Medidas retroativas em lucros cessantes poderiam quebrar seguradoras americanas em dois meses

Não se pode pagar indenização onde obviamente não houve prêmio para coberturas excluídas, tais como vírus e bactérias, afirmam seguradores

Fonte: Business Insurance

Pandemias como a COVID-19 são consideradas não seguráveis por seguradoras privadas. Sua simples dimensão e imprevisibilidade tornam quase impossível a adoção de quaisquer parâmetros de subscrição minimamente aplicáveis a tais eventos. Por isso, a maioria dos contratos de seguros do mundo contêm textos bastante incisivos excluindo coberturas por pandemias e doenças contagiosas. 

A despeito dessas sabidas exclusões por vírus e bactérias, já há um grande número de processos e ações coletivas movidos contra seguradoras americanas em razão da negativa de cobertura de lucros cessantes decorrentes de prejuízos relacionados ao coronavírus. 

A indústria de seguros adotou uma posição uniforme frente a tais processos judiciais – não se pode pagar indenização onde obviamente não houve prêmio para coberturas excluídas, tais como vírus e bactérias. No entanto, este princípio lógico não tem impedido certos legisladores de sugerir medidas retroativas que, na prática forçariam as seguradoras a “reescrever” o que foi contratado e pagar sinistros de lucros cessantes nas respectivas apólices.

A sugestão de se adotar decisões retroativas desse teor causa grande preocupação entre as seguradoras, com executivos como o CEO da Chubb, Evan Greenberg indicando que isso “quebraria a indústria de seguros americana”. Num tom parecido, o CEO do Insurance Information Institute (Instituto de Informação do Seguro, I.I.I), Sean Kevelighan disse que embora as seguradoras reconheçam a grande necessidade de alguma assistência financeira nestes tempos difíceis, “fazer as seguradoras retroativamente pagarem por uma pandemia poria em risco a solvência de muitas delas”. 

Ainda segundo a I.I.I, o conjunto das seguradoras auto, residencial e empresarial nos EUA viram seu patrimônio líquido – o excedente dos seus ativos sobre os passivos – cair 9%, de 847 bilhões de dólares para 770 bilhões de dólares, só no primeiro trimestre de 2020. Esse excedente serve naturalmente para pagar os sinistros resultantes de eventos como furacões, tornados e incêndios que causem danos materiais diretos a bens cobertos. 

A situação financeira será dada como crítica, com muitas seguradoras sob risco de insolvência, quando esse patrimônio líquido total ficar abaixo de 400 bilhões de dólares. “A conta atual de 770 bilhões de dólares pode parecer imensa, mas devemos observar esse montante no contexto maior da indústria, onde as seguradoras americanas pagaram 1,2 trilhão de dólares em sinistros nos últimos três anos. Nessa ponderação, vemos logo que esse excedente, sob a forma de patrimônio líquido poderia se esvair rapidamente, a depender das circunstâncias”, disse Sean Kevelighan à Business Insurance.

Os reguladores exigem que as seguradoras mantenham um patrimônio líquido determinado para continuar em atividade. Por lei, elas têm que ter uma parte dos seus ativos em dinheiro ou em títulos negociáveis de alta liquidez, de modo que possam pagar sinistros prontamente. E isto é algo com que elas não poderão contar se tiverem que obedecer medidas impostas retroativamente quanto a cobertura de lucros cessantes.

Nos EUA, cerca de 36% das pequenas empresas contratam sublimites de lucros cessantes em suas apólices empresariais de property. De acordo com a análise do I.I.I, se as seguradoras tiverem que rever retroativamente os contratos, validando coberturas de pandemia para esses 36% das pequenas empresas – imposição que ao ver de Sean Kevelighan seria inconstitucional –, o impacto para a indústria do seguro seria de cerca de 150 bilhões de dólares por mês.

“Além disso, se realmente essa imposição se estender a todas as apólices empresariais, o custo poderá ascender a 400 bilhões de dólares por mês, e bastaria alguns meses para que aquele excedente de 770 bilhões de dólares evaporasse, o que estressaria a indústria do seguro rumo ao caminho das falências”, disse o CEO do I.I.I. 

“O que é perigoso e de se lamentar nisso tudo é que o excedente existe para pagar os sinistros cobertos que estão acontecendo e que ainda acontecerão. Seja incêndio, tornado, furacão – esses são os riscos para os quais foram gerados prêmios alocados ao balanço para pagar os sinistros deles resultantes. Se as seguradoras forem compelidas a destacar recursos para pagar por algo que já de início não foi levado em conta, surge o risco de faltar dinheiro para as pessoas quando elas mais o necessitarem, como para se recuperar de catástrofes”.

O I.I.I lançou recentemente uma iniciativa chamada de Future of American Insurance & Reinsurance (Futuro do Seguro e Resseguro Americano – FAIR), que visa a “assegurar equidade para todos os clientes e salvaguardar o permanente papel do seguro como pilar do crescimento econômico e da estabilidade”. A campanha FAIR servirá como recurso de formação para todos interessados, incluindo público e legisladores, pois os indivíduos hoje procuram soluções para as perturbações econômicas em curso no país.

“O seguro faz muito para manter a economia americana em movimento, agora e sempre, e a razão para isso é que as pessoas podem assumir mais riscos e seguir vivendo suas vidas sob o entendimento de que o seguro lá estará se algo sair mal,” disse Sean Kevelighan. “Quando se retira essa certeza, por exemplo dispersando o excedente patrimonial do seguro, tudo se torna bastante arriscado para as pessoas e potencialmente perigoso do ponto de vista do crescimento econômico também”, concluiu.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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