Como fazer o cliente ler (e entender) os contratos de seguro?

Seguradoras apostam no "legal design" para garantir que os consumidores realmente compreendam o que estão assinando

Eis aqui o novo artigo publicado no InfoMoney.

Todos já sabem que o mercado de seguros quer crescer. Um estudo da CNseg, a confederação das seguradoras, tem a ambição de aumentar em 20% a parcela da população atendida pelos diversos produtos dos segmentos de seguros, previdência aberta, saúde suplementar e capitalização. Isso, em termos de receitas, significa elevar a participação do setor dos atuais 6,4% para 10% em 2030.

São muitas as mudanças necessárias, na economia e no setor, para se atingir este objetivo. Uma delas tem me encantado: o legal design. “Trata-se de uma abordagem focada no uso de recursos de experiência do usuário e design para a transformação de documentos jurídicos”, diz Felipe Faraj, superintendente jurídico da AXA, uma das seguradoras mais adiantadas nesse tema crucial para o setor de seguros avançar.

Ele é prioritário pois está intrinsecamente ligado à experiência do consumidor, que é quem realmente vai ditar o crescimento do setor. Se ele gostar do produto e achar útil, compra. Simples assim. Como o maior grupo segurador da França tem um plano ambicioso para o Brasil, melhorar a experiência do consumidor é parte prioritária do seu plano estratégico para o período entre 2023 a 2027, que tem como meta posicionar a companhia entre as cinco maiores nos ramos em que atua. Em 2022, a AXA entrou para o clube do bilhão, com vendas de R$ 1,4 bilhão, ao incorporar a XL, seguradora de grandes riscos. A meta para 2023 é chegar a R$ 1,7 bilhão.

São pequenas mudanças com grandes impactos. “Estamos participando de uma concorrência para ser a seguradora parceira de uma grande empresa do segmento financeiro e eles nos apontaram o legal design como um diferencial. A empresa disse que nunca tinha visto um contrato no qual se terminasse a leitura sem dúvidas do que estava comprando”, diz Faraj.

Realmente, ter uma melhor experiência em direitos e obrigações é um tema urgente. Hoje, as pessoas vão apertando “aceito” em tudo na internet, pois querem acessar logo os dados. Então correm um risco enorme, como mostra o episódio “A Joan é Péssima”, da sexta temporada da série “Black Mirror”. Vale assistir para parar de clicar por aí em “aceito” sem ler os termos e condições.

Em seguros, o problema nem é dar “sim” para tudo, mas não ser estimulado a ler o que está comprando. E quando lê, não entender. Esse é o grande desafio de Faraj. “Queremos que o nosso cliente leia, entenda e depois disso decida-se pela compra. Nossa meta é aumentar as vendas e reduzir em 12% todas as ações judiciais que envolvem produtos para pessoas físicas e 8% nos produtos para pessoas jurídicas”, diz.

A ambição do executivo é que esse projeto mude a forma pela qual o cliente enxerga os produtos securitários. Atualmente, o que se vê no setor são várias páginas com regras tão entediantes, tanto pelo formato como pelo conteúdo repleto de jargões técnicos, que ninguém lê. “Nos debruçamos neste tema e o engajamento de toda a companhia tem sido decisivo para o sucesso desta importante virada na experiência do cliente, que passa a ter um clausulado simples e transparente, que realmente contribui para o melhor entendimento sobre o que ele está comprando “, diz Faraj.

Faraj afirma que o legal design tem como pano de fundo a empatia com o consumidor. O trabalho é árduo na AXA, pois a seguradora atua em diversos segmentos — de grandes riscos, como grandes obras, até seguros massificados, como a proteção financeira de um celular. “Estamos construindo um clausulado inclusivo, que considere diversos aspectos, como faixa etária, gênero, nível cultural e graus de escolaridade dos consumidores”, diz.

Todos os contratos da AXA passarão por essa mudança. O primeiro passo foi mapear os clientes e deixar o contrato maleável para cada tipo de produto. Definição do problema, criação do conteúdo e design já são etapas prontas para alguns produtos, que passam a ser testados para realmente ter a certificação de que o consumidor entendeu a regra do jogo.

Segundo Faraj, os resultados ajudam a redefinir problemas e necessidades. Ele cita como exemplo uma apólice de seguro para celular, vendida aos clientes de varejistas. “Ela tem um conteúdo sem qualquer jargão e imagens para ilustrar a situação em que o seguro deve ser acionado. Nesse caso, o principal embate estava na definição de roubo, furto qualificado ou simples, que ficam explícitas com a descrição da situação, que, inclusive, pode contar com ilustrações”, diz.

Apesar de a Susep (Superintendência de Seguro Privados) já ter flexibilizado a regulação, privilegiando um processo de simplificação no clausulado, ainda é preciso usar alguns jargões nos contratos. “Mas eles são explicados e estão disponíveis para leitura por meio de um QR Code com mais detalhes”, diz o executivo.

Faraj cita uma pesquisa sobre legal design com diversos segmentos. Segundo ele, nos contratos tradicionais, os pontos de interação dos consumidores se concentram no cabeçalho e na assinatura. Ou seja, sem leitura do clausulado. Já nos contratos que já estão no novo formato, os pontos de atenção se espalham por todo o documento. “O resultado é que a receptividade dos tribunais tem sido positiva, o que estimula as empresas a investirem tempo e recursos no legal design”, afirma.

Em setembro, o executivo participará de um congresso sobre o tema na Finlândia, para compartilhar experiências e entender as novas tendências para aprimorar o projeto local. Segue o link do evento para quem quiser acompanhar este tema.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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