As principais renovações de contratos de seguros e de resseguros acontecem no segundo semestre do ano. Geralmente neste período do ano são realizados eventos tradicionais, que visam debates dos riscos, das coberturas, das condições de oferta de capacidades internacionais e locais. As conversas no Brasil começam antes para medir o termômetro da América Latina, uma vez que o setor representa 50% da produção de vendas de seguros e de resseguros da região. Somente nesta semana, três eventos importantes ocuparam a agenda dos executivos de riscos corporativos.
Além da busca de relacionamento e informações para a renovação dos contratos, o resultado desses encontros privados é importante para compor o cenário do tradicional encontro anual em Mônaco. O Monte Carlo Reinsurance Rendez-vous realiza a 66º edição de 7 a 11 de setembro. A resseguradora Munich Re, a maior do mundo, recebeu mais de 200 convidados nesta quarta-feira, em São Paulo. O cenário não poderia ser mais acolhedor. A tradicional festa alemã Oktoberfest. A 189 edição acontece neste ano entre 21 de setembro a 6 outubro em Munique, Alemanha.
“Temos grande interesse em investir no Brasil. Acompanhamos o desenvolvimento do país e do setor de seguros não apenas com capacidade financeira do resseguro, mas com soluções, tecnologia e nossa experiência mundial”, disse o alemão Matthias Marwege, head da unidade EULA (Europa LatAm) North LA&Caribe, Bogotá, Madrid, Brasil, em um excelente português. O executivo ganhou fluência na língua por acompanhar o Brasil há tempos e ter grande admiração pela cultura e pelos brasileiros, confidenciou. Ele participou da abertura da subsidiária local em 2008, quando o governo iniciou a abertura do mercado de resseguros.
“Nós estamos dispostos a apoiar nossos clientes no desenvolvimento de soluções, inclusive para riscos de catástrofes. Temos desenvolvido parcerias com governos em países da América Latina mais expostos, como é o caso do Chile com terremotos, e podemos contribuir muito com o Brasil”, citou. Ter um programa para catástrofes é um tema em pauta no Brasil há tempos, mas ganhou tração com a tragédia vivida no Rio Grande do Sul, com perdas econômicas estimadas em até R$ 97 bilhões para a economia brasileira em 2024, segundo estimativa da CNC, Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Menos de 10% das perdas estão seguradas, segundo estatísticas da CNseg, a confederação das seguradoras.
“A Munich pode e quer ajudar a estabilizar as economias dos países afetados por catástrofes como esta. O Brasil vai precisar de mais seguro diante do aumento de eventos climáticos. O setor de seguros e de resseguros têm muito a contribuir para a mitigação e gestão dos riscos”. A conta das indenizações a serem pagas pela Munich Re com as perdas no Rio Grande do Sul ainda está sendo contabilizada.
O CEO da Munich Re no Brasil, Karsten Steinmetz, comenta que depois das enchentes, os clientes se preocupam em como adaptar o momento de negócios para o futuro. “Com o período de renovações neste segundo semestre, estamos juntos com nossos clientes na busca de soluções para mitigar riscos um cenário com mais volatilidade”, disse.
Entre os convidados, parceiros de negócios. Roberto Teixeira, responsável por seguros na XP Inc, conta que graças a parceria com a Munich Re a seguradora tem resultados diferenciados. “Estamos juntos desde o início. Eles nos ajudaram a desenvolver a operação, com sistemas importantes de aceitação de risco e precificação. Diante disso, temos uma carteira saudável e que cresce mês a mês”, conta. De acordo com o executivo, a XP tem avançado na oferta de coberturas com a tecnologia. A expectativa é que novas coberturas sejam lançadas ainda neste ano dentro da parceria com a resseguradora.
Também neste ano, a Munich Re comemorou uma parceria com a MAG Seguros para o uso de uma plataforma. “A Munich Re Automation Solutions representa um importante passo em frente na nossa estratégia de fornecer serviços eficientes e de alta qualidade aos nossos clientes. A SARA não só simplifica, mas também agiliza o processo de subscrição, oferecendo uma experiência mais rápida e personalizada, em linha com as expectativas das gerações mais jovens, que procuram comodidade e personalização nos serviços digitais”, comentou Nuno David, diretor comercial e marketing do grupo MAG.
A tecnologia ofertada pela Munich RE também conquistou a Junto Seguros, especializada em seguro garantia, conta o CEO Roque de Melo, um dos convidados. “Temos avançado na nossa parceria e novidades estão para acontecer neste segundo semestre. Somos parceiros desde o início da nova fase da companhia e os resultados são realmente promissores”.
Já em riscos patrimoniais, o tema é mais reservado. Os corretores e clientes que renovaram o contrato antes do ocorrido no Sul, ou seja, até maio, estavam tranquilos, como a Sompo Seguros, que renovou no início de maio seu contrato de transportes. “A negociação já vinha acontecendo meses antes e renovamos com tranquilidade. A próxima renovação ainda está longe, mas acreditamos que não teremos problemas”, disse Adailton Dias, diretor executivo de produtos e resseguro.
Igor Di Beo, vice-presidente técnico da HDI, Luis Nagamine, diretor geral da Mitsui Sumitomo Seguros (MSS), Felipe Smith, diretor executivo de produtos pessoa jurídica da Tokio Marine, e Edward Lange, CEO da Sancor Seguros Brasil, têm apenas uma leve apreensão com as renovações dos contratos previstas para o final do ano. Segundo Di Beo, será um momento importante de negociações, visto que o evento do Sul foi algo atípico. “Temos um mercado de resseguros com muita capacidade internacionalmente neste momento e certamente o Brasil é uma peça-chave para o crescimento das companhias”.
Smith, da Tokio Marine, também acredita na estabilização de taxas e condições de contratos. “Estamos todos unidos na busca de soluções para os problemas de nossos clientes e este é um momento importante para mostrarmos a importância do seguro para proteção do patrimônio das empresas”. Lange também está tranquilo, uma vez que a safra do Sul tinha sido praticamente toda colhida uma semana antes das enchentes. “Se as chuvas torrenciais tivessem ocorrido uma semana antes, o setor viveria uma situação devastadora”, afirmou.
Nagamine concorda. “Nosso contrato tem renovação no final do ano e até lá ainda temos pontos importantes, como a temporada de furacões nos EUA, bem como a vulnerabilidade que temos vistos com o aumento dos eventos climáticos como do Sul. Mas tudo transcorrendo dentro do normal, nossa expectativa é otimista diante do crescimento da companhia. O grupo tem a ambição de se posicionar como líder do mercado corporativo no Brasil, seguindo os passos da matriz mundialmente. Temos novos negócios e há apetite por parte dos resseguradores, acostumados a lidar com eventos catastróficos esporádicos”.
No entanto, quando a conversa é com os corretores de seguros e de resseguros, é preciso estar com uma caixa de lenços para secar as lágrimas. Afinal, com a tragédia do Sul, era este o cenário mais esperado: taxas elevadas e pouca capacidade para o Brasil, mesmo com o excesso de capital disponível no mundo. Importante lembrar que em 2022 as resseguradoras amargaram grandes perdas na carteira agrícola no país e restringiram a oferta e elevaram os preços.
No balanço mundial do primeiro semestre deste ano divulgado hoje, há menção a isso. Os preços para cobertura de resseguros aumentaram consideravelmente em alguns mercados, incluindo a América Latina e a Austrália. É uma reação comum quando há uma tragédia, mas eles esperam que a concorrência ajude a “soltar o freio de mão das resseguradoras para a cobertura de alagamento”.
Apesar de os corretores ganharem mais quando há aumento de preços, uma vez que a comissão equivale a um percentual do todo, esta volatilidade assusta clientes e reduz as coberturas numa tentativa de baixar o custo do seguro. E esta combinação é perigosa, pois coloca em risco o trabalho do corretor no caso de acontecer um sinistro e o valor não ser suficiente para cobrir as perdas. No Sul, por exemplo, há uma enxurrada de advogados buscando dados para processar o corretor pelas perdas não cobertas dos clientes.
“Tem cliente com agravamento de taxas que chega a triplicar o valor pago no ano anterior”, disse um comercial que pediu anonimato. “As condições de renovação estão difíceis. Temos de acessar diversos mercados para conseguir capacidade e um valor razoável. Afinal as perdas aconteceram no Sul e não podem influenciar todas as regiões com cenário estável de riscos há décadas”, comentou outro corretor.
O que de certo temos para o tradicional evento de ressegurares na luxuosa cidade de Mônaco é que o ambiente de mercado continua promissor para as resseguradoras no Brasil, mas enfrenta incertezas causadas pela inflação, taxas de juros, pelos potenciais impactos dos riscos geopolíticos, pela desglobalização e por riscos dinâmicos, como as alterações climáticas, inteligência artificial e a cibersegurança.
Os impactos da inflação e das taxas de juros também preocupam o setor em todo o mundo, mas no Brasil este é um fator de comemoração. “Sim, o ganho financeiro tem nos ajudado no Brasil”, reconhece Matthias Marwege. No geral, a receita de investimentos contribuiu significativamente para a lucratividade do setor de resseguros do Brasil e levou a resultados positivos para 2023. O repasse de prêmios das seguradoras para as resseguradoras alcançou R$ 25,2 bilhões em 2023, um aumento de 8,9% em relação ao ano anterior.
Segundo recente análise divulgada pela AM Best, que coloca o mercado de resseguros em avaliação negativa, as resseguradoras brasileiras registraram resultados finais positivos em 2023, mas isso se deveu principalmente à receita de investimentos. Para que a perspectiva seja revisada para estável, a volatilidade dos resultados técnicos e financeiros do setor precisaria diminuir, juntamente com uma receita técnica positiva.