A crise hídrica que ameaça o fornecimento de energia elétrica neste ano e em 2022 traz desafios para o país e para as seguradoras, que enfrentam um aumento no pedido de indenizações e de renegociações de contratos que foram garantidos por seguro. Uma delas é o aumento de demanda para o seguro garantia, em todas os ciclos do setor, que começa na apresentação de propostas para disputas nos leilões até a entrega da energia ao comprador. Para falar um pouco deste segmento, o blog Sonho Seguro conversou com João Di Girolamo, responsável pelo seguro garantia no Brasil da Swiss Re Corporate Solutions Brasil Seguros.
Quais as coberturas ofertadas para o setor de energia, em todos os ciclos, desde o contrato de concessão até o cliente final, incluindo mercado aberto de venda de energia.
A oferta de seguro garantia dentro do mercado de energia é bem ampla e pode se iniciar mesmo antes de haver um projeto, já que o empreendedor de energia deve buscar mitigar os riscos em todas as suas respectivas fases, desde o desenvolvimento, construção e manutenção dos ativos após a operação. Na fase de desenvolvimento do projeto, o empreendedor normalmente contrata empresas especializadas para desenvolver relatórios e serviços inerentes ao seu desenvolvimento como obtenção de licenciamento ambiental, medição de ventos, aferição de radiação, desembaraço fundiário, entre outros. Nesse momento, nasce a necessidade da mitigação do risco da não performance desses tomadores prestadores de serviços, a qual serve o seguro garantia como ferramenta essencial, garantindo ao empreendedor a performance das empresas envolvidas, ou ainda o pagamento dos prejuízos causados pelo inadimplemento em seus contratos.
E quando se inicia o projeto?
Iniciada a fase de desenvolvimento do projeto e, tendo o empreendedor obtido os documentos mínimos necessários ao início de processo de obtenção de outorga junto à Aneel, este normalmente recorre às seguradoras do mercado de garantia para obter as primeiras garantias requeridas no processo de estudo de inventário ou outorga. O empreendedor também pode obter uma outorga de um empreendimento de energia através dos leilões promovidos pela Aneel, seja para empreendimentos de geração das diversas fontes de energia, ou ainda para o sistema de transmissão. Nessa fase, o empreendedor deve garantir à Aneel o fiel cumprimento das obrigações contraídas no processo licitatório, sendo possível, portanto, a aplicação do seguro garantia de licitante, que tem por objeto garantir que o tomador (empreendedor) honre com sua proposta apresentada na licitação e assine o contrato de concessão e o contrato de comercialização de energia.
Dai entra o Perfomance Bond …
Sim. A segunda garantia necessária ao processo licitatório no mercado de energia é a garantia de Performance Bond (Executante Construtor), onde a Seguradora garante à Aneel que o tomador executará o projeto de acordo com os termos e prazos estabelecidos no edital, sob pena de aplicação de multas e consequentemente a execução da garantia. Após a assinatura do contrato de concessão e de comercialização de energia, o empreendedor busca contratar empresas especializadas na construção e fornecimentos de equipamentos do projeto para o qual foi adjudicado, nascendo nova necessidade de mitigação de risco de performance ou de pagamento dessa nova relação contratual, a qual o seguro garantia também se destaca como uma ferramenta eficaz. Aqui é necessário ressaltar que o seguro garantia poderá ser aplicado em toda a cadeia de fornecedores e prestadores de serviço que um projeto no setor de energia necessite.
E o Completion Bond…
Os projetos de energia geralmente são intensivos na necessidade de capital de terceiros, onde se destaca a obtenção de recursos financeiros através de instituição bancários, fundo de investimentos, debêntures de infraestrutura e outras formas de captação disponível no mercado de capitais, nesse sentido, alguns desses agentes buscam mitigadores financeiros, seja para honrar o pagamento dos recursos disponibilizados, seja ainda para ter a certeza da aplicação do recurso no ativo. Neste sentido, as garantias de completion bond se destacam como modalidade do seguro garantia que cumprem perfeitamente o papel de mitigador para os agentes financiadores, garantindo que o projeto financiado seja concluído dentro dos valores e prazos projetados.
Entre elas, tem uma que está se destacando, não é?
As garantias destacadas até o momento estão relacionadas ou são inerentes ao desenvolvimento e construção dos projetos de geração e transmissão de energia, entretanto, há um mercado mais amplo, qual seja o mercado de comercialização de energia, ao qual garantias de pagamento normalmente são transacionadas. O mercado livre de comercialização de energia, regido pelas normas da CCEE – Câmara de Comercialização de Energia, vem cada vez mais se destacando no mercado de seguro garantia, seja para o mercado de consumidor final, ou ainda para as comercializadoras de energia, que transacionam grandes volumes de energia, gerando novas oportunidades para o mercado segurador. As garantias mais comuns nesse mercado de comercialização, são aquelas inerentes ao consumo final (principalmente indústria) ou das comercializadoras, portanto, elas garantem ao vendedor da energia (Segurado) que o comprador (Tomador) honrará os compromissos de pagamentos previstos no contrato de compra e venda de energia, mais conhecido como do inglês como PPA – Power Purchase Agreement.
Este segmento representa quanto no mercado de garantia?
Não há certeza das informações de mercado, visto que a Susep não oferece esse nível de detalhamento em seus relatórios. No entanto, com base no Plano Decenal de Energia, os projetos no setor demandariam algo em torno de R$ 456 bilhões em investimentos até 2029. Conclui-se que existem grandes oportunidades e ainda um mercado pouco explorado, principalmente na parte de comercialização de energia.
Com a pandemia, há muitos pedidos de acionamento do seguro por atrasos em obras e aumento dos custos. Como está esta situação?
Temos vivenciado um aumento de sinistralidade no mercado em geral, em muitos casos em função dos impactos da COVID. Os custos de insumos relacionados à construção, desde materiais mais básicos, como o cimento, a até produtos relacionados a commodities, como o aço e cobre, também foram fatores que refletiram diretamente no CAPEX dos projetos, trazendo dificuldade financeiras aos tomadores, principalmente para construtoras que detinham contratos na modalidade EPC com os empreendedores. Já no mercado de comercialização de energia, muitos consumidores precisaram renegociar seus contratos com os seus fornecedores, já que não estavam utilizando o volume de energia contratado, gerando algumas expectativas de sinistros que, na maioria dos casos, foram administrados entre as partes (Tomador, Segurado e Seguradora).
Quais os desafios a serem vencidos com a retomada dos investimentos?
Em primeiro lugar, a retomada dos investimentos provavelmente será liderada pelo mercado de capitais através de estruturas antes pouco avaliadas pelas seguradoras. O grande desafio será aliar uma fase de adaptação do mercado de seguro garantia, ditado pela e mudança profunda em marcos regulatórios no setor de seguros, com a nova matriz de financiamento privada dos projetos. Em segundo lugar, tais mudanças regulatórias certamente alcançarão os produtos voltados para o setor público também e adaptações com a agência reguladora do setor de energia provavelmente serão discutidas, como já feito no passado. Além disso, outro principal desafio será a retomada de obras de grande vulto pelas seguradoras, sendo que tal dinâmica também poderá ser aplicada a projetos no setor de energia, quando houver participação pública em sua contratação. Já para o setor de comercialização, enxergamos cada vez mais os balcões e as comercializadoras de energia como uma boa oportunidade de desenvolvimento do seguro garantia. Destacamos a inserção do desenvolvimento tecnológico para oferecer soluções em grandes volumes que são transacionadas nesse mercado.