Por Felipe Pereira
Em 2020, a humanidade conheceu um daqueles eventos que o mercado financeiro convencionou chamar de “black swan”, algo que é imprevisto, altamente improvável e que, se acontecer, terá capacidade de abalar estruturas – sejam econômicas, sociais ou humanas.
A pandemia do COVID-19 chegou e colocou a todos nós a prova. Nosso estilo de vida, como trabalhamos, como convivemos, nossos hábitos de higiene. Colocou a prova as políticas sociais e de saúde pública. Colocou a prova o conhecimento tecnológico e científico. Tivemos todos que nos reinventar de alguma forma e lidar com a dor da perda, da distância, do medo, da doença e da morte.
O enfrentamento ao Coronavírus também trouxe outro fenômeno: colocou um grande e potente foco de luz sobre pesquisa clínica. Eu me pergunto: por que mesmo nunca discutimos tanto sobre isso antes? A resposta é óbvia: pois nunca tivemos tanta necessidade como temos agora. O noticiário – agora tomado pela Guerra na Ucrânia – nos bombardeou durante meses a fio sobre os avanços da doença e sobre as soluções apresentadas pela ciência. De repente, todos estávamos discutindo sobre as fases de desenvolvimento das candidatas a vacinas. Se aquelas já aprovadas localmente pela ANVISA são ou não experimentais, se seriam confiáveis e se representariam uma porta de saída dessa crise que enfrentamos já há 2 anos.
De repente, a sociedade rogou por uma nova dinâmica no modo como vacinas são produzidas. Tratamentos profiláticos que são desenvolvidos em anos foram desenvolvidos em meses. Milhares de ensaios clínicos sendo conduzidos mundialmente. Centenas de potenciais candidatas a vacinas contra o Coronavírus e dezenas de milhares de pessoas voluntárias que, com muita compaixão – e uma grande dose de esperança – aceitaram participar dos ensaios clínicos para que todos hoje possamos afirmar que, uma vez vacinados, estamos mais seguros contra esta doença que abalou o mundo.
Eu sempre atuei no mercado segurador e desde muito jovem servi a diversas indústrias enquanto profissional de seguros, principalmente de transportes e logística, construção civil, mineração, mercado financeiro. Venho há 9 anos atuando com seguro para Pesquisas Clínicas – sendo os últimos 5 anos dedicados exclusivamente a esta atividade – e posso afirmar com todas as letras: nada fez tanto sentido para mim quanto servir às indústrias farmacêutica e de assistência médica. Esta pandemia reforçou isso.
É duplamente gratificante servir a estes profissionais que se dedicam a desenvolver novas e melhores formas de cuidar de pessoas e ajudá-las a zelar e a proteger os protagonistas deste grande ato altruísta: os participantes. E um grande desafio também.
Ao passo que a sociedade tomou mais conhecimento sobre pesquisa clínica pelo advento da pandemia e angustiava por formas de protegerem a si mesmos e a quem amam, os profissionais que as conduzem também foram submetidos a forte pressão: pelos veículos de comunicação, pelos governos, pela sociedade. E, observando de perto, o aumento da demanda pelo seguro de Responsabilidade Civil Testes Clínicos foi quase proporcional.
A procura por uma solução que redobrasse as garantias a assistência imediata e integral ao participante da pesquisa – como prevê a Resolução CNS nº 466/2012 – e a chance de conclusão do projeto de pesquisa, apesar dos riscos envolvidos e potenciais eventos adversos, fez e faz sentido. Pesquisas clínicas são conduzidas em ambientes controlados e, em sua maioria, robustamente alicerçadas no conhecimento científico já estabelecido e em sólidas referências bibliográficas.
Toda essa base se faz necessária para oferecer o mais elevado nível de segurança e bem-estar possível ao participante – e igualmente conferir sucesso ao projeto de pesquisa. No entanto, o ambiente do desenvolvimento é incerto. É um lugar onde não estivemos ainda e não há como antecipar 100% dos eventos futuros (afinal, se pudéssemos, pesquisas clínicas – e o próprio progresso científico – não fariam o menor sentido), por mais robustas, sólidas e seguras que sejam as bases nas quais a pesquisa esteja sendo edificada. Trata-se de algo inerente e indissociável do desenvolvimento.
Compreendo que a maioria absoluta dos profissionais que conduzem pesquisas clínicas reconhece isso. E então adentra-se numa outra esfera: a relevância do seguro nesse processo.
Algo que pode ser desconhecido é que o Seguro de Responsabilidade Civil de Testes Clínicos existe e é comercializado no Brasil. É ofertado por um pequeno número de seguradoras e corretores de seguros. O paradoxo do ovo e da galinha encaixa-se perfeitamente nesse cenário, pois ao passo que a demanda existe e poderia (deveria) ser maior, a oferta também existe e poderia (deveria) ser maior; no entanto, parece-me que um aguarda a sinalização do outro para se movimentar. Para muitos, a solução deste paradoxo está no reconhecimento entre eles como membros elementares de um sistema funcional, evolutivo, e que se retroalimentam igualmente. E este é o verdadeiro desafio: fazê-los se encontrarem e se reconhecerem.
Sob a perspectiva da minha experiência profissional, mais de 80% das pesquisas clínicas seguradas no Brasil são, na verdade, parte da compra de um “pacote” de seguros mundial desenvolvido, negociado e fechado no exterior. Os players internacionais do mercado de pesquisa clínica – e neste exemplo, sobretudo, os patrocinadores – parecem reconhecer bem o vínculo entre desenvolvimento e seguro. Para mim, uma combinação importante e necessária.
Não se deve, no entanto, desprezar que a legislação local onde se situam estes players internacionais provavelmente os pressiona para que o seguro componha item elementar para a execução de ensaios clínicos em seus cidadãos – seja por força de lei, por lógica de mercado ou pelo próprio acesso facilitado à justiça. Torna-se, portanto, algo basal, elementar, cultural e natural: desenvolvimento, seguro. Seguro e desenvolvimento. E isso naturalmente faz com que a oferta seja também abundante.
Não que inexista a possibilidade de responsabilização das entidades e indivíduos que conduzem pesquisas clínicos no Brasil. Os casos de imputação de responsabilidade existem e estão disponíveis publicamente na internet. Aliás, para além das responsabilidades previstas na Resolução CNS nº 466/2012, há correntes no direto pátrio que sustentam a responsabilização do pesquisador principal como objetiva e integral; isto é, independe de culpa (independe também da assinatura do TCLE).
O fato é que, sendo a aquisição do seguro um processo natural ou não, sua essência persiste: prover recursos para assistência integral e imediata ao participante, maior garantia da conclusão do projeto apesar dos riscos e proteção patrimonial para aqueles que se lançam e se arriscam no processo de desenvolvimento científico.
O correto equilíbrio entre benefícios e riscos – bem representados por alguns dos princípios bioéticos que pautam a prática da pesquisa clínica, beneficência e não-maleficência – está na base de um projeto de pesquisa que envolverá seres humanos. Afinal de contas, não é ético, não faz sentido, é reprovável, condenável e inaceitável qualquer pesquisa clínica que parta de uma relação negativa entre benefícios (seja aos participantes diretamente ou à sociedade) e riscos.
A indústria farmacêutica, que está na vanguarda dos projetos de pesquisa clínica ao redor do globo, os pesquisadores responsáveis, respectivas instituições de pesquisa e CEPs, sobretudo, tutelam esses princípios e os reafirmam a cada projeto de pesquisa clínica. Sob todos os aspectos técnicos e científicos em que são desenvolvidas, as pesquisas clínicas priorizam esses princípios, pois representam a segurança e bem-estar do participante. Sob o ponto de vista da pesquisa clínica enquanto negócio, esta lógica continua eficaz: não faz sentido empreender num projeto cuja relação de riscos e benefícios é desequilibrada. Ou, no caso do seguro, ignorar algo que potencializará as chances de êxito.
O seguro certamente não poderá tratar as causas da concretização de um risco (potencial SAE, por exemplo) – isso o próprio projeto que o precede e as bases nas quais o ensaio clínico é desenvolvido e executado deverão dar cabo de fazê-lo – mas tratará as consequências e se fará um fiel aliado e uma peça-chave na condução de eventos que colocam em risco o participante e o próprio desenvolvimento científico, do bem-estar e da saúde das pessoas. Daí a importância e a necessidade desta combinação.
O mercado segurador nacional tem perfeitas condições de entregar uma solução que faça sentido para todo e qualquer tipo de projeto de pesquisa clínica. Aliás, com condições contratuais muito mais vantajosas do que aquelas amplamente oferecidas pelas seguradoras estrangeiras e adquiridas pelos players internacionais de pesquisa.
Apesar desta grande vantagem competitiva nacional, o número tímido de players atuantes neste ramo de seguro impõe limitações: encontrar um profissional que se dedique à área é uma delas. Mas eles existem, são especializados e capacitados para conduzir a aquisição de um contrato de seguro que faça sentido dentro da lógica da relação de benefícios e riscos, atenda às especificidades de cada projeto e forneça a proteção que o participante tem direito e ao sucesso do projeto que seus ofertantes merecem.
Para o corretor de seguro, este ramo representa muito mais que a remuneração advinda da concretização de um negócio imediato. Pesquisa clínica é um ramo em ascensão no Brasil. A pandemia certamente o tracionou de uma maneira incrível e, particularmente, espero alguma desaceleração no ritmo de crescimento no momento “pós-pandemia”, e igualmente acredito que este mercado nunca mais será o mesmo, pois os avanços tecnológicos e parcerias internacionais estabelecidas durante a pandemia persistirão.
Além disso, uma vez feitos tangíveis os riscos aos agentes de pesquisa clínica para além do campo técnico e estabelecida a necessária relação de confiança com seus consultores de riscos e seguros, este ramo representará um importante incremento nos resultados na corretora e da seguradora que se dedicar a conhecê-lo com profundidade.