CNseg entra com ADIN contra obrigatoriedade imposta para compra de emissões de CO2

Confederação reforça que o setor de seguros tem atuado de forma proativa na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com 70% das seguradoras já incluindo critérios ASG

A Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) no Supremo Tribunal Federal (STF) contra o artigo 56 da Lei nº 15.042/2024, que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SBCE). O dispositivo em questão impõe às seguradoras, entidades de previdência complementar aberta, sociedades de capitalização e resseguradores a obrigatoriedade de destinar 0,5% de suas reservas técnicas e provisões para investimentos em créditos de carbono, o que corresponde a aproximadamente R$ 9 bilhões.

A CNseg argumenta que o mercado de carbono no Brasil é incipiente e de baixa liquidez, com movimentação. Segundo análise mais recente, elaborada pelo BTG Pactual (Voluntary Carbon Market – Monthly Report – novembro de 2024), o total de créditos de carbono emitidos permaneceu na casa dos US$ 220 milhões. Mesmo considerando o mercado global, a consultoria McKinsey estima que ele seja hoje de aproximadamente US$ 1,5 bilhão.

Diante disso, a entidade afirma que não há volume suficiente de créditos de carbono disponíveis para atender à demanda criada pela lei, tornando impossível o cumprimento da obrigação estabelecida. Além disso, o setor destaca preocupações com a integridade e a padronização das metodologias de certificação de créditos de carbono, uma vez que projetos cancelados e falhas de monitoramento têm sido frequentes, o que poderia impactar negativamente os balanços das seguradoras e prejudicar os segurados.

Outro ponto levantado pela CNseg é a falta de um mercado estruturado e transparente para a negociação desses ativos. Atualmente, os créditos de carbono não são negociados em bolsas ou mercados organizados, o que dificulta a verificação de preços e condições, além de comprometer o planejamento das seguradoras. A Resolução CVM nº 223/2024 reconhece que os créditos de carbono não constituem ativos financeiros, reforçando a fragilidade do mercado.

Em nota, a CNseg também alerta para o risco de especulação no mercado de carbono, já que a demanda criada pela lei supera amplamente a oferta existente. Isso poderia inflacionar artificialmente os preços dos créditos, prejudicando tanto os obrigados a adquiri-los quanto aqueles que desejam fazê-lo voluntariamente. Além disso, a entidade ressalta que as reservas técnicas e provisões não pertencem às seguradoras, mas aos segurados e participantes da previdência, sendo destinadas ao pagamento de indenizações e benefícios. A destinação compulsória desses recursos para créditos de carbono coloca em risco a estabilidade financeira do setor e a segurança dos consumidores.

A ADIN proposta pela CNseg alega que o artigo 56 apresenta vícios de inconstitucionalidade formal e material. A Constituição Federal estabelece que a regulação do setor de seguros deve ser feita por lei complementar, e não por lei ordinária, como foi o caso. Além disso, o dispositivo foi inserido na lei de última hora, sem debate prévio com o setor, ferindo princípios constitucionais como a isonomia, a livre iniciativa, a segurança jurídica e a liberdade econômica. A CNseg também critica o caráter discriminatório do artigo, que beneficia apenas os emissores de créditos de carbono, excluindo outros tipos de projetos sustentáveis.

A entidade reforça que o setor de seguros tem atuado de forma proativa na mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, com 70% das seguradoras já incluindo critérios ASG (Ambientais, Sociais e de Governança) em suas políticas de investimento. A CNseg defende soluções mais abrangentes, como a emissão de green bonds, que permitem a aplicação de recursos em diversos tipos de projetos sustentáveis, sem comprometer a segurança das reservas técnicas.

Ernesto Tzirulnik, advogado da CNseg, destacou que sua cliente apresentará seus argumentos ao STF, ressaltando que o CMN já autoriza legalmente as seguradoras a investirem até 5% de suas reservas em ativos relacionados a créditos de carbono. No entanto, Tzirulnik alerta para o precedente perigoso de uma norma possivelmente inconstitucional desviar recursos para políticas específicas, mesmo que não comprometa individualmente a solvência das companhias.

Tzirulnik também enfatizou que o legislador entendeu ser lícito e não danoso à solvabilidade impor a obrigação de investimento de 0,5% das reservas técnicas em créditos de carbono, como uma política de Estado para impulsionar o mercado desses ativos. No entanto, ele questiona a constitucionalidade da medida, que pode abrir precedentes para outras obrigações semelhantes no futuro. “A CNSeg certamente se preocupa com o precedente de uma norma possivelmente inconstitucional desviar a políticas outras os ativos garantidores, ainda que sem comprometer individualmente a solvência das companhias. E é isso que cabe ao STF avaliar se está acorde ou não com a Constituição”, afirmou.

Cassio do Amaral, sócio do escritório Machado Meyer e especialista em seguros, afirmou que “qualquer tipo de lei que imponha obrigações de investimento em áreas, indústrias e setores para regulados é inconstitucional”. Ele destacou que a medida fere princípios constitucionais como a livre iniciativa e o direito de propriedade. “O Estado pode, e assim o faz, por meio do CMN, indicar quais ativos e o teto de investimentos das seguradoras, por meio da Resolução CMN 4993. Isso é feito para fins prudenciais, mas exigir que uma empresa ou cidadão aplique recursos em ativos específicos é uma invasão descabida do princípio basilar da liberdade”, explicou. “

Todos concordam que a regulação do setor de seguros deve ser feita com base em critérios técnicos e prudenciais, sem interferir na alocação de recursos de forma compulsória. Ele também criticou a falta de debate prévio com o setor antes da inclusão do artigo 56 na lei, o que, segundo ele, compromete a segurança jurídica e a estabilidade do mercado segurador.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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