Financial Times: Modelo atual dos fundos de pensão deve ser repensado

Devemos nos esforçar para oferecer aposentadorias de contribuição definida de qualidade semelhante

por Robin Harding, Financial Times, com tradução do Valor Econômico

Bons fundos de pensão financiam uma boa infraestrutura. Uma boa infraestrutura sustenta bons fundos de pensão. Essa relação fundamental só é percebida quando as duas desaparecem – como Estados Unidos, Reino Unido e vários outros países estão descobrindo. Depois de ter desmantelado em grande parte os planos corporativos de previdência de benefício definido do passado, eles agora lutam para transformar planos de previdência individuais, fragmentados, nos investimentos de longo prazo que seus poupadores e suas economias exigem. Solucionar isso é vital. E não será fácil

Dada a expectativa de vida das pessoas, a poupança previdenciária é a fonte natural de capital que pode ser imobilizado por 30, 40 ou 50 anos. Em troca, ela ganha o prêmio que vem de ativos voláteis ou de baixa liquidez, o que é ainda mais valioso quando as taxas de juro estão baixas. Mas, como o presidente do Banco da Inglaterra, Andrew Bailey, observou em discurso, alguma coisa deu errado. “Vivemos em uma época em que parece não haver escassez de poupança agregada, mas o investimento é fraco”, disse. Os fundos de pensão do Reino Unido alocam apenas 3% de seus recursos em ativos não negociados em bolsas de valores.

O Reino Unido espera resolver esse problema com o relaxamento das regulamentações, de forma a permitir que fundos de pensão de contribuição definida – nos quais os indivíduos assumem o risco de investimento – mantenham mais ativos de baixa liquidez, e tornar mais flexíveis os valores máximos de comissões para possibilitar investimentos complexos, como os de infraestrutura. Mas mesmo que essas mudanças não tenham consequências indesejadas, elas não tratarão do desafio fundamental de um sistema de previdência fragmentado, em que as decisões recaem sobre os indivíduos e é difícil vincular suas expectativas de vida aos ativos que possuem.

É hora de considerar uma transformação mais radical, que saia dos planos de previdência baseados no empregador para veículos grandes e permanentes que possam despejar dinheiro em infraestrutura e capital privado se isso fizer sentido. Os fundos de pensão tradicionais para funcionários públicos e fundos soberanos como Temasek e Government Investment Corporation, de Cingapura, já fazem isso. Não se trata aqui de quem assume o risco do investimento – para o bem ou para o mal, a contribuição definida veio para ficar -, mas de como o dinheiro é administrado.

Uma olhada nas opções à minha disposição como funcionário do “Financial Times” por meio de seu plano de previdência deixa clara a dificuldade. Há cerca de 200 diferentes fundos de ações, títulos e propriedades, de uma variedade de provedores, que são geridos ativa ou passivamente e cobrem regiões diferentes do mundo. Todos mostram o preço de mercado de ontem. E é o indivíduo quem tem de escolher.

Isso cria uma série de problemas. As mentes mais brilhantes do mundo na área de investimento passam os dias na tentativa de descobrir qual ativo ou região terá desempenho acima da média. Um indivíduo não tem nenhuma chance – mesmo que possa optar por evitar qualquer alternativa que pareça arriscada.

Mesmo que houvesse um fundo de infraestrutura, ou um fundo de capital de risco, e a falta de opções canalizasse os poupadores para eles, essa estrutura representaria um problema. Os gestores de fundos não têm ideia de quem são seus investidores ou de quando devem se aposentar. Eles sabem que o dinheiro é de aposentadoria e, portanto, provavelmente “fixo”, mas ainda assim precisam proporcionar preços regulares para o fundo e manter disponibilidade de caixa para o caso de alguns investidores saírem repentinamente. A estrutura simplesmente não é adequada a investimentos sem liquidez e de longo prazo, em detrimento de poupadores e economia.

Também vale a pena perguntar se os planos de aposentadoria baseados no empregador ainda fazem sentido. Quando os empregadores passaram a assumir o risco de investimento, o arranjo era lógico, mas hoje tudo o que ele cria é fragmentação. Cada vez que as pessoas mudam de emprego, pegam novos planos de previdência; planos pequenos têm custos fixos elevados. Existem economias de escala: quanto menores e mais numerosos os esquemas, mais se desperdiça e mais difícil é fazer investimentos sofisticados. Dar a cada um seu plano pessoal de aposentadoria é um erro pela mesma razão.

Consideremos, em vez disso, a seguinte estrutura: o governo licenciaria um número modesto de planos de previdência sem fins lucrativos, talvez com base em doações, trustes ou fundos do setor público existentes. Os empregadores decidiriam o valor de suas contribuições, como fazem hoje, mas fariam os pagamentos para o plano que o funcionário selecionasse. O plano decidiria como investir o dinheiro, sujeito às regulamentações, e os funcionários não poderiam sacar os recursos até se aposentar.

Este ainda seria um sistema de contribuição definida, mas funcionaria de forma bem diferente. Os planos de previdência se tornariam grandes rapidamente, com o que ganhariam economia de escala, custos mais baixos e recursos para lidar com investimentos sofisticados. Eles saberiam exatamente quando precisariam pagar as aposentadorias e poderiam planejar sua liquidez de acordo. A carga para empresas e indivíduos desapareceria. Trata-se de uma estrutura de investimento de baixo custo e longo prazo.

Isso pode parecer paternalista. Com certeza as pessoas que desejam gerir os próprios investimentos devem poder fazê-lo. Mas consideremos também para onde a configuração atual se dirige. A OCDE fez um alerta recente aos governos contra o uso de recursos de planos de previdência privada para financiar projetos como os de energia renovável. Há uma demanda crescente por investimento estatal para construir infraestrutura e por previdência pública porque a oferta privada é inadequada.

Os velhos planos de previdência de benefício definido eram grandes instituições econômicas: reservatórios sofisticados de capital privado com um longo horizonte de investimento. Infelizmente, a segurança que eles ofereciam aos aposentados não é mais possível. Devemos nos esforçar para oferecer aposentadorias de contribuição definida de qualidade semelhante.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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