivos credores. Provavelmente estamos falando de credores trabalhistas e as fazendas Federal, Estaduais e Municipais. As apólices são dadas em garantia de execuções trabalhistas e fiscais, via de regra. Ou seja, o garantido é o Juízo em que se processa a execução. Não vai ter muito “argumento” para as seguradoras, como vêm tentando no caso do D&O e seguro de crédito da Americanas. Vão ter que pagar de imediato as indenizações, caso a Light venha à falência”.

A Light afirma que a recuperação judicial compreende obrigações de aproximadamente R$ 11 bilhões e embora venha avançando nas negociações com credores, a atual situação econômico-financeira está se agravando. Aproximadamente R$ 7 bilhões estão com detentores de debêntures e R$ 3,1 bilhões em títulos de dívida no exterior (bonds).

O pedido de recuperação judicial da concessionária foi efetivado pela Light S/A, holding de capital aberto sediado no Rio de Janeiro, envolvendo as controladas Light Serviços de Eletricidade S/A, concessionária de transmissão e distribuição de energia elétrica e Light Energia S/A, de geração de energia elétrica, ambas localizadas no mesmo endereço da holding.

Segundo informou o Estadão, a Light diz que vinha avaliando alternativas e empreendendo esforços na busca do equacionamento de obrigações financeiras, “inclusive mediante tratativas com certos credores no âmbito de procedimento de mediação devidamente instaurado e em curso na presente data”. No entanto, a Light cita que a situação se agravou, “embora siga avançando nas negociações”.

O pedido segue-se a uma tentativa de mediação forçada com credores, levada à Justiça pelos advogados da empresa, que também suspendia as cobranças por 30 dias. O prazo expirou ontem (11). A pretensão da Light era não só avançar numa conversa com seus credores, mas também com a Aneel, órgão regulador, para antecipar à renovação da concessão em termos financeiros melhores que os que a companhia tem hoje.

O segmento de seguro garantia movimentou em 2022 cerca de R$ 3,47 bilhões, praticamente 80% proveniente de apólices judiciais. O ramo de garantia tradicionais, dadas para assegurar a conclusão de um contrato, deixou de ser líder no ramo nos últimos anos. Por outro lado, o seguro garantia judicial não para de crescer, graças aos avanços legais e normativos.

O seguro garantia judicial assegura que os débitos judiciais, isto é, a indenização em um processo, seja paga à parte vencedora do processo. Substitui outras formas de caução, como o depósito em dinheiro, a carta-fiança bancária e a penhora de bens durante um trâmite processual.

Este é um nicho de mercado que vem atraindo muito competidores, principalmente em seguro garantia judicial. São 36 seguradoras disputando um mercado tido com imenso potencial. As indenizações somaram R$ 891 milhões no ano passado, gerando um índice de sinistralidade de 28%.

A probabilidade de um grande sinistro existe. Mas é baixa. Segundo executivos, a empresa vai fazer de tudo para honrar seus compromissos, pois se der default enfrentará sanções de crédito, sem poder contratar novas apólices de seguro garantia.  Por isso, antes de uma seguradora dar crédito para o seguro judicial, é feita uma análise criteriosa da companhia, olhando seus resultados passados e buscando entender a perspectiva da empresa para os anos a frente.

Apesar de a Light não ter novas apólices, as que têm contam com vigência longa. Boa parte delas de 5 anos – nestes tipos de risco. E é aqui que a preocupação do setor reside. Todos olham suas exposições, que contam com resseguro. Se o cenário já era considerado difícil para obtenção de capital em resseguro, principalmente para seguro de crédito e rural, agora a situação pode ficar um pouco mais complicada para seguro de garantia, que não sofria desta seca.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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