IRB é pouco afetado pela pandemia, mas monitora riscos, diz Isabel Solano

A pandemia é um desafio sem precedentes. Um novo cenário que ainda está sendo compreendido e merece atenção especial não só dos governos, mas também das empresas, afirma a vice-presidente executiva de resseguros do IRB Brasil RE, Isabel Solano. “São muitas mudanças, desde os novos riscos até a forma como regulamos sinistros”, conta. Leia abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao blog Sonho Seguro:

Como a pandemia mudou os negócios? Como está o mercado de resseguros no Brasil? Impactados pelos resultados no exterior?

No IRB Brasil RE, criamos em abril de 2020 o Gabinete de Crise de Impactos da covid-19 para monitorar o mercado e estruturar ações em resposta à pandemia. No exercício de 2020, não foi observado impacto expressivo, relacionado ao coronavírus, nas operações do IRB. No segmento rural, o maior impacto percebido no início da pandemia foi a dificuldade de circulação dos peritos para a regulação de sinistros, o que foi contornado com o uso das ferramentas de tecnologia, como sensoriamento remoto. Não houve aumento do volume de indenização além do esperado. Na linha de negócios patrimonial, a receita de resseguro varia em função dos valores ressegurados com base no preço dos ativos das empresas. Caso ocorra queda no preço destes bens, o valor ressegurado será menor, podendo impactar no prêmio emitido dessa linha de negócio. Com a redução da produção e faturamento das empresas, os valores ressegurados com base nos lucros das empresas sofrerão impacto e o prêmio emitido dessa linha de negócio também poderá ser impactado.

E a sinistralidade?

Com relação à sinistralidade é imprescindível que ocorra um dano material previsto no contrato para gerar alguma indenização decorrente da paralisação dos negócios. Como regra internacional, danos decorrentes de doenças e pandemia estão explicitamente excluídos das apólices, entendemos que os prejuízos serão bastante limitados a algumas poucas exceções que garantem este tipo de cobertura. Entretanto, existem movimentos, especialmente no âmbito internacional, que buscam viabilizar o enquadramento de algum tipo de sinistro de lucros cessantes decorrente da pandemia via tribunais.

Quais produtos mais sofreram?

Um produto que sofreu fortemente com o isolamento social imposto pela pandemia foi o de Cancelamento de Eventos, porém a exposição da companhia a este produto é bastante limitada. Foi identificado que os grandes projetos de engenharia tiveram adiamentos importantes, impactando as receitas de resseguro das linhas de negócio que dependem desses projetos. Em relação ao mercado, a análise dos números disponibilizados pela Susep mostra que, na comparação entre 2019 e 2020, os prêmios cedidos em resseguro cresceram 29,2%, como mostra o nosso Boletim IRB+Mercado.

Vários grupos mundiais registraram perdas relevantes com a pandemia. Como foi o ano para a sua companhia e quais as perspectivas para 2021?

Vários são os motivos que fizeram de 2020 um período completamente atípico nos 81 anos de história do IRB Brasil RE. Em meio a um cenário de pandemia, a companhia mudou sua gestão e promoveu uma série de medidas para recuperar a credibilidade e recolocar o IRB Brasil RE no caminho do crescimento sustentável, com a geração de valor de longo prazo. Encerrado o exercício, o IRB se confirma como o maior ressegurador do Brasil e, indiscutivelmente, uma companhia robusta, com ativos da ordem de R$ 22,7 bilhões; sólida, com Patrimônio Líquido Total de R$ 4,3 bilhões; e líquida, com Ativos Financeiros da ordem de R$ 8,3 bilhões. O desempenho de 2020 foi marcado pela evolução prêmios emitidos em 12,7%, totalizando R$ 9.596 milhões, ante R$ 8.515 milhões no ano anterior. O resultado após impostos foi negativo de R$ 1.521 milhões em 2020, todavia com claras tendências de melhorias já verificadas no segundo semestre de 2020. Vale ressaltar que, em 2020, conservadoramente, a companhia se preparou para os possíveis impactos diretos e indiretos da covid-19 e apresentou aumento considerável em suas Provisões Técnicas. Essa questão é monitorada e vamos aumentar esses valores no caso de algum desses sinistros se materializar. Nossa gestão é pautada por visão de longo prazo, calcada na transparência e qualidade da informação. Confiamos no desempenho positivo do IRB para os próximos anos já a partir de 2021, colhendo os frutos da nossa estratégia de re-underwriting, com a descontinuidade de contratos que asseguraram baixa margem e afetaram nossos resultados.

E as renovações em 2021, o que mudou? Além do preço, franquias, clausulas de exclusões e outras restrições são observadas?

Em 2021, nossa primeira data importante para renovações foi em janeiro. Dentro da estratégia de re-underwriting, o IRB requalificou seu portfólio, com a saída de vários contratos não lucrativos e o ajuste de termos e condições nas renovações. Com isso, houve cancelamento de 11% do portfólio (principais segmentos: patrimonial, rural e aviação) e renovação de 87% dos contratos-alvo. Além disso, novos contratos representaram 13% do novo portfólio.

                                                                          
Há estudos sobre tendência de alta de preços? Quais segmentos da economia estão “mais caros” e quais ainda é possível encontrar a mesma taxa ou redução?

Há estudos importantes de brokers e de resseguradores globais mostrando a tendência de agravo nos preços, em geral, nos mercados de seguro e de resseguro. Há, também, por exemplo, relatórios da Reinsurance News/Artemis, que analisam títulos de catástrofes, capital de seguros, de resseguros e outras informações do setor direcionada para investidores, que demonstram essa evolução nos preços. A Artemis é um site especializado que publica periodicamente pesquisa com diversos players mundiais de resseguro, seguradoras, corretores de seguros e de resseguros, risk managers e investidores ILS, entre outros. Essa pesquisa com os profissionais de mercado mostrou uma expectativa de aumento de preços relevante para 2020, como realmente aconteceu. Para 2021, outros formadores de opinião relatam a continuidade desse cenário.

De uma maneira geral, esse aumento de preços impactou mais fortemente os setores da economia que apresentam algumas características mais agravadas em suas atividades, como por exemplo: mineração, siderurgia, petróleo, geração de energia, logístico, frigoríficos, etc. Isso não significa dizer que atividades menos sujeitas a grandes perdas não sofreram ajustes e agravações em suas condições de seguro, pois principalmente estas atividades colheram uma significativa redução de preços em suas apólices nos últimos 15 anos, em função do excesso de capacidade disponível no mercado desde o fim do monopólio de resseguros. Em resumo, o cenário atual é de aumento de preços e endurecimento nas condições de seguro e resseguro.

O mercado internacional está passando por um momento de “hard market”, com a subida das taxas em praticamente todos os segmentos devido ao aumento da sinistralidade e consequente diminuição das margens. Desde o ano de 2017, quando houve grandes sinistros de catástrofe naturais como os furacões HIM (Harvey, Irma e Maria), nos EUA e Caribe, e Wildfires, assim como outros eventos de 2018 na Ásia, o mercado reagiu rapidamente aumentando as taxas nas renovações em todo o mundo, por tratar-se de uma capacidade global. O mercado de retrocessão foi ainda mais afetado pela subida nos preços devido à escassez de capacidade global e os resultados históricos recentes. 

Em paralelo às catástrofes naturais, também houve frequência de sinistros severos no segmento de Dowstream Energy a partir de 2017 e uma consequente redução da oferta de cobertura de seguro e resseguro para este ramo. Como os preços já estavam bastante descontados à época, o aumento nas taxas tem sido forte, chegando a mais de 40% em algumas renovações.

No mercado doméstico de seguro agrícola, perdas importantes foram contabilizadas no período anterior à caracterização da pandemia em função da combinação de excesso de capacidade de resseguro, competição de taxas e condições entre seguradoras e a ocorrência de eventos mais severos. Essas perdas agregadas impactaram as condições de resseguro nas renovações que começaram a ocorrer desde o fim do ano de 2020 que também se somam ao momento de “hard market”, observado em outros segmentos. A covid-19 em si praticamente não impactou o segmento, que seguiu (e segue) aquecido com bastante oferta de crédito para investimentos e implantação de lavoura o que naturalmente impulsiona a demanda por apólices de seguro.

Um dos segmentos com subida de preço mais significativa é o mercado de Property, qual o IRB observou uma subida considerável nas renovações de 01/01/2021, devido aos eventos mencionados acima, assim como o ramo de Aviação, nas renovações de 01/01/2021, que por conta do sinistro dos Boeing 737 MAX, que causaram dois acidentes aéreos fatais, acionando a cobertura de grounding liability, na qual as aeronaves deste modelo ficaram sem permissão de voo até que as correções no sistema fossem concluídas; somado a alta sinistralidade do mercado na linha desde 2014.

Portanto, entendemos que no mercado Internacional não seja possível encontrar manutenção de taxas ou reduções no geral, exceto para algum nicho em particular.

Algum segmento, como cyber, D&O, energia, por exemplo, tem tido mais aumento de demanda?

O segmento de Financial Lines (que incluí D&O e cyber) como um todo têm tido uma procura muito forte. Isso ocorre pelas seguintes razões. Primeiro, uma aceleração do “hard market” (termos mais restritivos e condições mais agravadas), que já estava em processo de consolidação antes da pandemia. Depois, o modelo de home office, que foi adotada na grande maioria da economia, criou mais desafios para áreas de TIs das empresas, gerando demanda ainda maior no segmento de cyber.

Com relação ao segmento de Energia, especificamente ao ramo de petróleo, há uma tendência de aumento dos negócios, principalmente, para atender as operações dos novos campos arrematados pelos operadores nos últimos leilões. Serão perfurados novos poços e construídos novos ativos para exploração e tudo isso precisa de seguro e resseguro.


E para riscos de danos, como grandes riscos ou Property & Casualty (P&C), a demanda segue aquecida? E lucros cessantes?

A demanda segue aquecida para riscos de Property, especialmente em algumas atividades que vinham tendo um fluxo de investimento acelerado antes da pandemia e que continuaram em franca expansão, mesmo após a chegada da covid-19, como por exemplo o setor de elétrico, que seguiu com as inaugurações de novos parques eólicos, fotovoltaicos e algumas termelétricas entre 2020/2021.

Em alguns segmentos, dentre outros, como o químico e o petroquímico, nos quais não foram observados aumento relevante de demanda, mas uma redução na oferta de proteção. Com a ocorrência de sinistros severos nos últimos anos, muitos players do mercado fizeram uma revisão no seu portfólio, reduzindo a capacidade disponibilizada. Com esse desequilíbrio, foi dado início a uma escalada dos preços praticados, colaborando fortemente para o panorama atual de hard market.

Especificamente sobre a cobertura de Lucros Cessantes, a mesma continua sendo amplamente contratada pelas empresas, com os ajustes necessários em virtude das mudanças causadas no faturamento delas pela pandemia. Contudo, em geral, até o momento, as perdas globais foram muito menores do que se esperava no início de 2020. Portanto, os mercados de seguros e resseguros não sofreram perdas em suas receitas, como se imaginava, especialmente em virtude do aumento dos preços na compra dessas coberturas.

Há demanda para transferência de risco via mercado de capitais?

Foi publicada no Diário Oficial da União, em 16/12/2020, a Resolução CNSP nº 396, que dispõe sobre operações de resseguro ou retrocessão e o seu financiamento por meio de dívida vinculada a riscos de resseguro, também conhecido como Insurance Linked Securities (ILS), que é a cessão do resseguro via mercados de capitais. A norma entrou em vigor em 04/02/2021. O IRB acredita que existe a demanda. Estamos monitorando o interesse dos principais players em atuar no mercado local para o início deste tipo de operação pioneira em nosso mercado.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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