Artigo: Novo marco regulatório vai alavancar o microsseguro no Brasil

Pedro Pinheiro*

A regulação dos seguros, como qualquer fenômeno jurídico, é um produto do seu tempo. No Brasil, as discussões em torno do desenho de um arcabouço regulatório do microsseguro que começaram a ser realizadas em 2003 foram um reflexo da ênfase do então recém-eleito governo em fomentar políticas públicas para a população de baixa renda, bem como para as micro e pequenas empresas no setores formal e informal. Desde a primeira regulamentação sobre o tema, em 2004, até a conclusão de todo o marco regulatório com a Resolução CNSP nº 244 e o conjunto de seis Circulares Susep em 2012, o país efetivamente observou mais de 3 milhões de pessoas saindo das estatísticas de pobreza para serem recebidas no mercado de consumo como a “Nova Classe Média”. A demanda para o microsseguro foi projetada em 40 milhões de segurados em um mercado potencial de cem milhões de pessoas, com projeções de receita de prêmios de até 6 bilhões de reais por ano. Aqueles eram tempos de esperança.

Em linha com as grandes expectativas a respeito do mercado potencial de microsseguros, o regulador tinha uma preocupação premente a respeito do tratamento que seria conferido a esses consumidores, novos no mercado de seguros. A estrutura do microsseguro previa um extenso conjunto de regras relativas à conduta de mercado das seguradoras, incluindo, por exemplo, a obrigação de enviar mensagens de educação financeira para os segurados quando o seguro era adquirido por meios remotos. A abordagem regulatória quanto ao design de produtos restringia os ramos de seguro que poderiam ser comercializados sob a estrutura do microsseguro, com limites máximos de capital segurado para cada linha, prazo reduzido para regulação de sinistros e pagamento de indenizações, prazos de vigência contratuais limitados e outras imposições. No afã de proteger os consumidores, o regulador criou um conjunto de “caixas” nas quais os produtos deveriam caber para serem considerados microsseguros.

Embora alguns aspectos dessa estrutura regulatória devam ser reconhecidos como os primeiros avanços em ideias muito inovadoras que foram lançadas e aplicadas a operações de seguro tradicionais posteriormente, como as vendas de seguros por meios remotos ou por meio de correspondentes/representantes de seguros, as empresas sentiram que não só faltava espaço para inovar, mas também não havia incentivo para adaptarem seus produtos já existentes às novas regras, mesmo que esses produtos visassem atender consumidores de baixa renda e PMEs. Como resultado, os números oficiais da Susep apontam para um mercado de apenas 355 milhões de reais em arrecadação de prêmios em 2020, muito distante das grandes expectativas originais.

Uma nova consulta pública da Susep visa reduzir os aspectos burocráticos e eliminar as caixas do microsseguro. A consulta pública propõe a revisão da Resolução CNSP nº 244/11, que estabelece o regime geral para as Circulares que detalham as regras de criação de uma empresa microsseguradora dedicada ou a licença para que uma seguradora tradicional passe a operar no ramo de microsseguro, as regras estritas para o design de produtos e para a distribuição por meio de corretores e correspondentes especializados em microsseguros. Atraindo a aplicação de aspectos inovadores da regulação dos ramos tradicionais, ainda mais fortalecidos recentemente pela atual gestão da Susep, a nova Resolução transforma os fundamentos da estrutura regulatória do microsseguro de um diploma prescritivo para um baseado em “princípios e valores básicos”.

Ao reduzir as imposições da regra anterior, suprimindo, por exemplo, os limites máximos de garantia e capital segurado que agora devem ser determinados pela seguradora com base na natureza, objetivo e características da cobertura, a nova Resolução incentivará as empresas a inovar para atender às demandas de seus consumidores-alvo. Em vez de oferecer caixas pré-definidas às quais os produtos devem se conformar, o regulador agora pede às empresas que levantem “bandeiras” que sinalizem quais de seus produtos são projetados para atender às necessidades específicas dos consumidores de baixa renda e PMEs. Ao fazê-lo, não só expande o campo de atuação das seguradoras especializadas em microsseguros, como permite que produtos das seguradoras tradicionais alinhados às diretrizes do microsseguro possam ser migrados para esse formato, fortalecendo seu posicionamento no mercado inclusivo. Com base nos princípios e valores básicos mencionados expressamente na nova Resolução, estes devem ser tempos de inclusão, simplicidade, foco no cliente, acessibilidade, transparência, proporcionalidade, sustentabilidade, educação financeira e inovação.

* Líder Regulatório na StoneCo. As opiniões expressas neste artigo são do autor e não representam necessariamente a visão da empresa.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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