Transformar o seguro garantia num documento mais claro e combater a assimetria de informações entre seguradora e segurado é a chave para abrir oportunidades neste segmento cada dia mais relevante para o setor de seguros. As oportunidades para a venda de garantias que mitiguem riscos de contratos não serem concluídos são inúmeras. Massificar a venda para pequenas e médias empresas é um dos alvos do setor. O outro é conquistar quem acha o seguro complexo, apesar de ter um preço muito mais acessível do que a fiança bancária. Esta é a diretriz que move especialistas em seguros garantia reunidos no webinar “A nova circular Susep 662”, realizado pela Fator Seguradora, no dia 7 de junho, com a participação da AON e do Mattos Filho.
O seguro garantia teve um boom de crescimento no início do ano 2000, interrompido com a operação Lava Jato, que paralisou as maiores construtoras do Brasil a partir de 2014. Diante de um quadro nunca previsto pelas seguradoras, as discussões sobre o que estava coberto ou não no contrato de seguros foram intensas e o número de obras paradas explodiu no Brasil. Quase sete mil obras estão paradas no País, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Os dados consideram obras financiadas com recursos públicos com base em quatro plataformas de dados oficiais do governo federal.
“O seguro garantia não consegue atacar os problemas criados pelo próprio Estado. O que percebemos ao longo dos anos é que muitas obras públicas não são concluídas por diversos tipos de dificuldades”, cita Pedro Mattosinho. Entre os problemas estão projetos executivos mal feitos, incompletos ou com erros graves de engenharia; falta de dotação orçamentária adequada; perda de interesse político para seguir com a obra, levando ao represamento dos recursos e consequente interrupção dos trabalhos; contratação de construtoras e empreiteiras despreparadas, sem experiência naquele tipo de serviço ou por preços equivocados; fiscalização de obras ineficiente, dentre outras.
Desde então, muitos especialistas debatem como tornar o seguro garantia um instrumento de proteção viável para todos os interessados. As discussões vão desde a Nova Lei de Licitações até debates como este promovido pela Fator Seguradora sobre a circular 662, que altera dispositivos relacionados ao seguro garantia e acaba com os contratos padronizados, dando liberdade para as seguradoras criarem clausulados mais aderentes para cada cliente e para cada tipo de obra.
Apesar das dúvidas sobre deveres e direitos, é consenso entre os especialistas que o normativo 662 refina as regras e diretrizes do segmento, aumenta a precisão técnica, reforça os mecanismos de transparência, adota redações mais adaptadas à realidade do mercado e reduz significativamente a assimetria de informações entre as partes interessadas no seguro. “O fim do clausulado padrão é positivo. Temos a experiência do passado. Temos de aproveitar os aprendizados para redigir de forma mais simples para ajudar na contratação e ajudar da capilarizarão deste produto”, afirmou Ana Beatriz França Blumer, gerente de seguro garantia na AON Holdings.
Um dos temas mais presentes nas discussões judiciais do seguro garantia contratual é sobre a falta de comunicação, como não avisar mudanças no escopo do contrato ou comunicar o aviso de sinistro por parte do segurado. Isso pode ocorrer quando o segurado modifica o projeto executivo da obra, sem a prévia anuência da seguradora, ou ao incluir novo escopo contratual a cargo do empreiteiro sem o devido ajuste na relação prêmio-risco do seguro ou, sob o pretexto de adiantar recursos sem previsão no cronograma financeiro da empreitada, acaba por aumentar o seu prejuízo e, por conseguinte, a extensão do sinistro. “A seguradora tem de ser informada para decidir se vai continuar no risco. Um contrato que cobre o risco da construção de uma rodovia e depois se transforma na construção de um túnel tem de ser reavaliado”, concordam os participantes.
Cássio do Amaral, do Mattos Filho, alertou que a Susep agora diz que se o segurado deixar de avisar a probabilidade de um sinistro, o fato não significa perda de direito do seguro. “A perda de direito vem da omissão e agravamento de risco e a norma traz a necessidade de materialidade que impacte no risco. Fica difícil para a seguradora alegar perda de direito pois ela passa a ser parte do processo ao acompanhar a obra. Isso fecha a porta para uma das grandes recusas”, informa. Ele explica que a seguradora também é interessada na conclusão da obra, razão pela qual deve ser comunicada para que possa participar da decisão acerca do meio economicamente mais viável para contornar eventuais dificuldades financeiras do tomador ou inadimplementos contratuais no curso das obras.
Outra mudança importante segundo o advogado é como pagar a indenização. Cabe ao segurado dizer como quer ser indenizado: com a conclusão da obra ou com o pagamento da garantia. “E se a seguradora for finalizar a obra, terá de haver um consenso entre tomador e seguradora. Assim como ocorre no seguro de automóvel. O mais barato determina que o cliente use uma oficina da rede indicada pela seguradora e o mais caro dá livre escolha para consertar o veículo em uma concessionária”, alerta.
A especialista da AON afirma que o corretor de seguros terá um papel fundamental no seguro garantia para construir uma matriz de risco do contrato e ofertar o negócio no mercado de re/seguros. “Temos de amadurecer muito a subscrição com a nova circular, que vai requerer muita cautela. Ainda não sabemos como as seguradoras vão apresentar seus produtos a partir de 2023. O corretor pode fazer deste processo um momento positivo ao facilitar a leitura das apólices”, disse.
Mattosinho acrescentou que o corretor e as seguradoras têm um papel fundamental em educar o segurado sobre o que ele pode esperar do seguro. “A seguradora não pode assumir mais riscos que o tomador da obra. Outra iniciativa importante é deixar de lado o jeito brasileiro de deixar tudo para a última hora. É preciso ter o risco mapeado para que possamos amadurecer na subscrição com um clausulado claro e taxas ajustadas para cada situação”.
Todos concordam que reconquistar o mercado perdido com um produto melhor por si só é uma imensa oportunidade de negócios. Além das obras públicas, que com a Lei de Licitações são obrigadas a contratarem o seguro, o setor tem atualmente um ambiente onde os investimentos privados em infraestrutura são mais volumosos do que os públicos. “É um momento importante para este nicho do setor. Temos muitas dúvidas ainda a serem esclarecidas no tocante a regulamentação e como as seguradoras vão atuar neste segmento. Mas temos muita vontade de desenvolver o seguro garantia como um instrumento importante para os contratados de infraestrutura. No fim do dia, a liberdade econômica de contratação traz essas oportunidades”, avalia o especialista da Fator Seguradora.
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