matéria produzida com exclusividade para o especial Infraestrutura, do jornal Valor Econômico, publicado dia 12 de maio de 2010*
O risco de uma crise no mercado de seguros mundial, em consequência da turbulência financeira iniciada na Grécia e que já atinge outros países europeus, começa a ser alvo de atenção das principais seguradoras e compradores de seguros no Brasil. A criação da seguradora estatal Empresa Brasileira de Seguros (EBS) pelo ministro da Fazenda Guido Mantega aconteceu exatamente um dia antes de um forte estresse vivido pelo mercado financeiro mundial. No dia 6 de maio, investidores do mundo todo se assustaram com a queda de 9% na Bolsa de Nova York, durante o dia. No final do pregão, porém, a principal bolsa do mundo amargou uma baixa de 3,2%.
As seguradoras são investidoras institucionais e recebem valores, chamados de prêmios, para garantir pagamentos futuros em caso de perdas de seus clientes. Enquanto essas perdas não ocorrem, as companhias de seguros e de resseguros aplicam os recursos no mercado financeiro. Se o mercado financeiro apresentar perdas, elas também terão prejuízos. A Munich Re, maior resseguradora do mundo, já deu sinais de preocupação. Na sexta-feira, dia 7, afirmou a investidores que talvez não consiga atingir o lucro líquido alvo de € 2 bilhões em 2010, mesmo tendo superado a expectativa do primeiro trimestre, em razão da turbulência financeira.
A incerteza dos mercados aliada a um elevado volume de indenizações pagas com o terremoto no Chile, tempestades na Europa e afundamento da plataforma Deepwater Horizon, alugada pela Brithsh Petroleum da Transoceanda, no Golfo do México, com danos recordes ao meio ambiente, faz com que o cenário realmente seja preocupante para um governo que precisa garantir mais de R$ 1 trilhão em investimentos em infraestrutura do país, como prevê o Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC-2).
Ao criar a EBS, o governo brasileiro quis evitar o risco de passar novamente por um grande aperto como o vivenciado em setembro de 2008, ápice da crise financeira mundial com a falência do banco de investimento Lehman Brothers e a quase derrocada da AIG, até então a maior seguradora do mundo. O susto veio quando todas as garantias para a concretização do “project finance”, com crédito de R$ 6,2 bilhões, da Usina Santo Antonio, com prazo de 25 anos, estavam negociadas e com a crise vários seguradores e resseguradores foram obrigados e sair do contrato ou reduzir a participação em razão da crise. Principalmente a AIG, socorrida pelo Tesouro americano com US$ 180 bilhões, e que tinha uma fatia significativa no acordo da terceira maior hidrelétrica do mundo no Rio Madeira.
De acordo com o ministro da Fazenda, Guido Mantega, a EBS não concorrerá com o mercado, porque a concessão de seguro garantia ocorrerá sempre em consórcio com o setor privado. A seguradora estatal será a responsável por administrar os fundos garantidores do governo e também a concessão de seguros não cobertos pelo mercado. Sendo uma seguradora, os recursos dos fundos serão ampliados, uma vez para cada real de risco assumido pela seguradora pode garantir vários mil reais em volume de empréstimos.
A EBS será usada pelo governo caso haja necessidade. Se a atual turbulência financeira for superada, a indústria de seguros tem farta oferta de capital para o Brasil. Estão presentes no país praticamente todas as maiores seguradoras e resseguradoras do mundo. Todas elas disputam os contratos milionários dos investimentos em infraestrutura que suportarão o crescimento da economia do Brasil e também que visam preparar o país para ser o anfitrião da Copa em 2014 e dos Jogos Olímpicos em 2016.
São várias frentes de negócios. Desde o seguro que garante que o consórcio vencedor do leilão irá honrar o preço ofertado até o atraso no início de funcionamento de uma hidrelétrica, por exemplo. A Liberty International Underwriters (LIU), divisão de riscos especiais da Liberty Seguros, foi a vencedora da licitação para a emissão da apólice de seguro de transporte de parte das turbinas e subestações relacionadas, que serão usados na construção da hidrelétrica de Jirau, uma das maiores obras do PAC.
A apólice, com prêmio no valor de US$ 1,1 milhão, terá vigência de dois anos e dez meses e prevê cobertura de US$ 335 milhões para danos ocorridos no deslocamento de 18 turbinas e subestações fabricadas na China e Coréia, respectivamente. A apólice contempla uma cobertura adicional de R$ 286 milhões para o caso de atraso no início das operações de Jirau decorrente de problemas no transporte dos equipamentos desde o fabricante até o local de instalação no Rio Madeira.
“Este tipo de cobertura não era aceito pelo Instituto Brasileiro de Resseguros (IRB) antes da abertura do mercado. Neste programa, incluímos esta nova cláusula que é amplamente aceita no mercado internacional e traz novas garantias para as empresas envolvidas no projeto”, diz Paul Conolly, diretor da LIU, que projeta crescimento de 46,5% em grandes riscos em 2010.
Segundo o suíço Emanuel Bats, responsável pela carteira de seguro de riscos de engenharia da Zurich, o grupo atende 134 das 225 construtoras globais, entre elas as principais brasileiras. Luciano Calheiros, diretor da área de seguro patrimonial da Zurich, afirma que há capacidade suficiente no Brasil para investimento de qualquer porte. “Temos US$ 140 milhões em capacidade para contratos de risco de engenharia, o suficiente para garantir a perda máxima de um projeto com investimentos de R$ 1 bilhão”, diz. Em seguro garantia, a capacidade é de US$ 500 milhões e em transporte de grandes equipamentos a Zurich tem US$ 90 milhões por embarque.
A agressividade espanhola tem rendido contratos para a Mapfre, entre eles o da Transnordestina, ferrovia com mais de 1,8 mil quilômetros no Nordeste do país. Nos contratos de seguros envolvendo Copa e Olimpíada, a expectativa da Mapfre é de que o setor terá uma receita extra de R$ 1 bilhão em contratos diversos. “Nos preparamos para ter no mínimo uma fatia de 10%”, diz Octavio Bromatti, diretor de grandes riscos da subsidiária da Mapfre, maior grupo segurador da Espanha e da América Latina em riscos patrimoniais.
Felipe Smith, diretor-técnico da Tokio Marine, está de olho no mercado de petróleo e gás. A expectativa é de que os investimentos atinjam R$ 295 bilhões entre 2010 e 2013, de acordo com projeções do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Só para embarcações são R$ 18,2 bilhões do BNDES”, afirma. A canadense Fairfax começou operar no Brasil no inicio deste ano e conta com quase 40 profissionais para desenvolver negócios corporativos.
Entre as resseguradoras, a subsidiária local da alemã Munich Re fechou o contrato de resseguro para as seguradoras ACE, RSA e Allianz, que juntas dão coberturas para proteger a Impsa dos riscos de construção de 10 instalações eólicas em Santa Catarina, com ativos segurados que superam US$ 1 bilhão, segundo Christian Garbrecht, executivo responsável por desenvolvimento de negócios da Munich Re.
Entre os corretores de seguros e de resseguros a briga promete ser intensa. “Temos mais de 900 projetos de infraestrutura com investimentos de US$ 3 bilhões até 2030”, diz Marcelo Elias, diretor de infraestrutura da Marsh Brasil e América Latina. A Aon investe na captação dos negócios entre os clientes mundiais e no Brasil aposta no treinamento. “Fizemos mais de 15 mil horas de treinamento e mandamos mais de 20 técnicos para serem treinados no exterior”, acrescenta Fernando Pereira, da concorrente Aon.