A operação Lava Jato pode decretar o fim do seguro de responsabilidade civil de administradores, conhecido com Directors & Officers? Essa foi uma das perguntas mais polêmicas feitas durante o seminário promovido pela Escola Nacional de Seguros, em São Paulo. Um dos grandes temas do primeiro painel foi a atual dinâmica deste segmento que já tem 85 anos de história no mundo e 25 anos no Brasil. “Tivemos experiência com as denúncias de corrupção com o Mensalão e agora enfrentamos novas denúncias com a Lava Jato. Certamente será um divisor de águas que nos trará muitos ensinamentos em investigação de denúncias de corrupção envolvendo empresas públicas e privadas”, disse Gustavo Galrão, superintendente de professional Lines e Liability da Argo Seguros e mediador do evento.
“O segmento passa por um momento complexo, com as investigações Lava Jato e isso nos levou a colocar o tema em debate diante da importância deste produto para os executivos. Queremos buscar soluções que ajudem o mercado segurador a seguir seu caminho de crescimento”, disse Maria Helena Monteiro, na abertura do evento.
O seminário foi divido em uma palestra de abertura, que trouxe a história do seguro D&O no Brasil e no mundo; nas atuais demandas dos clientes, trazidas pelos executivos das três maiores corretoras do mundo e também do segmento; e para finalizar um debate com advogados, com suas interpretações sobre o que é direito do segurado e o que é dever da seguradora. “Uma nuvem cinzenta paira no segmento, há muito o que discutir e vamos sair mais maduros de todo esse processo”, afirmou Cassio Gama Amaral, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, que contratou mais três sócios neste ano para atender a demanda de clientes envolvidos, em boa parte, com as consequências das demandas da Lava Jato.
Na primeira meia hora de debate, que durou a manhã toda, já foi possível perceber que as dúvidas são muitas entre todos os envolvidos: clientes, corretores, seguradoras e resseguradores. “Estive recentemente em uma empresa do segmento automotivo e a primeira pergunta que o presidente me fez foi se esse mercado acabou. Respondi que não. Eu espero que não”, contou Mauricio Bandeira, gerente da AON Risk Solutions.
“O grande debate do segmento hoje está em “claims made”, ou seja, as indenizações avisadas. O que o seguro cobre, o que está excluído, qual o prazo de prescrição das coberturas ofertadas?”, informou Galrão, abrindo as discussões do primeiro painel “Seguro D&O: Análise das coberturas, exclusões, obrigações contratuais e demais cláusulas contratuais dos produtos oferecidos no mercado”. Tal percepção vem das exclusões que as seguradoras têm feito, como clientes já citados na Lava Jato ou que tenham negócios com empresas públicas. Além de terem elevado de forma substancial o preço do seguro. No jargão do setor, o mercado está “hard”, com condições duras, mas tem caminhado para um aprendizado.
Boa parte dessa confusão instalada no setor é creditada a forma como se optou por crescer. Os primeiros clientes foram as empresas que negociavam ADR na bolsa americana, onde a compra do seguro de D&O é praticamente uma exigência. Depois as empresas de capital aberto no Brasil passaram a ser clientes das seguradoras. Tudo ia de vento em polpa até a crise financeira eclodir em setembro de 2008 e o sinistro da Aracruz com os prejuízos causados aos acionistas com uma operação de derivativos. Até hoje o setor paga indenizações decorrente desse caso, afirmaram executivos no evento. Depois disso, o Mensalão, que deu lições aos players do que precisava ser corrigido no clausulado para tornar mais claro o que estava ou não coberto.
Mais um período de calmaria e os profissionais do setor passaram a acreditar que o seguro D&O não gerava sinistro. Novos concorrentes ingressaram no segmento e a forte concorrência fez os preços despencarem. Alguns afirmavam que as taxas baixas eram para estimular a cultura da compra do produto entre empresas de capital fechado. Tudo ia bem até surgir a Lava Jato em agosto de 2014, que em um ano de investigação está na 18ª fase da operação, com mais de 100 executivos presos, entre eles presidentes das maiores construturas do país e que eram as grandes clientes das seguradoras. Além de cerca de 50 políticos políticos investigados, entre eles entre eles os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) (leia a cronologia feita pela Folha de SP) http://www1.folha.uol.com.br/poder/2014/11/1548049-entenda-a-operacao-lava-jato-da-policia-federal.shtml
Por conta deste complexo cenário, algumas seguradoras deixaram de atuar, outras fazem restrições de coberturas, impondo exclusões para empresas e executivos citados nas investigações e que tenham contratos com órgãos do governo, por exemplo. São medidas que restringem muito o universo de possíveis compradores do produto. Dai o debate para que se resolvam questões importantes para equilibrar a oferta e a demanda.
Há muitas polêmicas sobre o que está coberto ou não. Dentro dessa discussão, a que foi mais calorosa envolve o run off, ou seja, se o sinistro tem cobertura mesmo depois de encerrada a apólice. Segundo os corretores, há duas correntes: a dos clientes e corretores, que afirmam que o contrato é claro que a cobertura está incluída no prazo complementar e suplementar do contrato, e a das seguradoras, de que há exclusão de um grande rol de coberturas após o período de vigência. Todos concordam que é um tema polêmico, mas que com calma, boa vontade e boa fé as divergências serão resolvidas entre as partes sem que seja preciso ir para a Justiça.
Na Marsh, a perspectiva é de que o mercado fique mais maduro. Acabar é algo totamente descartado por Juliana Casiradzi, gerente técnica da Marsh Corretora de Seguros. “A obrigação de responsabilidade civil do executivo continua existindo. Temos visto uma retração do mercado local e consequentemente há situação que precise colocar o risco no exterior, pois nenhuma local quis aceitar. É um momento de crise, que logo passa”, acredita Juliana.
Carolina Novaes, gerente da Willis Brasil, afirmou que os clientes questionam muito se há cobertura para processos criminais, uma vez que esse item passou a constar nas exclusões do contrato. Já na Marsh, a demanda dos clientes é por uma análise de risco bem feita, sinergia entre cliente corretor e seguradora para realmente chegar a uma apólice sob medida, que realmente traga benefícios ao cliente. “Também, claro, uma grande preocupação do cliente é a entrega. Se a seguradora não fizer jus ao que foi acordado, estraga todo o mercado”, comentou
Uma das conclusões dos debatedores é de que o departamento jurídico da empresa contratante deve estar envolvido na contratação do seguro. “Geralmente os advogados fazem muitos questionamentos e nós, como corretores, levamos para as seguradoras e assim o cliente tem noção clara sobre seus direitos e deveres, bem como a seguradora”, afirma o corretor da Aon.
Galrão concluiu o painel com otimismo em relação a consolidação de um mercado mais maduro. “Ficamos mais experientes. O mercado não vai acabar. Vai melhorar constantemente. E depende de nós melhorarmos os processos. A Susep tenta ajudar para garantir o direito dos consumidores, mas o principal é ponto é que ela estar aberta a discutir com o setor melhoras na regulamentação e nos contratos. As seguradoras também precisam estar dispostas a encarar esse desafio para encontrar soluções melhores diante das demandas dos corretores, com base nas queixas dos clientes”, finalizou o presidente da comissão de RC da FenSeg.
Atenção a procedimentos para não perder a cobertura
Como é feita a regulação do D&O foi o tema que Dinir Rocha, da DR&A Advogados trouxe para o painel “Legislação de Responsabilidade de Administradores e aspectos processuais sobre os casos de sinistros recentes”. O advogado apresentou alguns casos e com base na experiência de cada um deles enumerou uma série de aprendizados que podem ser absorvidos para aprimorar o relacionamento entre as partes envolvidas.
Segundo ele, o primeiro aspecto a ser observado pela seguradora é a data que o segurado tomou conhecimento da reclamação. “Isso é importante porque importamos o clausulado mundial que tem com base a data de que ele teve conhecimento do problema. Algumas vezes ele é citado em um processo mas avisa a seguradora só na renovação. E isso muda tudo, podendo até perder o direito a garantia da apólice”, diz ele, frisando que o corretor tem de fazer uma consultoria de risco integrada com as empresas para deixar isso bem claro.
Outro aspecto citado por Rocha é que as seguradoras levam em consideração é que o processo tem de decorrer do ato de gestão do segurado. Já houve caso de o executivo pedir indenização por ser culpado em um acidente de trânsito. Aqui também o advogado frisa que o corretor tem de fazer esse filtro e deixar claro que o seguro cobre apenas perdas geradas no ato de gestão. “Também é importante ter claro se é uma expectativa de sinistro ou se ele já se consolidou”, ressaltou, destacando que é importante ficar claro se houve ou não prévio sobre o conhecimento por parte do segurado e da tomadora.
E, por último, recomenda o palestrante, a questão dos honorários advocatícios. O segurado notificou a seguradora, apresentou a proposta do escritório, e a seguradora deve se manifestar. “A minha sugestão é que as seguradoras tenham um banco de dados para usar uma média de valores, assim se evita discussões com propostas de R$ 350 mil a R$ 9 mil para a defesa de um mesmo caso. Usa-se a média”, recomenda.
Cassio Gama Amaral, sócio do escritório Mattos Filho Advogados, e Denys Zimmermann, advogado da TM Law Advogados e professor da Escola Nacional de Seguros participaram como debatedores, com a mediação de Gustavo Galrão.
Veja abaixo artigo escrito por Gustavo Galrão
O MERCADO DE D&O ESTÁ PREPARADO PARA CRISE ECONÔMICA?
A crise financeira chegou e se instalou em diversos campos. Hoje, o que mais ouvimos é crise econômica… crise política… crise institucional… Até no futebol a situação está crítica. Realmente a situação do empreendedor brasileiro não está fácil. Essa não é a melhor hora de se arriscar, principalmente em um cenário que se tem mais a perder do que ganhar. Mas, será que o mercado de seguro de Responsabilidade Civil e Admintradores (D&O) no Brasil está preparado para esse novo cenário?
Existem alguns fatos que contribuem com a aceleração deste ciclo, o deixando ainda mais complicado. Dentre eles, estão principalmente a continuidade do processo inflacionário, uma política de aperto monetário ainda maior, com tendência de aumentar a taxa de juros básica do país ao longo do ano, evidenciando o ciclo vicioso em que se encontra a economia brasileira. Fatores políticos e institucionais, como a perda da governabilidade pela presidente da república, desbalanceamento da política fiscal e a crise de confiança que paira na sociedade brasileira e internacional, também não deixam de ser grandes influenciadores.
No campo corporativo os impactos sentidos pelos empreendedores brasileiros são exorbitantes. Se percebe um aumento significativo nos riscos inerentes a atividade empresarial, onde muitos deles são forçados a abandonar projetos, reduzir despesas, atrasar pagamentos, demitir funcionários e, nos casos mais graves, fechar as portas ou entrar com pedido de recuperação judicial.
Diante disso, o segmento de D&O está sendo fortemente impactado. Coincidência ou não, a sinistralidade da carteira do mercado em 2014 chegou a 53% (recorde histórico), sendo que algumas seguradoras apresentaram sinistralidade superiores a 100%. Em 2015, a sinistralidade vem se mantendo em alta, o que nos leva a um sentimento hard Market.
Além do impacto decorrente deste novo cenário de risco do país, o aumento do número de investigações conduzidas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público vem contribuindo não apenas com o aumento dos casos de sinistro de D&O, mas também para o amadurecimento dos agentes deste mercado. É notável, por exemplo, o aprimoramento da análise de risco dentro do processo de subscrição das seguradoras e o consequente endurecimento na seleção dos riscos. Os corretores, por outro lado, são cada vez mais exigidos pelos segurados para explicar o motivo do aumento nos prêmios e modificação nas condições contratuais das apólices de seguro.
Em casos mais complexos, onde a aceitação do risco é restrita pelo mercado, a colocação se torna um grande desafio, que apenas os profissionais mais especializados são capazes de viabilizar soluções. Aos reguladores de sinistros, além do maior volume de trabalho, fica o desafio da interpretação da apólice, por exemplo, nos casos de delação premiada e acordo de leniência, cuja utilização vem sendo recorrente nos casos recentes. Se no primeiro caso o seguro claramente prevê exclusão de cobertura para confissão de culpa por parte do segurado, nos casos dos acordos de leniência reside uma maior complexidade na determinação de cobertura.
O mercado de D&O no Brasil claramente evoluiu muito na última década e já se mostra capaz de prover aos seus clientes boas soluções para os diversos riscos que os empresários e executivos brasileiros se deparam nos dias de hoje. Contudo, ainda estamos longe de representantes mais maduros, como os Estados Unidos, Inglaterra e outros países europeus. É importante ter isso bem claro para mantermos nossas mentes abertas para o aprendizado, contribuindo para o contínuo desenvolvimento deste importante mercado no Brasil.
*Gustavo Galrão é Superintendente de Linhas Financeiras da Argo Seguros Brasil. Subsidiária do Argo Group Internacional. A Argo Seguros Brasil oferece ampla gama de seguros especiais, bens patrimoniais e responsabilidade incluindo seguro profissional, transportes, riscos de engenharia, patrimonial e seguro garantia com classificação “A” (excelente) pela A.M Best e “A-” (forte) pela Standard and Poors (S&P).