O Brasil é figura carimbada na estratégia mundial das resseguradoras há décadas. Depois de cinco anos de com perdas em catástrofes naturais e com a pandemia, os resseguradores, responsáveis pelo seguro das seguradoras, priorizam a América Latina, uma região vista com grande potencial de crescimento das vendas e dos lucros. Os principais players estrangeiros começam 2023 dedicados a construir pontes para ganhar contratos na atividade fim, que é o seguro de grandes riscos e de catástrofes naturais. Enquanto o primeiro ficou em terceiro plano nos últimos anos em razão da falta de investimentos em infraestrutura, as mudanças climáticas promovem desastres mundo afora sem cessar.
Semana passada o Sonho Seguro conversou com Kaspar Mueller, CEO de resseguros para a América Latina da Swiss Re, sediado em Miami, Estados Unidos. “Estamos concentrados em ser percebidos como uma parceira de longo prazo, que vai além de oferecer capacidade para este ou aquele risco. Estou aqui para dizer aos nossos parceiros e prospects: como podemos ajudar a melhorar suas vendas e manter a resiliência dos seus negócios”, enfatiza o executivo que concedeu esta entrevista na semana passada, numa agenda recheada com diversas reuniões, incluindo até um churrasco com cerca de 150 clientes, empresários e funcionários.
“A América Latina continha sendo uma promessa. O mundo está complexo, com comoções sociais, mudanças climáticas, pandemias, inflação em alta, que é muito preocupante para o setor pelos impactos que têm nos contratos de seguros. Para a Swiss Re, o Brasil tem o maior potencial da América Latina. Está pronta para crescer e ter um PIB robusto. Queremos apoiar nossos clientes locais em diversas frentes. Temos uma equipe local, liderada pelo Frederico Knapp, e eu estou aqui para ajudar a entender as necessidades locais e assim trazer soluções inovadoras e tradicionais que já estão em uso em diversas partes do planeta”, afirma. E isso inclui catástrofe natural.
As mudanças climáticas figuram em todas as rodas de conversas. E não poderia ser diferente no Brasil. “A indústria de resseguros e de seguros tem um lugar claro na mesa de discussões e ações relacionadas às mudanças climáticas”, disse. Há um esforço significativo em andamento para entender melhor os riscos climáticos no setor de resseguros e dividir esta experiência com o governo. Entre as ferramentas mais usadas para a mitigação dos riscos de catastróficos temos seguros, resseguros, fundos governamentais e títulos de catástrofe, mais conhecidos como Cat Bonds.
Mueller cita como outras regiões já se organizaram para conviver com catástrofes. “Nos EUA, há o National Flood Insurance. Na Califórnia temos a Earthquake Association, que é uma entidade governamental. No México, o Fundo para Desastres Naturais (Fonden). E no Brasil é preciso desenvolver um mecanismo para as enchentes e inundações. Trata-se de uma solução do governo. Acho que é responsabilidade do país realmente pensar em como proteger a sociedade desses eventos, que sabemos que vão acontecer como mais frequência diante das mudanças climáticas”.
Knapp, CEO da subsidiária brasileira da Swiss Re, comentou que há conversas com o órgãos do governo, que envolvem a iniciativa privada. “Estamos em conversas com o governo e com seguradoras locais para contribuirmos para evitar novas tragédias como a vista no Litoral Norte de São Paulo. Não foi a primeira e nem será a última, mas a próxima pode contar com uma estrutura financeira e de gerenciamento de riscos oferecidas pelo setor de seguros”.
Também na semana passada, a subsidiária brasileira divulgou seu balanço financeiro, com um prejuízo de R$ 39,5 milhões em 2022 (R$ 19,4 milhões em 2021), principalmente na carteira de seguro rural, que fez estragos em praticamente todas as resseguradoras e seguradora atuantes neste nicho do setor.
“Fizemos dois aumentos de capital para manter nosso crescimento e oferecer um serviço completo aos nossos clientes localmente. Quando olhamos do ponto de vista do negócio, o resultado é muito positivo. Obviamente, tivemos uma grande perda na agricultura, como todos tiveram. Nosso olhar está no longo prazo. O desempenho histórico do ano passado não parece bom porque tivermos um evento catastrófico, que costumam acontecer de tempos em tempos. No geral, o Brasil para nós é um mercado muito lucrativo”, afirmou Mueller.
As vendas superaram R$ 650 milhões, alta de 11,7% comparada ao ano anterior. O bom desempenho foi creditado a diversificação de carteira, ampliado por uma transformação e implementação de novas soluções digitais.
“Temos certeza, olhando tudo que temos no mundo e na América Latina, que podemos apoiar os clientes locais a avançarem em suas vendas, seja com oferta de capital, com programas de resseguro e com tecnologia para reduzir custos e facilitar o ingresso em novos mercados latentes no Brasil, como o seguro de vida, por exemplo, tão demandados por bancos digitais, como o Nubank, e marketplaces, como o Mercado Pago, por exemplo”, comentou Mueller.
Segundo ele, esses dois cases brasileiros sinalizam o quanto as seguradoras podem avançar na oferta de soluções para diversos segmentos da economia. “E nós queremos contribuir para que essas oportunidades sejam potencializadas”, acrescentou.
Quanto ao risco de fraudes em balanços, tema que voltou ao radar do mercado de seguros, os executivos afirmam que o sinal amarelo está ligado. O gatilho foi a Americanas, que entrou em recuperação judicial em 19 de janeiro, alegando dever R$ 42,5 bilhões, tendo o trio de acionistas de referência Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. “Temos uma pequena participação como ressegurador neste caso e nosso time de subscritores redobrou a atenção aos balanços financeiros”, informou Knapp.
Muller acrescentou que o consumo, principal fator de lucro ou prejuízo de uma varejista, depende basicamente de duas variáveis: emprego e crédito. Sem isso, é inevitável um cenário de desaceleração da economia, que impacta também o setor de seguros, seja no crescimento das vendas daqueles que descobriram como o seguro pode ser um aliado em momento de crise, ou no aumento do volume de indenizações pagas.
“Para nós, o mais importante neste assunto é o risco reputacional. Estamos aqui para sermos parceiros de longo prazo e nos comprometemos a pagar milhões se algo der errado. Mas a reputação é nossa prioridade número um. Se eu olhar para um negócio e acreditar que há risco para a nossa reputação, então é claro que vamos evitar completamente, mesmo que ele possa ser lucrativo”, finalizou Mueller.