Relatório do IPCC sinaliza a gravidade das mudanças climáticas

Os cientistas do IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU) quantificaram em um relatório o aumento da frequência e da intensidade dos eventos extremos ligados às mudanças climáticas. “Este relatório reflete esforços extraordinários em circunstâncias excepcionais”, disse Hoesung Lee, presidente do IPCC. “As inovações neste relatório e os avanços na ciência do clima que ele reflete fornecem uma contribuição inestimável para as negociações e tomadas de decisão sobre o clima.”

O documento, que apresenta as bases da ciência física do clima, foi divulgado nesta segunda-feira (9), assinado por 234 autores de 65 países. O relatório do Grupo de Trabalho I é a primeira parte do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (AR6), que será concluído em 2022.

Aquecimento mais rápido

A ciência climática já previa nas últimas décadas o aumento de eventos extremos, como tempestades, enchentes, furacões, ciclones, secas prolongadas e ondas de calor. Agora, com modelos computacionais mais modernos, passou a ser possível atribuir o grau de influência das mudanças climáticas nesses eventos, calculando-se quantas vezes mais frequentes e mais intensos eles se tornam em função do aquecimento global.

No horizonte, a projeção é de que o aquecimento do planeta provoque em diferentes partes uma “ruptura social”. Mas em todos os cenários para o século 21, as conclusões apontam para a mesma direção: serão os mais pobres e vulneráveis quem pagarão um preço mais elevado pela transformação climática.

O relatório mostra que as emissões de gases de efeito estufa das atividades humanas são responsáveis ​​por aproximadamente 1,1 ° C de aquecimento desde 1850-1900, e conclui que, em média, nos próximos 20 anos, a temperatura global deverá atingir ou ultrapassar 1,5 ° C de aquecimento. Esta avaliação é baseada em conjuntos de dados observacionais aprimorados para avaliar o aquecimento histórico, bem como o progresso na compreensão científica da resposta do sistema climático às emissões de gases de efeito estufa causadas pelo homem.

“É praticamente certo que o nível médio global do mar continuará a subir ao longo do século 21, com uma provável elevação de 0,28-0,55 m (no cenário menos pessimista) e 0,63-1,02 m (no cenário mais pessimista) em relação à média de 1995-2014”, diz. No caso da Amazônia, o rascunho do informe inclui a floresta entre os pontos do planeta que poderão caminhar para um “ponto de ruptura”.

O levantamento constata ainda que as concentrações atmosféricas de CO2, metano e N2O são mais altas do que em qualquer momento em pelo menos 800 mil anos, e as atuais concentrações de CO2 não foram experimentadas por pelo menos 2 milhões de anos. A certeza dos cientistas é que o aquecimento é uma realidade e os eventos climáticos extremos vão se multiplicar pelo século 21, mesmo que a comunidade internacional consiga neutralizar as emissões de CO2.

O estudo fala do impacto na segurança alimentar, com risco de fome em 2050 para até 80 milhoes de pessoas. Prevê a expansão de terras secas até 2100” e aumento da concorrência por terra, energia e água através da intensificação da produção de alimentos.

O IPCC ainda alerta que, sem adaptação, as mortes causadas pelas inundações aumentarão globalmente em cerca de 130% em comparação ao período entre 1976-2005, num cenário de aquecimento de 2°C. Mas, ao mesmo tempo, a insegurança hídrica causada pela escassez de água aumentará, afetando potencialmente 170 milhões de pessoas. “Em cenários de maior risco, projeta-se que as cidades sejam negativamente afetadas por secas de até 20 vezes mais até 2100”, alerta.

Outro resultado previsto é o aumento de doenças não transmissíveis e infecciosas, incluindo doenças transmitidas por vetores, doenças transmitidas pela água e por alimentos. “As doenças transmitidas por mosquitos e carrapatos são projetadas para se expandir para latitudes e altitudes mais elevadas”, apontaram os cientistas, indicando uma migração de doenças até agora restritas aos trópicos. “O risco de dengue crescerá e seu alcance será espalhados na América do Norte, Ásia, Europa e África subsaariana, colocando potencialmente outras 2,25 bilhões de pessoas em risco”, destacam.

“As mudanças climáticas provavelmente aumentarão a capacidade vetorial da malária e a infecção em partes da África Sub-Sahariana, África Oriental e Austral, Ásia e América do Sul. Doenças infecciosas ligadas à pobreza se tornarão mais severas, assim como a intensidade de febres hemorrágicas como ébola”, aponta.

Para milhões de pessoas pelo planeta, a transformação do clima será traduzido em miséria e fuga de suas próprias terras. Desde 2008, uma média de 12,8 milhões de pessoas são desalojadas anualmente por desastres naturais, sendo as tempestades e enchentes os dois maiores motores.

Num dos cenários trabalhados pelo IPCC, o número de pessoas vivendo em extrema pobreza poderá ser incrementada em 132 milhões em relação aos atuais 700 milhões que já se encontram nessas condições. Como resultado, as “futuras mudanças climáticas podem aumentam o deslocamento forçado”. “Mesmo com as mudanças climáticas atuais e moderadas, as pessoas vulneráveis experimentarão uma maior erosão de sua segurança de subsistência que pode interagir com crises humanitárias, como o deslocamento e a migração forçada e conflito violento, e levam a pontos de ruptura social”, alertam.

Mas não se trata apenas de temperatura. A mudança climática está trazendo várias mudanças diferentes em diferentes regiões – que irão aumentar com o aquecimento adicional. Isso inclui mudanças na umidade e seca, nos ventos, neve e gelo, áreas costeiras e oceanos. Por exemplo:

– As mudanças climáticas estão intensificando o ciclo da água. Isso traz chuvas mais intensas e inundações associadas, bem como secas mais intensas em muitas regiões.

– A mudança climática está afetando os padrões de precipitação. Em altas latitudes, é provável que a precipitação aumente, enquanto se prevê que diminua em grandes partes das regiões subtropicais. Esperam-se mudanças na precipitação das monções, que variam de acordo com a região.

– As áreas costeiras verão o aumento contínuo do nível do mar ao longo do século 21, contribuindo para inundações costeiras mais frequentes e severas em áreas baixas e erosão costeira. Eventos extremos ao nível do mar, que anteriormente ocorriam uma vez a cada 100 anos, poderiam acontecer todos os anos até o final deste século.

– O aquecimento adicional ampliará o degelo do permafrost e a perda da cobertura de neve sazonal, o derretimento das geleiras e mantos de gelo e a perda do gelo do mar Ártico no verão.

– Mudanças no oceano, incluindo aquecimento, ondas de calor marinhas mais frequentes, acidificação dos oceanos e níveis reduzidos de oxigênio, foram claramente associadas à influência humana.

  • Essas mudanças afetam os ecossistemas oceânicos e as pessoas que dependem deles e continuarão pelo menos até o final deste século. Para as cidades, alguns aspectos da mudança climática podem ser amplificados, incluindo o calor (já que as áreas urbanas são geralmente mais quentes do que seus arredores), enchentes devido a eventos de forte precipitação e aumento do nível do mar nas cidades costeiras

“Este relatório é uma verificação da realidade”, disse Valérie Masson-Delmotte do Grupo de Trabalho I do IPCC. “Agora temos uma imagem muito mais clara do clima do passado, presente e futuro, o que é essencial para entender para onde estamos indo, o que pode ser feito e como podemos nos preparar.”

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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