O Jornal Valor Econômico trouxe uma matéria bem interessante sobre títulos de capitalização, um dos segmentos do mercado segurador brasileiro pouco divulgado com clareza.
Segue a integra da matéria escrita pelo jornalista Felipe Datt
Para os críticos, trata-se de um produto de sorte, que remunera menos que a mais conservadora modalidade de investimento, a caderneta de poupança, e é comercializado sem distinção de perfis de clientes por gerentes bancários que precisam atingir metas. Para os defensores, é um instrumento eficiente para disciplinar uma fatia da população que não está habituada a guardar dinheiro, com o bônus de concorrer a prêmios em dinheiro, automóveis, eletrodomésticos, entre outros. Com tantos prós e contras, há apenas dois consensos quando o assunto é o título de capitalização: trata-se de um produto cercado de controvérsias e, definitivamente, caiu no gosto dos brasileiros.
O mercado de capitalização obteve receitas de R$ 21,87 bilhões em 2014, um avanço de 4,3% sobre o ano anterior, segundo dados da Federação Nacional de Capitalização (FenaCap). O crescimento mais tímido da arrecadação, se comparado com as médias de dois dígitos verificadas nos últimos cinco anos, é creditado entre outros fatores a uma economia em desaceleração, com juros e inflação em alta, que prejudicam o fôlego de economizar das classes mais baixas. Também porque o avanço se deu sobre uma base considerada alta. Em 2013, na comparação com o ano anterior, a arrecadação aumentou 26,3%. Ainda assim, em 2009, o faturamento com títulos não passava de R$ 9,8 bilhões.
Nos dois primeiros meses do ano, a receita com títulos de capitalização alcançou R$ 2,9 bilhões, e os resgates, R$ 2,4 bilhões. Na contramão, o saldo de aplicação na poupança no bimestre ficou negativo em R$ 11,8 bilhões. Fevereiro representou ainda uma marca histórica para o setor de capitalização, segundo a FenaCap: as reservas técnicas – montante relativo aos depósitos efetuados por clientes de títulos de capitalização e que são devolvidos sob forma de resgates ao fim dos planos – ultrapassaram a marca dos R$ 30 bilhões, um aumento de 11,2% em relação ao primeiro bimestre de 2014.
O produto é simples em sua concepção. Em linhas gerais, o título de capitalização permite ao cliente poupar, concorrer a prêmios em dinheiro, entre outros, e, ao fim do prazo de vigência do título, resgatar parte ou todo o valor acumulado no período. Durante a vigência do título, o dinheiro terá três diferentes destinos: a cota de sorteio (que custeará as premiações), a cota de carregamento (o montante destinado a pagar as despesas administrativas para o banco ou empresa de capitalização) e a cota de capitalização. Essa última cota corresponde ao dinheiro que o poupador receberá ao fim do prazo de aplicação e da quitação das parcelas.
Tipicamente, os prazos de vigência desses títulos variam de 36 a 48 meses, em média, com produtos com vencimentos em até dez anos. Ao fim do período de vigência, o poupador poderá resgatar 100% do que destinou no período, no caso da modalidade tradicional do título, corrigido pela Taxa Referencial (TR). Ou ainda um percentual a partir de 50% desse montante, no título da modalidade popular, que oferece como contrapartida mais oportunidades de sorteios.
Não faltam argumentos para os que torcem o nariz para o título de capitalização. Uma das principais críticas é que, com uma TR próxima a zero e considerando que o dinheiro não poderá ser resgatado por um período mínimo predeterminado (carência), o poupador não terá rentabilidade sobre o principal aplicado e ainda verá seu dinheiro perder de longe para a inflação acumulada no período. Em outras palavras, comprar um título equivaleria a deixar o dinheiro debaixo do colchão. Some-se a isso a possibilidade de a empresa aplicar penalidades para o caso de resgate antecipado, como o pagamento parcial do que foi aplicado. Além disso, sobre os valores recebidos mediante sorteio está prevista a retenção de 30% de imposto de renda (IR) na fonte, como ocorre com qualquer premiação.
O título de capitalização é um produto que carrega consigo uma taxa de retorno negativa. É um produto de sorte e a pessoa só se dará bem se for sorteada e ganhar prêmios, opina o professor de economia e finanças da Fundação Dom Cabral, Rodrigo Zeidan. Na prática, se a prioridade for a rentabilidade do dinheiro guardado – ou a busca de liquidez no curto prazo -, o título não é o produto adequado.
O próprio Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), em seu site, alerta que os títulos de capitalização funcionam como uma loteria, com a diferença de que, no final de um período estabelecido, o consumidor recebe de volta parte do dinheiro pago, corrigido monetariamente e que eles não devem ser confundidos com uma caderneta de poupança.
Apesar de tantas desvantagens aparentes, alguns fatores ajudam a explicar a popularidade do produto. A possibilidade de concorrer a prêmios em dinheiro durante toda a vigência do título é, de fato, o grande chamariz. Segundo dados da FenaCap, foi distribuído um total de R$ 1,15 bilhão em premiações em 2014, uma média diária de R$ 4,3 milhões. Uma das premiadas foi Renata Pilan, da cidade de Lins, interior de São Paulo. Por influência do pai, que já compra títulos há cinco anos, a contadora de 28 anos fez um aporte único de R$ 5 mil em um título com prazo de 24 meses, em junho de 2013. No ano passado, ganhou dez vezes esse valor em um sorteio. O objetivo, com o título, não era buscar rentabilidade, mas participar dos sorteios, admite.
O objetivo da ganhadora corrobora a opinião do diretor-executivo da FenaCap, José Ismar Torres, de que o título não é um produto voltado para quem busca rentabilidade. Portanto, explica, é um erro compará-lo com investimentos diversos como a caderneta de poupança e diz que os bancos não vinculam a modalidade como um investimento, mas como uma forma de guardar dinheiro e turbiná-lo com eventuais prêmios. A pessoa que compra o produto abre mão da rentabilidade futura em troca da possibilidade de participar de sorteios, afirma. De fato, a poupança hoje rende anualmente TR mais 6,17%.
Outra razão da crescente popularidade é que, além do sorteio, o título desempenha o papel de instrumento de formação de reservas, notadamente para um perfil que não tem o hábito ou a disciplina de fazer uma economia programada e juntar recursos para realizar seus desejos futuros. Há pessoas que precisam poupar e sua personalidade não permite isso. Para aqueles que têm a necessidade de guardar recursos e que precisam de alguém com vara curta para que façam isso, a capitalização pode ser viável, ainda que seja difícil recomendá-la, opina o professor da Fundação Instituto de Administração (FIA), Roy Martelanc.
Disputado por 17 empresas, a maioria ligada a bancos que aproveitam seus canais de distribuição para disseminar o produto, o mercado brasileiro tem desenhado títulos para atingir perfis de clientes de todas as classes sociais. Isso derruba um mito associado à capitalização: o de que é um produto voltado apenas às classes menos instruídas e mais próximas à base da pirâmide. Um estudo de 2012 da consultoria Fractal com 2 mil pessoas com renda superior a R$ 4 mil mostrou que a capitalização era o segundo destino predileto do dinheiro, atrás apenas da caderneta de poupança.
Vice-líder de mercado, com uma fatia de 24,4% e faturamento de R$ 5,34 bilhões em 2014, a Bradesco Seguros contabiliza no segmento de capitalização uma base de 3 milhões de clientes e 8 milhões de títulos ativos. Os produtos de pagamento mensal, com prazos de vigência que variam de 48 a 60 meses, partem de aportes de R$ 8, com tíquete médio de R$ 30. Mas há também títulos de pagamento único em valores que chegam a R$ 50 mil.
Para as classes C e D, a capitalização é um produto que os estimula a guardar dinheiro. No fim do prazo, a pessoa pega o dinheiro para realizar um sonho e pode até fazer um primeiro investimento financeiro. Já os clientes da classe A são atraídos pelos grandes prêmios, de até R$ 5 milhões, diz o diretor-geral de capitalização do Bradesco, Ricardo Alahmar.
De olho nessa grande variedade de perfis, o segmento começa a ampliar a oferta de produtos. Líder do segmento há quase duas décadas, com faturamento de R$ 6,68 bilhões e fatia de 30,6% do mercado, a Brasilcap, do Banco do Brasil, lançou o Cap Fiador. O produto funciona como uma garantia de aluguel e devolve ao locatário do imóvel 100% do valor pago ao término do contrato. As opções de pagamento variam de R$ 2 mil a R$ 30 mil, com vigência de 12, 15 ou 30 meses e pagamento único do título.
Ofertamos o produto desde 2012 e o crescimento em vendas do título supera 40%. O produto é promissor, porque cerca de 60% da garantia locatícia no Brasil ainda é a fiança pessoal, afirma o diretor comercial, Marcos Coltri. As empresas também começam a ampliar o uso de canais digitais para a venda de títulos. Em 2014, mais de 527 mil títulos foram comercializados pela Bradesco Seguros por internet, telefone e caixa eletrônico. Isso suaviza, em parte, as críticas comuns aos participantes desse segmento de que as vendas de títulos ocorrem mais por insistência dos gerentes do que pelo real conhecimento e interesse do cliente pelo produto. Os bancos estão proibidos de fazer oferta condicionada de produtos, o ‘compre um e leve outro’. Mas nada impede os gerentes de oferecer os títulos, assim como o cliente tem o direito de dizer não, defende Torres, da FenaCap.
Sabe-se, contudo, que o título de capitalização ainda é usado para melhorar negociações com os bancos, como o caso de uma empresa de consultoria que, no mês passado, conseguiu diminuir o juro cobrado numa linha de capital de giro ao aderir ao produto. O gerente deu duas opções para a empresa: fazer uma capitalização ou uma previdência.