Catástrofe total. Assim os executivos de seguros definem a situação do seguro de crédito, o primeiro que será mais afetado no caso Americanas, liderada pelo trio de acionistas Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira. Afinal, são R$ 43 bilhões em dívidas com mais de 16,3 mil credores citados no pedido de recuperação judicial (RJ) aprovado pela Justiça do Rio de Janeiro no dia 19 de janeiro. O pedido de recuperação judicial inclui além da Americanas as empresas B2W, JSM Global e ST Importações, deixando de fora a fintech Ame, que vinha recebendo forte impulso do ecossistema de lojas físicas e online do grupo.
Este caso é muito interessante pela abrangência das consequências. O mercado de seguros está envolvido em diversos produtos. Desde contratos para seguradoras explorarem o balção de vendas da varejistas — que antigamente contava com luvas bilionárias pagas como adiantamento e agora tem como praxe a negociação com base no desempenho das vendas– até contratos de seguro de crédito para os lojistas. E é aqui que o prejuízo começa.
O seguro de crédito dá garantia para a indústria fornecedora da rede varejista. “O pedido de RJ já é gatilho para execução das apólices. A exposição estimada está em R$ 3 bilhões, com pagamento de indenizações certos, o que equivalente a quatro anos do volume de vendas deste nicho do setor de seguros”, afirmou um executivo sob a condição de anonimato. “Problema é que sem seguro de crédito a indústria não vende à prazo. E sem prazo a Americanas não tem competitividade. Então a chance de sair da RJ e sobreviver é pequena”, acrescenta. Desde ontem, os lojistas passaram a aumentar consideravelmente os seus preços nos sites da empresa para tentar impedir uma venda maior e ficar com recebíveis de cartões presos na companhia.
O segundo mais afetado é o seguro garantia judicial, muito concentrado em uma grande corretora de seguros multinacional. Segundo fontes do setor, a Americanas, assim como Ambev, são péssimas pagadoras de impostos. Questionam tudo e judicializam tudo, o que fez deles grandes usuários do seguro garantia judicial fiscal. A exposição é altíssima. Estimada entre R$ 4 bilhões a R$ 6 bilhões. “Se a empresa falir, será também uma ‘hecatombe’ (massacre, matança, carnificina) no seguro garantia.
A Americanas é a quarta maior RJ do Brasil, superada por Odebrecht, com R$ 98,5 bilhões em dívidas em 2019; Oi, com R$ 65,4 bilhões em 2016; e Samarco com R$ 50 bilhões em 2021. Destas, a que mais assuntou o mercado de seguros garantia judicial, que vivia seu momento de maior crescimento no Brasil, foi a OI, diante da exposição deste seguro estimada na época em R$ 4 bilhões. O impacto foi amenizado quando o STJ vetou o pagamento de dívidas trabalhistas da OI por meio de seguro-garantia judicial. Os valores do caso julgado foram incluídos no processo de recuperação judicial da empresa.
O garantia passou por um período muito ameaçador quando a OI pediu recuperação judicial. Mas os executivos garantem que desta vez a situação é bem pior. Nas análises feitas ao Sonho Seguro, a OI acabou comportando-se bem perante as seguradoras de garantia. Pagou as apólices de seguros em dia, aceitou taxas mais altas e reduziu as exposições sempre que possível. Americanas é diferente: perante os resseguradores, seguro de crédito e garantia estão na mesma caixinha. “Se doer em crédito, rapidamente há restrição no garantia. Ainda mais que Americanas já não pagava nenhum prêmio em dia, o que desencadeia ainda mais a má vontade das seguradoras em ajudar”, contou um segurador.
No caso OI, algumas vitórias na Justiça também trouxeram alívio. Na época, em janeiro de 2019, Cassio Gama Amaral e Maricí Giannico, do escritório Mattos Filho, afirmaram em uma reportagem publicada pelo Valor Economico, “que se as seguradoras e os bancos arcarem com as garantias, eles vão se voltar contra a empresa e não no âmbito da recuperação judicial. Será uma ação individual, porque esse crédito não se sujeita ao processo de recuperação, e eles vão exigir 100% do valor. Já se a apólice não for acionada e a dívida for incluída no plano de recuperação, a empresa geralmente terá desconto e conseguirá pagar o ex-funcionário de forma parcelada”.
Em responsabilidade civil dos executivos, seguro conhecido como Directors & Officers e também Erros e Omissões, a situação é tranquila, com a apólice de R$ 50 milhões liderada pela seguradora Zurich, segundo informações arquivadas na CVM. Como a fraude é um fato citado com veemência em todo o processo, a empresa perde a cobertura. Até que seja julgado, no entanto, as despesas e serviços prestados aos executivos eventualmente acionados por acionistas, devem ser pagos.
O mercado de resseguros que já estava “hard” para recuperar as perdas com a pandemia, consequências da guerra da Ucrânia e Rússia e catástrofes naturais, já mostra sinais de piora para o Brasil, que ainda conseguia boa negociação exceto em agronegócios e riscos cibernéticos. Com a crise de credibilidade desencadeada pela Americanas, agora o Brasil enfrenta condições ainda mais duras de negociação de seguros financeiros, principalmente de crédito, e de responsabilidade civil de executivos. “Mas não paramos de vender. Neste Day After de Americanas estamos atendendo dezenas de pedidos de seguro de crédito, tanto de novos clientes como dos atuais que querem maior cobertura para o programa”, disse um dos principais corretores do país.
A crise de credibilidade tem fundamento para os resseguradores e seguradores estrangeiros, que são chamados pela matriz que precisa responder questionamentos dos principais acionistas. Não é para menos. O lendário grupo de investidores brasileiros que além de serem acionistas de referência da Americanas, controlam Ambev; Kraft Heinz; e Zamp, nome oficial da operadora do Burger King no Brasil. A CVM constituiu uma força-tarefa de áreas técnicas para analisar o caso Americanas e tem sete procedimentos abertos para analisar o assunto, incluindo a conduta do trio de acionistas: Lemann, Sicupira e Telles. Segundo o Valor, o Instituto Ibero-americano Empresa, associação que reúne investidores do mercado de capitais, entrou nesta quinta-feira (19) com requerimento para o início de uma arbitragem coletiva contra a Americanas na Câmara da B3. O pedido de indenização é de R$ 500 milhões.
Assim como a OI sobreviveu, alguns executivos apostam na volta da Americanas. “O grupo de acionistas tem caixa. Certamente vão reformular o negócio”, afirmou uma especialista em seguros financeiros com mais de 15 anos de atuação neste segmento, a única mulher e a mais otimista. Ninguém espera que o plano de recuperação judicial da Americanas seja aprovado antes de dois anos. “Vamos ver o que sobra no final” foi a principal frase no final de cada uma das entrevistas sobre Seguros da Americanas.