Correios e Pix recorrente são trunfo da francesa CNP para fisgar segurados no Brasil

País é o segundo maior mercado da companhia que tem como principal acionista o Banco Postal francês

por Jamille Niero

Fazer com que os brasileiros entendam que podem comprar seguro nos Correios é o principal dos três maiores desafios da seguradora francesa CNP Assurance com a parceria iniciada no início de 2024 com a estatal brasileira, avalia o CEO para o Brasil, François Tritz, em conversa exclusiva com o InfoMoney. Os outros dois desafios incluem esclarecer o propósito dos produtos e o preço atrativo, continua Tritz.  

Para isso, a empresa está investindo em treinamento para os funcionários das agências, “para que eles possam, de uma forma muito simples, entender o que é uma apólice de seguro [contrato]”. 

O treinamento é realizado por meio de uma equipe própria da seguradora que visita quase 7 mil postos de atendimento dos Correios espalhados pelo país. “No momento, o treinamento inclui as pessoas que estão dentro das agências, mas não estamos começando do zero”, diz o executivo francês, já que a parceria da CNP com a Caixa existe há cerca de 2 anos, quando foi iniciada a comercialização de produtos de capitalização e planos odontológicos no balcão da estatal.

“Contudo, a venda de seguros requer uma abordagem mais simples e direta. O processo no ponto de venda dura, no máximo, cinco minutos porque sabemos que se demorar mais que isso você perde o cliente e a atenção dele”, explica Tritz. 

Afinal, ninguém acorda pela manhã “com vontade de comprar seguro” e ainda mais fazer essa transação nos Correios, ressalta o executivo. Depois de um período de teste nas agências de Brasília e interior de São Paulo, os Correios estenderam a venda de seguros para agências em todo o país na segunda quinzena de janeiro de 2024.

Com uma proposta de aporte de mais de R$ 150 milhões, a CNP venceu o processo de seleção pública promovido pelos Correios em 2023 para parceiro de negócios. O acordo foi formalizado no segundo semestre do ano passado e prevê a venda exclusiva dos produtos da seguradora em toda a rede de atendimento e nos canais digitais dos Correios por 10 anos.

A confiança nos Correios é vista pela companhia como um trunfo na expansão do acesso a seguros, embora haja desafios em regiões onde a confiança na instituição é menor. Isso porque a CNP Assurance, explica Tritz, tem como principal acionista o Banco Postal da França, onde os cidadãos já estão acostumados a obterem desde conta bancária à telefonia celular nas agências postais – algo que ainda está em fase mais inicial por aqui. 

O Brasil é o segundo maior mercado da companhia, com arrecadação de 6,5 bilhões de euros em 2023, perdendo apenas para a operação francesa, onde fica a matriz da CNP Assurance.

Potencial do Pix

Outro fator que faz Tritz ver com otimismo a operação brasileira é o Pix, sistema de transação instantânea criado pelo Banco Central do Brasil. Especialmente o “Pix Automático”, previsto para funcionar no país a partir de outubro de 2024, com função que permitirá pagamentos recorrentes na modalidade, operando como um tipo de “débito em conta”. 

“O Pix recorrente vai ser importante porque a forma como as pessoas compram seguro hoje não é pagando adiantado por um ano de seguro, elas pagam uma parcela mensal. Então, o Pix como está hoje não nos ajuda muito, mas quando tivermos o Pix recorrente será uma virada de jogo em todos os canais”, aposta Tritz.

Segundo o executivo, o nível de digitalização dos setores bancário e segurador no Brasil “é muito elevado e mais maduro” do que em muitos países, inclusive da Europa. Na sua análise, é o resultado dos anos de convivência do brasileiro com a inflação alta, uma vez que era preciso “conseguir movimentar suas economias muito rapidamente” porque da noite para o dia podia-se perder ou ganhar dinheiro. “Isso obriga todo banco e toda corretora a desenhar sistemas muito ágeis e muito fáceis”, comenta o executivo.

Por um lado, a digitalização da distribuição e do relacionamento com o cliente, como ocorrem no Brasil, chamam a atenção do executivo por proporcionar um contato “mais direto” e eficiente entre seguradora e consumidor do que na França e outros países da Europa. Na outra ponta, Tritz avalia que o país ainda pode avançar no “nível básico” de proteção da população brasileira, uma vez que por aqui há poucos seguros considerados “obrigatórios”, diferentemente do que ocorre em muitos países europeus. 

“Por exemplo: observe o mercado automotivo. Na Europa você não pode sair com um carro de uma concessionária sem seguro, é proibido. Você não pode dirigir um carro sem seguro. Se você for parado pela polícia, eles levam seu carro e pronto, fim da história. O mesmo para bicicletas, motos etc.”, comenta o executivo.

Ele avalia que isso explica também a menor participação do setor no PIB. Enquanto em muitos países europeus a arrecadação do setor corresponde a cerca de 10% do PIB, no Brasil gira em torno de 6%. Segundo o executivo, a diminuição dessa “lacuna de proteção” passa por uma discussão com estado e os órgãos reguladores (como a Susep – Superintendência de Seguros Privados), para definir o quão importante e qual é a direção que eles querem tomar também. 

“Porque sei que é um apelo difícil de se fazer ao povo, dizer que agora tal seguro é obrigatório. Não é muito popular. Mas, por outro lado, é possível deixar as pessoas realmente sem proteção?”, questiona.

Nesse âmbito, as mudanças climáticas e seus efeitos na habitação, por exemplo, surgem como grande preocupação que deve ser debatida. Um dos caminhos possíveis, comenta o executivo, é o papel da regulação ao identificar a necessidade da população por seguro residencial e “ajudar a organizar” esse mercado e a concorrência, possibilitando o acesso da população ao produto. “Para mim, esse é um dos grandes diferenciais que eu vejo e onde eu acho que o mercado europeu está mais regulamentado, com mais seguros obrigatórios”, pontua Tritz.

Diante do aumento de riscos, é preciso que o regulador esteja consciente disso e comece a pensar nas soluções – sejam elas provenientes do Estado, do setor privado ou uma mistura dos dois, observa o executivo ao comparar com a situação que ocorre atualmente no Brasil com outros países.

De acordo com Tritz, a CNP vem contribuindo para esse tipo de questão social ao operar no segmento de seguro habitacional – em parceria com a Caixa Econômica Federal – e também com por meio da parceria com os Correios, justamente com a oferta de microsseguros (produtos baratos e de fácil compreensão desenvolvidos para atender a população não alcançada pelo sistema tradicional de seguro) que englobam o seguro residencial, por exemplo.

Infomoney
Infomoneyhttps://www.infomoney.com.br/
O InfoMoney é o maior site especializado em investimentos e educação financeira do Brasil.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Ouça nosso podcast

ARTIGOS RELACIONADOS