Recuperação a passos lentos no setor de saúde, prevê Fitch

27% dos 11 ratings das companhias avaliadas estão em Perspectiva Negativa

Fonte: Fitch

Na opinião da Fitch Ratings, 2024 ainda será um ano desafiador para as empresas do setor de saúde no Brasil. A maioria das companhias ainda apresenta estrutura de capital alavancada, pressionada pelo elevado consumo de caixa com juros e capital de giro, enquanto a retomada da geração operacional de caixa e da rentabilidade tem ocorrido de forma mais lenta do que o esperado. A Fitch rebaixou cinco ratings de empresas do setor desde o início de 2023 e, atualmente, 27% dos 11 ratings das companhias avaliadas estão em Perspectiva Negativa.

Os volumes de exames e internações têm se mantido aquecidos, apoiados nos sólidos fundamentos do setor, mas as receitas das empresas não têm avançado na mesma magnitude da demanda. A dinâmica mais rígida de negociação de preços e prazos entre prestadores de saúde e operadoras, observada nos últimos três anos, combinada a um processo mais lento de integração e captura de sinergias das aquisições, tem postergado e frustrado o crescimento da geração de caixa e das margens operacionais das empresas.

A rentabilidade apresentou ligeira melhora em 2023, tendência que deve se manter em 2024. A Fitch projeta aumento de 1 ponto percentual na margem de EBITDA agregada das empresas avaliadas, para 13,8% em 2024 — ainda distante dos 16% reportados em 2019. A evolução das margens tem sido mais lenta do que no passado, devido aos maiores desafios de repasse de preços diante de um ambiente operacional em que os custos médico-hospitalares seguem crescendo acima da inflação.

As empresas de medicina diagnóstica enfrentam as maiores limitações nos repasses de preços, devido à característica estrutural deste segmento, com reajustes geralmente inferiores à inflação. Isto demanda, por parte destas companhias, uma busca contínua por eficiência operacional, mediante ganhos de escala e/ou de produtividade, a fim de diluir custos fixos para se manterem competitivas. A Fitch projeta margem de EBITDA agregada para as empresas de diagnóstico de 13,3% em 2024, frente a 11,9% em 2023. Este patamar é inferior à média reportada antes da pandemia de coronavírus (16%) e ainda se encontra abaixo do intervalo de rentabilidade da indústria (entre 15% e 20%).

As operadoras de saúde, por outro lado, têm o desafio de continuar reduzindo os índices de sinistralidade para aliviar as pressões na rentabilidade. Nos últimos dois trimestres, houve avanços na redução da sinistralidade, mas é importante observar a consistência na entrega dos resultados por mais tempo. Em bases agregadas, as margens de EBITDA das operadoras verticalizadas devem ficar em torno de 10% em 2024, em comparação com 9% em 2023, e inferiores à média histórica (15%).

Os hospitais registram os maiores tíquetes médios e margens operacionais do setor de saúde (entre 20% e 25%), mesmo sendo mais intensivos em capital e tendo maior custo fixo do que os demais. A categoria hospitalar se beneficia de menor competição que o segmento de diagnósticos, além de melhor capacidade de repasse de preços (inflação mais um prêmio), apoiada na alta complexidade dos tratamentos oferecidos. A Fitch projeta margens de EBITDA agregadas de 23,3% em 2024 para este segmento, em comparação com 22,8% em 2023.

As companhias dos três segmentos possuem o desafio de melhorar a capacidade de geração operacional de caixa, que se deteriorou ao longo dos últimos dois anos. Parte significativa do EBITDA dessas empresas tem sido consumida por juros e capital de giro elevados — cenário que deve se manter em 2024, mesmo com os esforços das companhias para reduzir investimentos e preservar caixa. A médio e longo prazos, o setor deve caminhar para modelos de remuneração que tragam maior equilíbrio operacional e financeiro, contribuindo para o fortalecimento da geração operacional de caixa e melhor gestão do capital de giro, em bases mais sustentáveis.

O alto endividamento e a menor velocidade de recuperação da geração operacional de caixa têm pressionado a alavancagem de diversas empresas. Em bases agregadas, o índice dívida líquida/EBITDA das companhias avaliadas pela Fitch foi de 3,2 vezes em 2023, mais do que o dobro do reportado em 2019 (1,4 vez), e a expectativa é de que se reduza para 2,9 vezes ao final de 2024.

A Diagnósticos da América S.A. (Dasa, Rating Nacional de Longo Prazo ‘AA(bra)’/Perspectiva Negativa), Alliança Saúde e Participações S.A. (Alliança, Rating Nacional de Longo Prazo ‘A(bra)’/Perspectiva Estável), Kora Saúde Participações S.A. (Kora, Rating Nacional de Longo Prazo ‘A(bra)’/Perspectiva Estável), Oncoclínicas do Brasil Serviços Médicos S.A. (Oncoclínicas, Rating Nacional de Longo Prazo ‘AA(bra)’/Perspectiva Estável), Hapvida Participações e Investimentos S.A. (Hapvida, Rating Nacional de Longo Prazo ‘AAA(bra)’/Perspectiva Negativa) e Rede D’Or São Luiz S.A. (Rede D’Or, Rating Nacional de Longo Prazo ‘AAA(bra)’/Perspectiva Estável) encerraram 2023 com alavancagem líquida acima dos gatilhos de rebaixamento dos ratings.

As capitalizações realizadas pela Athena Saúde Brasil S.A. (Athena, Rating Nacional de Longo Prazo ‘A(bra)’/Perspectiva Negativa) e pela Alliança, ao final de 2023, e pela Dasa e pela Oncoclínicas em maio de 2024 atenuaram os riscos de liquidez a curto prazo e amenizaram as pressões em suas estruturas de capital. No entanto, os desafios permanecem altos para que a Dasa reposicione sua alavancagem líquida para abaixo de quatro vezes, e seus ratings continuam expostos a uma ação negativa em mais de um grau caso a empresa não tenha sucesso, ao longo dos próximos meses, em reduzir sua dívida líquida em pelo menos R$ 2,5 bilhões, conforme anunciado. A Alliança e a Kora também precisam reduzir a alavancagem líquida para menos de 4,5 vezes dentro dos próximos meses, a fim de evitar ações de rating negativas.

A Fitch não vê espaço para aquisições financiadas por dívida sem que haja forte pressão nos ratings. No entanto, este é um setor em consolidação; portanto, movimentações continuarão ocorrendo, em especial no formato de parcerias entre operadoras e hospitais, que têm ganhado força no cenário pós-pandemia. A agência considera esses movimentos estratégicos, pois permitem o compartilhamento dos gastos com investimentos em novos projetos, além de representarem, para os hospitais, potencial fluxo de receita futura contratada, atenuando o risco de competição e de ausência de credenciamentos.

A liquidez da maioria das empresas da carteira de saúde da Fitch é adequada frente aos vencimentos de dívida em 2024. A Kora, a Athena, a Alliança e o Laboratório Sabin de Análises Clínicas S.A. (Sabin, Rating Nacional de Longo Prazo ‘AA-(bra)’/Perspectiva Estável) possuem cronogramas de dívida mais concentrados, com vencimentos importantes em 2025 e 2026, que precisam ser endereçados ao longo dos próximos trimestres, a fim de evitar pressões nos ratings. Os aportes de capital da Athena e da Alliança contribuíram para mitigar riscos de refinanciamento mais iminentes.

As demais empresas apresentam perfil de dívida bem escalonado e/ou realizaram captações recentemente para alongar o cronograma da dívida e reforçar a liquidez. De janeiro a maio deste ano, os emissores de saúde avaliados pela Fitch captaram cerca de R$ 6,2 bilhões, incluindo debêntures e Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRIs), enquanto os aportes de capital da Dasa, da Alliança e da Oncoclínicas totalizaram mais de R$ 3,3 bilhões.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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