Seguradoras e casas de apostas esportivas online (bets) têm algo em comum: ambas vivem de apostas. Mas enquanto uma aposta na proteção e na segurança financeira do consumidor, a outra estimula o sonho do dinheiro rápido e fácil. A ironia se intensifica quando se percebe que esses dois setores, tão diferentes, disputam o mesmo orçamento apertado da população e agora se tornam parceiros de negócios. Sim, pois toda atividade lícita pode e deve ter proteção securitária para mitigar riscos e assim manter a sua longevidade. E as Bets querem comprar seguros, principalmente o seguro de responsabilidade civil para executivos (D&O) e de riscos cibernético, informa João Lucas Papa, secretário-geral Associação Brasileira do Jogo Positivo (AJP).
Uma pesquisa da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) mostrou que 41% dos entrevistados passaram a destinar para as bets dinheiro que antes era usado para outros tipos de entretenimento. O dado mais preocupante, no entanto, é que 20% utilizaram recursos que seriam destinados ao pagamento de contas essenciais, e outros ainda deixaram de economizar, comprar comida ou roupas para apostar. Até mesmo reservas para a previdência privada foram sacrificadas.
Liberadas no Brasil desde 2018 sem qualquer regulação inicial, as apostas esportivas online criaram um mercado bilionário, impulsionado por massivos investimentos em publicidade na TV e nas redes sociais. Mas o dinheiro gasto nesse segmento tem causado endividamento, problemas de saúde mental e impacto em setores como consumo e poupança, segundo estudos e pesquisas. O Itaú, por exemplo, revelou que os brasileiros perderam R$ 23,9 bilhões em apostas entre junho de 2023 e junho de 2024, sendo a maior parte dessas perdas concentrada entre a população mais pobre. No total, as bets movimentaram R$ 68,2 bilhões no mesmo período.
Com a regulamentação do setor avançando a partir deste ano, as casas de apostas agora buscam proteção por meio de seguros. A Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA), do Ministério da Fazenda, divulgou que, até o momento, 66 bets foram autorizadas a operar no país, sendo apenas 14 de forma definitiva, enquanto as demais seguem com licenças provisórias. Para atuar legalmente, cada empresa teve que pagar R$ 30 milhões em outorga ao governo.
Enquanto as seguradoras investem em educação financeira para incentivar a compra de produtos que garantam proteção e previsibilidade, as bets promovem a ilusão da sorte grande, com o bônus de terem casos de sortudos que realmente mudaram de vida ao serem premiados. Mas, apesar da aparente contradição, as apostas também dependem de seguros para minimizar riscos e viabilizar a continuidade de suas operações.
A história dos seguros tem raízes em apostas. No século XVII, investidores ingleses apostavam se navios voltariam da Índia com mercadorias ou se seriam vitimados por naufrágios ou piratas. Quem acertava a previsão ficava com a bolada. No mercado de gambling, a lógica é semelhante.
Agora, as bets querem contratar seguros para se protegerem contra riscos diversos. Entre os produtos mais demandados está o seguro de responsabilidade civil para executivos (D&O), essencial para gestores que ingressam nesse mercado e não querem expor seu patrimônio pessoal a processos judiciais por má gestão. O mercado de resseguro internacional tem oferecido capacidade para essa proteção, mas sem grande divulgação para evitar danos reputacionais. Este seguro não tem cobertura para atos dolosos ou contra a administração pública.
Outro seguro crítico é o de riscos cibernéticos, já que empresas de apostas são alvos frequentes de hackers. A Stake, uma das maiores bets do mundo, sofreu um ataque cibernético em 2024 e perdeu cerca de R$ 200 milhões. O prejuízo não comprometeu suas operações, mas a exposição mostrou a necessidade de melhores proteções.
Apesar da crescente demanda, muitas seguradoras ainda resistem a atender o setor de apostas, principalmente devido a questões regulatórias e ao risco reputacional. “Ainda existe uma dificuldade de aceitação no mercado, mas temos visto avanços. Toda atividade lícita pode e deve ter proteção securitária”, explica Yves Lima, diretor de linhas financeiras da corretora Howden. “E todas as empresas têm de cumprir as exigências da Lei de LGPD, que visa proteger bancos de dados de clientes e registros de transações.”
As apostas esportivas movimentam grandes somas de dinheiro, e a regulamentação em curso busca separar empresas sérias de operadoras fraudulentas. Nos EUA e na Europa, seguradoras já oferecem produtos sob medida para esse segmento. No Reino Unido, onde a BET365 domina o mercado, cerca de 95% das apostas são feitas em operadoras legalizadas. Na França, esse percentual é de 60%. No Brasil, estima-se que 50% das apostas ainda ocorram em um “mercado cinza”, mas a expectativa é que essa taxa diminua com a regulamentação definitiva.
A Associação Brasileira do Jogo Positivo (AJP) tem defendido a maior integração entre o setor de apostas e o mercado de seguros. “A cooperação entre as bets e as seguradoras é estratégica. Estamos falando de um setor que poderá gerar mais de 100 mil empregos e movimentar R$ 200 bilhões no Brasil”, afirma João Lucas Papa, secretário-geral da AJP. Segundo ele, a respeito da contribuição da indústria gambling para a economia do País, em 2025, a expectativa é de gerar entre R$ 12 e R$ 20 bilhões para os cofres públicos. E como disse Lima, Papa reforça: “toda atividade lícita pode e deve ter proteção securitária”.
Ja os gestores de riscos querem entender quais os recursos que supostamente a regulamentação vai trazer para a economia. Apesar do pagamento de impostos e taxas pelas bets, a maior parte das empresas está localizada fora do país e o único investimento que se viu até o ano passado foi o feito em marketing e publicidade. Porém, se confirmado o boom de bets no Brasil, certamente será um segmento importante para as seguradoras de atuam com riscos financeiros e cibernéticos.
Papa refuta. A respeito de “a maior parte das empresas estar localizada fora do Brasil”, não procede mais, pois a Lei 14.790 exige, em seu artigo 7º, que “somente serão elegíveis à autorização para exploração de apostas de quota fixa as pessoas jurídicas constituídas segundo a legislação brasileira, com sede e administração no território nacional, que atenderem às exigências constantes da regulamentação editada pelo Ministério da Fazenda”. A regulamentação das atividades de apostas esportivas, jogos on-line e cassino no Brasil veio precedida de uma regulação forte e diligente.
Com a regulamentação avançando, o segmento de apostas esportivas busca se consolidar e profissionalizar sua atuação. As empresas que conseguirem demonstrar solidez, boas práticas de governança e políticas de gestão de risco tendem a se destacar e atrair mais investimentos. Seguros serão um diferencial competitivo para essas operações, permitindo maior previsibilidade financeira e maior confiança dos investidores.
Se antes seguradoras e bets pareciam rivais na disputa pelo bolso do consumidor, agora a relação pode evoluir para uma parceria. Afinal, no jogo dos negócios, quem souber administrar melhor os riscos tem mais chances de ganhar. Apesar de poucas companhias aceitarem falar do tema, já estão com até mesmo apresentações em power point para vender seguros como D&O e cibernético.
Sem inventar a roda, até mesmo porque o resseguro é internacional e tem modelos de negócios já padronizados, os brasileiros olham para os mercados de apostas no Reino Unido, França e Estados Unidos, que são referências no mundo e já contam com seguros específicos para o setor.
Reino Unido
- O país possui um dos mercados de apostas mais desenvolvidos e regulamentados do mundo, com operadoras como Bet365 e William Hill.
- Seguros para empresas de apostas incluem cobertura para responsabilidade civil, riscos cibernéticos, D&O e fraude.
- O Lloyd’s of London é um dos principais mercados que oferecem capacidade de resseguro para empresas do setor.
- Operadoras contratam seguro contra interrupção de negócios e risco de manipulação de eventos esportivos.
França
- O setor é rigidamente regulamentado pela Autorité Nationale des Jeux (ANJ).
- Empresas licenciadas devem cumprir protocolos de segurança, elevando a demanda por seguros cibernéticos e compliance.
- Algumas seguradoras francesas oferecem coberturas para falhas operacionais e segurança de dados.
Estados Unidos
- Desde 2018, com a revogação da PASPA, diversos estados legalizaram as apostas esportivas, impulsionando o setor.
- Cassinos e empresas de apostas online contratam seguros contra fraudes, ataques cibernéticos e responsabilidade operacional.
- Seguradoras e resseguradoras como AIG e Swiss Re oferecem produtos customizados para o setor.
- Seguros para prêmios de alto valor (prize indemnity insurance) são comuns, garantindo que as casas de apostas possam cobrir pagamentos milionários.