Um dos desafios mais comentados do mercado segurador no Brasil para 2025 era a Lei Complementar nº 213. Esta foi também a primeira grande notícia do setor no ano. O presidente Lula sancionou a nova legislação em 15 de janeiro. A lei regulamenta o funcionamento de cooperativas de seguros e de grupos de proteção patrimonial mutualista, promove uma ampla reforma no Sistema Nacional de Seguros Privados e amplia os instrumentos de supervisão à disposição da Susep.
As sociedades cooperativas de seguros, antes autorizadas a operar apenas com seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho, agora podem atuar em qualquer ramo de seguros privados, exceto naqueles expressamente vedados em regulamentação específica.
O superintendente da Susep, Alessandro Octaviani, destacou, na ocasião da aprovação do projeto pelo Congresso Nacional, em dezembro de 2024: “Ao subordinar a atuação dos novos entrantes à regulação e à supervisão do CNSP e da Susep, a lei criou as bases necessárias para que os novos operadores atuem dentro de regramentos pré-estabelecidos e sejam continuamente supervisionados pelo poder público, dando maior confiabilidade ao Sistema Nacional de Seguros Privados e garantindo maior proteção ao consumidor.”
E agora? Quais são os impactos? O Sonho Seguro conversou com o advogado especializado em seguros Cassio Gama Amaral, sócio do escritório Machado e Meyer. Confira abaixo os principais trechos da entrevista:
Para que as cooperativas comecem a operar como seguradoras, o que ainda falta? A regulamentação?
As cooperativas, de acordo com o Decreto-Lei nº 73/66, podiam comercializar seguros agrícolas, de saúde e de acidentes do trabalho, mas isso não ocorria devido à falta de regulamentação e incentivos. Com a promulgação da LCP nº 213/35, elas passam a poder comercializar todos os tipos de seguro. O CNSP e a Susep devem regulamentar o quanto antes. O governo é entusiasta do cooperativismo e deve acelerar esse processo.
Há previsão de quando isso irá ocorrer?
Acredito que ainda no primeiro semestre de 2025.
As cooperativas terão que seguir as mesmas regras das seguradoras?
Certamente, elas terão que cumprir regras prudenciais semelhantes às aplicadas às seguradoras. O Sistema Nacional de Seguros Privados é fundamentado na proteção ao consumidor. Cooperativas e mútuas também deverão seguir regras rígidas de solvência e liquidez para evitar riscos sistêmicos.
As exigências de reservas técnicas e capital mínimo não podem encarecer os seguros?
As regras prudenciais são baseadas na boa técnica atuarial e no princípio do mutualismo dos seguros. Independentemente do veículo (seguradora, resseguradora, associação mutualista ou cooperativa), essas normas devem ser seguidas. Porém, cooperativas e associações mutualistas podem aplicar estratégias mais econômicas, reduzindo custos operacionais e de intermediação, além de não sofrerem a pressão por lucro típica de stakeholders tradicionais. Isso pode resultar em preços mais competitivos.
Hoje as cooperativas vendem seguros de seguradoras. Existe uma tendência de fusão entre cooperativas e seguradoras?
As parcerias devem continuar, seja por meio de acordos de distribuição, cosseguro ou resseguro, conforme autorizado pela lei. Contudo, fusões entre cooperativas e seguradoras são improváveis devido às diferenças em governança, operação e missão. Não se descarta, entretanto, a formação de joint ventures operacionais.
O mercado de cooperativas se fortaleceu com o distanciamento dos bancos, que se tornaram majoritariamente digitais, enquanto as cooperativas mantêm o atendimento próximo.
Esse é um diferencial importante das cooperativas em relação às seguradoras. O cliente é parte da organização como associado. As cooperativas detêm informações mais detalhadas sobre os clientes, o que lhes permite criar produtos e soluções mais personalizadas.
Você acredita em um mercado dividido entre digitais e físicos? Há estimativas sobre o tamanho desses nichos?
A transformação digital no mercado de seguros é irreversível. A presença física será gradualmente substituída por canais e ferramentas digitais, como já ocorre no setor bancário. No entanto, a presença física ainda será relevante em nichos específicos, como grandes riscos. Estimo que, em cinco anos, apenas 10% a 15% das transações sejam analógicas.
Atualmente, as cooperativas se destacam no segmento de vida. Você aposta que elas atuarão em todos os ramos de seguros, previdência e capitalização?
Minha aposta é em vida, agro, prestamista, habitacional e outros produtos vinculados aos mercados de investimento e crédito.
Os corretores de seguros terão papel relevante nas cooperativas ou elas manterão apenas agentes próprios?
Os corretores desempenham um papel fundamental na intermediação de seguros no Brasil, com 80% das transações realizadas por meio deles. Certamente terão relevância na comercialização de produtos das cooperativas, aproveitando a expansão do mercado e da concorrência.