Por Rodolfo Arashiro Rodriguez, diretor de Risco e Compliance da Austral Seguradora
Quando me tornei gestor de riscos e conformidade, uma questão me preocupava. Em geral, os agentes deste ramo (compliance officers) são vistos pela corporação como os guardiões do código de ética. Mas como uma pessoa comum pode ter esta responsabilidade?
Afinal, não somos pessoas com a preparação ou vocação de um padre, pastor, monge ou rabino. É também diferente do trabalho de um juiz, pois este analisa argumentos de defesa e acusação com base na lei. As questões éticas dentro de uma empresa estão, na maioria das vezes, dentro do campo da legalidade e é difícil estabelecer o que é certo e errado. Ou mesmo quando aplicar uma análise deste tipo sobre uma ação dentro da companhia. É preciso buscar uma estrutura para começar o trabalho.
Muitas mentes brilhantes já se debruçaram sobre as questões éticas e fornecem uma estrutura que pode ser utilizada nas nossas análises e decisões. Ética ou Filosofia Moral, neste sentido, é um ramo da filosofia que busca sistematizar o que é certo e errado. São três níveis de análise, a metaética, a ética normativa e a ética descritiva.
A metaética faz questões como: “existe o certo e errado?” ou “é possível saber o que é certo?”. São questões relevantes, mas que acabamos superando para chegar à ética normativa. Essa sim uma busca por prescrever avaliações sobre o certo ou errado. Veremos adiante três das principais vertentes deste campo.
Por fim, a ética descritiva é parte da sociologia, antropologia e psicologia social. Busca descrever efetivamente como as pessoas se comportam.
Há um vídeo bastante difundido do filósofo Mario Sérgio Cortella que analisa a atitude de um maratonista. Ele, ao ver o líder da prova se confundindo em relação à linha de chegada, não o ultrapassa. E mais, dá ajuda para chegar ao final. Perguntado sobre o ocorrido, o atleta diz que fez o correto, e que uma ação diferente envergonharia sua mãe.
Um dos ramos principais da Filosofia Moral é a Ética da Virtude. Descreve o caráter de um agente moral como uma força motriz para o comportamento ético, e é usada para descrever a ética dos primeiros filósofos gregos, como Sócrates e Aristóteles.
Ético é fazer aquilo que uma pessoa honrada faria. É fazer aquilo que deixaria sua mãe orgulhosa, ter calma, boa reflexão, lógica, disciplina, modéstia, temperança e autoconhecimento. Remonta pensadores como Marco Aurélio, Epíteto, Sêneca e várias prateleiras de autoajuda nas livrarias.
Outro ramo fundamental é a Deontologia, teoria ética normativa de que a moralidade de uma ação deve ser baseada em si é certa ou errada, sob uma série de regras, em vez de suas consequências. O maior expoente desta linha é Immanuel Kant.
O argumento começa com a premissa de que o bem supremo deve ser bom em si mesmo e sem qualificação. O prazer, por exemplo, parece não ser bom sem qualificação, pois pode vir de ações moralmente ruins.
Ele conclui que há apenas uma coisa que é verdadeiramente boa: nada no mundo pode ser concebido que possa ser chamado de bom sem qualificação. Exceto, uma boa vontade.
Kant argumenta que as consequências de um ato de vontade não podem ser usadas para determinar se a pessoa tem uma boa vontade. Boas consequências podem surgir por acidente e más consequências podem surgir de uma ação bem motivada.
Assim, a única coisa que é verdadeiramente boa em si mesma é uma boa vontade. E uma boa vontade só é boa quando quem quer fazer alguma coisa porque é dever dessa pessoa.
Um conceito importante é o “Imperativo Categórico”: agir apenas quando a ação pode ser transformada em uma lei universal. Por exemplo, dizer a verdade pode bem ser uma lei universal. Outro ponto é nunca utilizar uma pessoa como meio para um fim; e que todo ser racional deve agir como se fosse sempre um membro legislador de um reino universal.
A terceira forma de ética normativa é o Consequencialíssimo. Talvez a mais intuitiva de todas, como o nome diz, sustenta que as consequências da conduta de alguém são a base para o julgamento sobre a correção ou incorreção dessa conduta. Assim, um ato moralmente correto é aquele que produzirá um bom resultado.
Uma vertente conhecida deste ramo é o Utilitarismo, onde se tenta de certo modo quantificar as consequências ou utilidade dos atos e fazer um julgamento a partir daí. A partir da consciência humana, podemos derivar quanta utilidade é derivada de cada ação e sua consequência.
Uma derivada interessante e pouco intuitiva desta forma de se pensar é que o conceito de utilidade vale para todos os seres conscientes.
Um animal, por exemplo, tem algum nível de consciência e, portanto, seu bem estar deveria ser levado em consideração em alguma medida. Seria errado, sob esta ótica, permitir rinhas de animais, pois a eventual utilidade para os espectadores seria amplamente anulada pelo sofrimento e morte causados.
Há ainda uma consideração adicional sobre a correção de nossas ações no ambiente empresarial. Max Weber faz uma distinção entre Ética da Convicção e Ética da Responsabilidade.
Quando estamos agindo em nome de uma empresa, nem sempre as nossas convicções são suficientes para tomar uma atitude correta. É preciso analisar as consequências para aqueles a quem representamos. E isto vale para qualquer ação dentro do ambiente empresarial, ainda que aparentemente não haja uma questão moral envolvida. Nunca esquecer dos nossos deveres fiduciários.
Desta forma, sempre que confrontado com algum dilema ético, tento aplicar estes raciocínios sobre o problema, e assim encontrei algum conforto para tratar destas questões, mesmo sendo uma pessoa comum. Talvez, o mais necessário seja alguma coragem e iniciativa para enfrentar situações, ao mesmo tempo em que se mantém aberto a expandir o entendimento sobre circunstâncias complexas em um mundo cada vez mais dinâmico. Não é simples, mas é um caminho necessário.