Mas afinal, há cobertura de seguros para o apagão cibernético?

Desde ontem de madrugada os grupos de WhatsApp de executivos de riscos corporativos estão a todo vapor. Considerado a maior falha de TI de todos os tempos, o apagão cibernético global – que aconteceu na madrugada desta sexta (19) devido a uma falha em um software da Microsoft – gerou um impacto significativo no setor da aviação civil, hospitais, bancos, serviços e até seguradoras enfrentam instabilidade em seus sistemas.

Após a interrupção na nuvem da Microsoft hoje, analistas esperam atualmente que as reclamações por interrupção de negócios impulsionem a maior parte das perdas da indústria de seguros. Foi confirmado que a interrupção foi causada por uma atualização de segurança da CrowdStrike, que chegou a registrar desvalorização na bolsa de R$ 65 bilhões, segundo agências de notícias. Trata-se de um provedor de tecnologia de segurança, que levou a problemas generalizados com o Windows da Microsoft.

Certamente as consequências levarão algum tempo para estimativas realistas de perdas para a indústria de seguros. No entanto, especialistas em cibersegurança citam que há um claro potencial para riscos acumulados e perdas significativas por interrupção de negócios. Trata-se de um risco gigante e que poucas empresas contratam de forma adequada. Inclusive porque as re/seguradoras fornecem apenas um valor pequeno de importância segurada e serviços de retomada da operação para que possam testar o mercado e entender mais sobre a extensão que o problema pode ter.

Este caso de hoje sinaliza que ainda há muito a ser aprendido sobre a segurança cibernética. “O conceito de risco sistêmico refere-se à possibilidade de falha em um componente do sistema causar impactos significativos em todo o sistema ou em partes substanciais dele. O evento registrado hoje ilustra um pouco disso – uma falha em sistemas de provedor global de segurança cibernética repercutiu de forma sistêmica e abrangente, levando a interrupção massiva que afetou diversos setores”, avalia Alfredo Chaia, especialista em riscos.

Segundo a corretora de seguros Alper, vários nichos da economia podem ser afetados pelo apagão, com perdas em diversos segmentos como seguro viagem, com cobertura em casos de cancelamento de voos, como o ocorrido nas principais companhias aéreas dos Estados Unidos; seguro de Lucros Cessantes, com cobertura para interrupção das atividades empresariais devido a falhas técnicas; seguros de Responsabilidade Civil, com proteção contra ações judiciais e responsabilidades decorrentes de falhas cibernéticas; seguros para o Setor de Saúde, diante das garantias para hospitais e clínicas em casos de interrupções tecnológicas que afetem procedimentos e serviços; seguros para Mercados Financeiros que envolvem proteção contra perdas decorrentes de paralisações em bolsas de valores e outros mercados financeiros.

A demanda por seguros cibernéticos cresce na medida em que os ataques se tornam cada vez mais frequentes. De acordo com a Munich Re, uma das maiores companhias de resseguro do mundo em termos de prêmio subscrito, foram US$ 4,7 bilhões em prêmios cibernéticos em todo o mundo em 2018. Em 2021, foram US$ 9,2 bilhões, e a projeção para o final de 2025 é de US$ 22,1 bilhões.

A corretora Wiz Corporate explica que as garantias das apólices de seguros cibernéticos são divididas em dois tipos de proteções. As coberturas de respostas a incidentes envolvem os prejuízos do próprio segurado e englobam: serviços de perícia forense digital; custos para restauração e recuperação de dados; pagamento de resgate (extorsão); lucros cessantes por interrupção de rede; gastos de notificação e monitoramento; custos de restituição de imagem pessoal e da sociedade; e custos decorrentes de uma investigação administrativa. 

Já as coberturas de responsabilidade civil, que envolvem os prejuízos de terceiros, englobam: custos de defesa; multas e penalidades; responsabilidade por dados pessoais ou corporativos de terceiros; e pagamento por danos decorrentes de uma decisão judicial, arbitral ou acordo. “Sem uma corretora especializada, aumenta muito a probabilidade de o cliente não receber uma cotação ou a seguradora agravar o valor da apólice por não ficar claro o nível de maturidade do risco analisado”, revela Eduardo Bezerra da Wiz Corporate.

Mas afinal, o que cobrem as apólices tradicionais de seguros cibernéticos? Segundo Marta Helena Schuh, diretora Cyber & Tech Insurance da corretora Howden Brasil, ainda é preciso entender melhor o que está acontecendo. “Meu entendimento atual é que, embora as notificações tenham sido feitas, a maioria dos clientes provavelmente lidará com isso por meio de soluções alternativas de implementação de TI interna e em última análise, pelo desenrolar/patch do CrowdStrike. Acredito e pelos relatos que estou ouvindo é que, para a maioria das entidades, apenas alguns sistemas são afetados, e não toda a rede. Portanto, eu esperaria que a resposta a incidentes fosse comparativamente limitada na maioria dos casos, embora haja exceções e, claro, muitos clientes possam notificar em qualquer caso”, afirmou ao Sonho Seguro.

A principal exposição provavelmente será interrupção de negócios, ou business interruption, para aqueles que adquirirem cobertura contra falhas do sistema, pois não está disponível em todas as apólices. “Quando a cobertura for mais restritiva, especialmente com base em erros operacionais e não em qualquer interrupção não planejada, precisaremos ver os detalhes do incidente para comentar adequadamente. Suspeito que, do ponto de vista do BI, o período de tempo do incidente principal possa ser limitado, mas os impactos provocados pela obstrução do sistema durarão mais tempo”.

No seguro viagem, o consenso é de que a seguradora deve pagar seus clientes. O advogado internacionalista do Godke Advogados e especialista em Direito Aeronáutico, Marcial Sá,  explica que os passageiros que tiveram prejuízos devido aos atrasos podem buscar ressarcimento junto às companhias aéreas. Se não conseguirem uma solução administrativa, têm o direito de recorrer judicialmente. “As empresas aéreas e os aeroportos podem buscar reparações junto aos fornecedores dos sistemas que falharam, visando cobrir os danos sofridos”, destaca.

Segundo especialistas, até o mês passado a AIG era a líder do seguro viagem mundialmente. Mas anunciou a venda para a Zurich do negócio global de seguro de viagem pessoal e assistência, por US$ 600 milhões em junho passado. A compra amplia a presença da Zurich em seguro viagem, particularmente nos Estados Unidos. A sede da América Latina, antes instalada em Miami, agora passa a ser o Brasil, e está sob o guarda-chuva da Universal Asssitance, empresa do grupo suíço. O processo de transição vai até o final do ano.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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