Artigo: Por que os profissionais da saúde estão muito mais interessados na contratação do seguro de responsabilidade civil profissional?

por Walter A. Polido, consultor e árbitro em seguros e resseguro

Esta pergunta, quinze ou vinte anos atrás, sequer seria formulada. Os profissionais da saúde, especialmente os médicos, não só deixavam de contratar o referido seguro, como também repercutiam massivamente contra o instrumento. Entendiam, equivocadamente, que estariam muito mais expostos a ações judiciais e com valores indenizáveis superestimados, na hipótese de disporem de uma apólice E&O. Ora, o patrimônio seja ele pessoal, se se tratar de profissional autônomo, seja empresarial, no caso de pessoa jurídica (clínicas, hospitais e afins), sempre esteve à mercê de possíveis reclamações indenizatórias e por conta, principalmente, do disposto no ordenamento jurídico nacional: artigo 927, do Código Civil “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

O art. 942, do mesmo CC, preconiza mais o seguinte: “os bens do responsável pela ofensa ou violação do direito de outrem ficam sujeitos à reparação do dano causado; e, se ofensa tiver mais de um autor, todos responderão solidariamente pela reparação”. Os artigos 948 e 949, também do CC, determinam os tipos de reparações devidas pelo profissional, no caso de homicídio e de lesão ou outra ofensa à saúde, respectivamente. Desse modo, os profissionais sempre estiveram obrigados a indenizar, em sobrevindo danos e/ou lesões aos seus pacientes. O contrato de seguro E&O, em face dessa exposição legal permanente, se apresenta como instrumento garantidor, cuja eficácia é incontestável. Negar isso, resultará apenas na exposição do patrimônio pessoal, sem qualquer vantagem para o profissional.

A falta de cultura da sociedade brasileira acerca dos seguros, não se limita ao campo dos riscos profissionais. Apesar dessa realidade, já avançou bastante e atualmente quase nenhum profissional da saúde exerce a sua atividade sem estar garantido por uma apólice E&O. 

Também tem contribuído para o desenvolvimento dos seguros E&O da área médica, o fenômeno da horizontalização, ou seja, a exigência feita pela parte requerida da comprovação, pelo requerente, da existência de apólice E&O em vigor para situações diversas. Com este procedimento, os hospitais que disponibilizam centros cirúrgicos para profissionais não do quadro, têm exigido a comprovação do seguro, até mesmo como garantia de que, na hipótese de uma reclamação de terceiro, sabe-se de antemão que existe um contrato de seguro garantindo o pagamento da indenização devida. Ainda que de alguma forma o hospital possa ser responsabilizado quanto ao pagamento, pela via da solidariedade, por exemplo, a existência de uma apólice de E&O contratada pelo profissional que utilizou as instalações, garante a ele que o ressarcimento será facilitado. 

A doutrina e a jurisprudência dos tribunais ampliam, cada vez mais, os conceitos acerca da responsabilização dos agentes da área médica e de forma irreversível. Atualmente é temerário os profissionais atuarem sem a garantia do seguro E&O individual, ainda que eles possam contar com a apólice contratada pelos estabelecimentos nos quais desenvolvem as suas respectivas atividades. O vínculo com os referidos estabelecimentos nem sempre representa a única atividade exercida, sendo que o profissional médico pode também atuar de forma autônoma ou em clínicas que não possuem o correspondente seguro. Há vários entendimentos com relação à responsabilidade civil dos diferentes agentes que atuam na área médica: as seguradoras e operadoras de Seguro Saúde, por exemplo, enquanto prestadoras de serviços podem não ser, em princípio, responsabilizadas por E&O dos profissionais médicos, na hipótese de elas apenas reembolsarem os gastos, com a livre escolha dos profissionais.

O mesmo já não acontece, todavia, se os profissionais fizerem parte da rede por elas credenciada, cujo contrato de adesão repercute em solidariedade. No caso de equipe médica, a responsabilidade pode ser atribuída a cada profissional isoladamente e desde que essa separação de tarefas seja inequívoca. Todavia, se um determinado médico controlar e/ou coordenar todo o processo cirúrgico, ele será o responsável pelos danos causados ao paciente. Assim, o médico-chefe da equipe responde solidariamente. No tocante ao médico anestesista, considerando a especialidade e a individualização da atividade, pode acontecer de ele ser responsabilizado isoladamente, apesar da responsabilidade objetiva dos estabelecimentos, com a correspondente solidariedade.  Enfim, os diversos tipos de relações encontradas na atividade médica, apenas reforçam a indicação acerca da necessidade de o seguro E&O ser contratado, individualmente e pelos estabelecimentos. 

Desde que a profissão médica perdeu o manto protetor que existia no século passado e a atividade passou a ser olhada como outra qualquer e sob o viés econômico-capitalista, a possibilidade de o profissional ser acionado em face de erros ou omissões que podem repercutir em lesões ou em alegadas lesões a pacientes, foi maximizada. Fala-se, até mesmo, que a medicina foi desumanizada, devendo se rehumanizar! Convém destacar, ainda, que apenas o fato de ser alegada uma lesão sofrida em razão de um suposto erro ou omissão médica, já determina para o profissional a necessidade de constituir advogado para a sua defesa, o que pode representar cifras consideráveis; neste sentido, a importância de o seguro E&O ser contratado é preponderante.

Além disso, o profissional médico, um litigante eventual, estará muito mais protegido pelo serviço que a seguradora lhe prestará também nessa área de assistência jurídica especializada, sendo ela uma litigante profissional. Não só na atividade profissional médica, assim como também em outras, como a advocacia, tabelionato, empresas de engenharia de projetos, certificadoras, corretores de seguros e de resseguro, a exposição ao risco de sofrer demanda judicial está muito presente e se acentua a cada dia.

Finalizando, diante do possível questionamento acerca do porquê da contratação do seguro E&O, a resposta é muito simples: para preservar o patrimônio do profissional, o qual, muito provavelmente, foi construído ao longo de uma carreira de trabalho. Se for olhado, ainda, de uma maneira mais altruísta e sob o viés da socialidade que deve estar presente nas nações desenvolvidas, o seguro E&O também visa garantir que o terceiro prejudicado será efetivamente indenizado, sobrevindo o sinistro. A função social do seguro, na sua plenitude.


*O seguro de RC Profissional, também conhecido por Erros & Omissões (E&O), garante a responsabilidade civil do segurado decorrente dos erros e omissões na prática da profissão, com repercussão de danos e/ou lesões a pacientes.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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