ESG, ou ASG, começa a ganhar musculatura em seguros

Há tempos se fala de ESG, ou seja, questões ambientais, sociais e de governança. Ou ASG, na tradução do termo inglês. A educação financeira, incluída neste rol de prioridade, sempre me encantou. Afinal, educar começa com dar bons exemplos. E isso pode mudar o mundo. De verdade. Uma das coisas que sempre me incomodou no discurso do mundo financeiro é dar crédito em excesso às pessoas e depois reclamar e culpar a inadimplência por maus feitos como alta dos juros no crédito e cheque especial.

A notícia desta semana, que despertou na minha mente tagarela toda essa reflexão exposta neste texto, é que grandes bancos deram sinal de consciência social. Itaú, Santander e Bradesco afirmaram que não vão operar a modalidade de crédito consignado no Auxílio Brasil por se tratar de um público vulnerável. Sendo assim, as seguradoras ligadas a esses conglomerados também não. Isso vale para o projeto tal como está. Obviamente, outro deve surgir, visando um equilíbrio no qual não se mate o cliente, pois só vivo e saudável ele vai comprar produtos bancários e securitários. Depois de ter moradia, comida e trabalho ele vai usar produtos para alçar voos, como o crédito. E se algo acontecer, como morte, doença ou desemprego, terá um seguro para ajudar seu beneficiário a seguir em frente.

Quem estimula o superendividamento, concedendo mais do que o cliente pode pagar? Saber tudo sobre o cliente com o open Finance, certamente ajuda a mudar tal cenário e facilitar a prática desta premissa da sustentabilidade. Mesmo que a operação financeira tenha seguro prestamista, que na verdade quita a dívida protegendo a instituição que concedeu o crédito e também liberando o bem aos beneficiários, o superendividamento é nocivo para uma sociedade crescer, ainda mais num país listado entre os que tem os juros mais elevados do planeta.

Aos poucos, tudo tem mudado. Realmente acredito. A pandemia ajudou muitos a refletirem sobre a finitude da vida. Vejo alguns empresários aplicarem na prática a responsabilidade corporativa, com muito empenho em traçar estratégias para sobreviverem a um mundo em intensa transformação. Alguns poucos, ainda, vão além de vislumbrarem novos consumidores, que estão de olho nas empresas realmente sustentáveis. Olham para si mesmos e cada dia mais se convencem que querem deixar um legado valioso antes de partirem desta vida. Bom ver com mais frequência que o que eram apenas “gatos pingados numa multidão” se organizam em grandes grupos para mudar o Brasil.

“Essa competição selvagem, com busca de lucro a qualquer preço, está com seus dias contados. Assim como nós. Temos pouco tempo. A pandemia forçou as pessoas a perceberem que precisam encarar os problemas sistêmicos. E não podemos mais contribuir para tamanha desigualdade social”, me disse um ex-banqueiro e atualmente segurador, em um quase desabafo. “Na minha vida corporativa, vi tantos produtos feitos para gerar riqueza somente para a empresa, que sinto que mesmo que tenha 40 anos pela frente fazendo o bem, vamos parar no purgatório”.

Assim como os bancos, as seguradoras também buscam corrigir desvios de rota. O posicionamento dos bancos me fez lembrar vários produtos do mercado segurador que não atingiram o crescimento esperado. Uns com índice de sinistralidade abaixo de 20%. Outros com comissões entre 60 e 80%. Não só para corretores, mas pagas para bancos, redes de varejo e concessionárias de serviços. Se esses indicadores fossem mais calibrados, o preço do seguro seria menor, as coberturas maiores e, isso sim, faz com que os brasileiros valorizem o seguro. Um custo benefício bom para todos.

Segundo o discurso sobre o potencial do seguro, os principais seguradores afirmam que menos de 15% da população têm seguros de vida, residência, celular. Menos de 30% da frota de automóvel está segurada. A penetração de seguros entre as PMEs é abaixo de 10%. Ou seja, tem um enorme espaço para crescer, beneficiado por economia e emprego em patamares elevados, bem como com produtos acessíveis que caibam no orçamento das pessoas e das empresas. E claro, coberturas razoavéis, para estimular a retomada da vida no pós sinistro.

Diante desses números e da consciência social, acredito que o setor deixa para trás projetos focados em produtos e mira na “centralidade do cliente”, termo que tem sido cada dia mais dito em entrevistas, o que me anima saber que algumas situações não se repetiram mais. Lembro em uma coletiva realizada há cerca de 15 anos, quando o microsseguro era uma febre no Brasil. O executivo detalhava um projeto “de sucesso” em parceria com um banco do Nordeste, que completava dois anos. Basicamente, consistia na venda de produtos para pessoas da classe D, que sobrevivem com muito pouco.

O discurso ressaltava que a apólice protegia os clientes de imprevistos como perda de renda. Se o provedor morresse, teria um funeral, um dívida quitada ou uma cesta básica por algo em torno de seis meses. Ideia boa. Mas se perdeu por estar focada no ganho financeiro de quem a operava. Um morador local arrecadava o pagamento do seguro. Ganhava bem para isso. Segundo ele, “o “sucesso” do negócio estava operar com receita de prêmio alta e cobertura pequena para a seguradora não quebrar. Imagina se dá uma catástrofe”, me disse. Naquele momento não adiantava argumentar que tinha o resseguro (o seguro da seguradora) e que o ganho maior seria a escala. O foco estava no produto e na rentabilidade a qualquer preço.

O executivo foi promovido pela rentabilidade do projeto. A equipe ganhou bônus. Os que compraram o microsseguro agradeceram que nada de ruim aconteceu para que eles acionassem a apólice, frase que sempre fez parte da disseminação da cultura de seguros daquela época. A seguradora e o banco ficaram, por anos, com uma parceira de “sucesso”. E eu com a frustração de o microsseguro não deslanchar. Além desta, outras poucas iniciativas acabaram descontinuadas. Uns justificavam que era o custo de cobrança via boletos. Outros, que o mundo caminhava para a sustentabilidade, com a consciência dos empresários mais lapidada.

O que se provou ao longo dos anos. Há operações de microsseguros, equilibradas, que são um sucesso. Ainda pequenas, mas rentáveis e avançam. Agora, com o PIX facilitando a cobrança do seguro sem custo, devem decolar. Tanto que o tema microsseguros está novamente na pauta prioritária do setor. Consta até na carta entregue pela CNseg aos presidenciáveis, com outras 30 propostas para que o seguro ajude o país a crescer de forma sustentável, apoiando governos, empresas e famílias.

Assim como o microsseguro, há outros projetos interessantes que caíram por terra por falta de sustentabilidade. Não vou me ater no DPVAT. Apenas mencioná-lo. Um projeto que começou com um apelo louvável, mas se perdeu pelo caminho. O tema é polêmico, como mostra uma simples pesquisa no Google, e envolve de políticos a quadrilhas organizadas para lesar o consumidor. Quase foi extinto com mais de 100 CPIs criadas no Congresso no passado, o que fez várias seguradoras a desembarcarem deste seguro.

Hoje ele está na pauta de discussão dentro do governo para ser reformulado. Por ora, é administrado pela Caixa. Mas tem grande potencial de ser um dos maiores benefícios sociais do mundo, alegam os defensores desta causa. Para isso, precisa realmente ser bem administrado, uma vez que indeniza qualquer vítima de acidente de trânsito. Pagante ou não deste seguro obrigatório para proprietários de veículos.

Prioridade em ESG está o seguro de vida, um dos mais rentáveis durante décadas. Sinistralidade abaixo dos 25%. Até chegar a pandemia, que fez jus aos anos de lucro. Devolveu à sociedade uma boa parte dos recursos arrecadados em forma de indenizações para vítimas do Covid-19. De março de 2020 a junho de 2022, foram pagos cerca de R$ 7 bilhões para mais de 180 mil famílias. Em 2021 as seguradora amargaram prejuízo por isso, mas a maioria se recuperou já no primeiro semestre deste ano.

Em automóvel também. A inflação desequilibrou contratos. Antes, se o carro valesse 50 mil reais na época da compra do seguro e meses depois estivesse valendo 80 mil reais, o segurado receberia os 50 que estavam determinados na apólice. A partir de agosto de 2021, uma circular da Susep determinou que em caso de utilização de tabela de referência para determinação do valor de indenização na data da ocorrência do sinistro, esta deve ser estabelecida entre as tabelas divulgadas em revistas especializadas, jornais de grande circulação ou por meio eletrônico, elaboradas por instituição independente de notória competência, por meio das quais são apresentados os preços médios de venda de veículos do mercado nacional, por modelo e ano.

Com a alta da inflação em 2021, as seguradoras amargaram prejuízo por arcarem com a alta dos preços dos veículos. Mesmo que no contrato ela estivesse avaliado em 50 mil, a indenização foi paga pelo custo de reposição do bem, expresso na tabela Fipe, 80 mil reais, por exemplo. O que mostrou aos consumidores a importância do seguro. Tanto que eles arcaram com aumentos significativos no preço do seguro e renovaram suas apólices. O crescimento de 31% no primeiro semestre deste ano, para R$ 22,9 bilhões, foi a maior taxa para os seis primeiros meses do ano desde 2014. Segundo executivos, a alta se deu por aumento de preço do seguro e não pela conquista de novos clientes. Os lucros das que atuam com auto também cresceram em dois dígitos.

Os seguros dedicados às empresas também passaram por mudanças. O seguro garantia foi um deles. Com o boom de indenizações em consequência da Lava Jato, vários contratos não foram cumpridos e os segurados se frustraram pelas seguradoras negarem a cobertura. Diversas cláusulas e exclusões protegem as seguradoras, principalmente quando o causador da inadimplência do contrato for o próprio segurado, como os agentes públicos, na época os principais investigados sobre corrupção na Lava Jato, assim como os tomadores do seguro, as construtoras, que ofereciam o seguro para garantir ao governo a conclusão das obras licitadas. Há uma nova frente agora, que parte de apólices melhor redigidas e mais transparentes sobre o funcionamento deste produto.

A boa notícia é que a maioria das empresas já tem políticas ESG avançadas, que vão além do papel, pois sentem o aperto na concorrência com novas entrantes e sabem que os consumidores estão de olho nas práticas sustentáveis. Algumas já proíbem comissões acima de 40% e índice de sinistralidade abaixo de 20%. Quando isso acontece, é preciso prestar contas ao acionista e explicar porque a carteira de negócios saiu do nível de governança exigido e corrigir tal desvio.

Para ajudar ainda mais no tema ESG, a Susep (Superintendência de Seguros Privados) divulgou em junho deste ano a circular 666, que traz um marco regulatório das questões Ambiental, Social e Governança para o setor, estimulando a evolução de forma padronizada dessa pauta. Segundo artigo da diretora da CNseg, Solange Beatriz, o nível de maturidade com o qual as empresas tratam e desenvolvem ações sobre o tema ainda é diferente.

“Segundo a última edição do Relatório de Sustentabilidade da CNseg, publicado com dados de 2020, cerca de 90% das empresas participantes afirmaram que já integram questões ASG em seus planejamentos estratégicos e 47,4% incluem critérios de sustentabilidade na gestão de investimentos e nos processos de subscrição de riscos. Apesar de muitas empresas possuírem políticas socioambientais consolidadas, ao criar regras gerais e definir elementos mínimos para todas supervisionadas, a Susep estabelece condições para que o setor como um todo evolua e desenvolva ações de sustentabilidade mais concretas”, escreveu em artigo publicado em julho deste ano.

Vai ser interessante acompanhar o que as seguradoras vão fazer para se manter relevantes. É certo que nem todas as companhias vão mudar rapidamente sua cultura. Mas no longo prazo, ou mudam ou estarão fora do mercado, apostam os especialistas no tema. “O Brasil tem um grande potencial, mas para chegar lá a política precisa mudar. Isso significa não ter só companhias e executivos que se importam com o que é necessário, mas que os brasileiros em geral aprendam a se importar também com a natureza e os recursos naturais e a sociedade. E isso exige líderes políticos que comuniquem esperança e potencial para o progresso”, sentenciou o britânico John Elkington, o Pai da Sustentabilidade, em entrevista recente ao Valor.

Exige também líderes empresariais que deem o exemplo para toda a base de suas companhias e para seus concorrentes. Tenho certeza que os consumidores vão agradecer e o resultado será o crescimento do mercado de seguros além do que temos visto nesses últimos anos. Em termos reais, a arrecadação dos seguros deflacionada pelo IPCA cresceu 3,7 vezes em 25 anos, de R$ 83,3 bilhões para R$ 306,4 bilhões, uma média de 5,3% ao ano, no período de 1996 a 2021. Em termos nominais cresceu 16,2 vezes, com média de 11,8% ao ano, ressalta o economista Marcio Coriolano, ex-presidente da CNseg, em levantamento. Esse valor não considera saúde suplementar e DPVAT.

Quem sabe agora, com tantos dados captados pela tecnologia, auxiliados pelo 5G que entra em ação e permite uma boa análise de dados para entregar valor ao cliente, que agora pode compartilhar seus dados no mundo Open Finance, o seguro atinja seu potencial, de saltar dos 4% do PIB brasileiro para os 8%, média mundial. Tudo isso tendo como suporte esta diminuta, porém grandiosa, sigla ESG/ASG, com conceitos incríveis sobre como é possível melhorar o mundo a partir da ação individual e coletiva.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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