Artigo: O futuro começa agora

por Marcio Serôa de Araujo Coriolano*

Em 1987, foi lançado um dos mais importantes documentos sobre a relação do homem com o meio ambiente. Elaborado sob a coordenação de Gro Brundtland, primeira-ministra da Noruega e presidente da Comissão Mundial das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, “Nosso Futuro Comum” usou, pela primeira vez, a expressão “desenvolvimento sustentável”. Trata-se de conceito cristalino: é o desenvolvimento que “satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”. Hoje, parece incrível que essa definição tenha soado para muitos, há menos de três décadas, como ameaça à prosperidade das nações. A sustentabilidade é um conceito que se firmou como único caminho para fazer frente não apenas às mudanças climáticas, mas também aos desafios econômicos e sociais que se multiplicam pelo mundo. Para o setor segurador, no entanto, a sustentabilidade sempre foi um pilar insubstituível. Por sua própria natureza, o seguro deve, obrigatoriamente, atender ao presente sem comprometer o futuro. Por esse motivo, a Confederação Nacional das Seguradoras (CNseg) vem reafirmar que as empresas do setor estão credenciadas a dar sua colaboração para que o Brasil faça com sucesso a transição para uma sociedade sustentável.

De início, vale lembrar que desde 2012, quando a Organização das Nações Unidas (ONU) lançou os Princípios para Sustentabilidade em Seguros, a CNseg incluiu em sua agenda a integração de critérios ambientais, sociais e de governança (ASG). O caminho provou-se de acerto inequívoco. Hoje está amplamente demonstrado que empresas com boas métricas de ASG são mais resilientes e geram mais valor a longo prazo. Isso acontece porque elas gerenciam melhor os riscos e oportunidades socioambientais e possuem governança robusta, o que lhes permite atravessar com mais tranquilidade períodos turbulentos como os atuais. Em 2020, a pandemia da Covid-19 poderia ter deixado em segundo plano essa questão. No entanto, ocorreu o contrário. A crise sanitária global tornou ainda mais evidente a necessidade de valorizar a sustentabilidade ambiental e a social de médio e longo prazos. Não apenas porque evidenciou a enorme desigualdade no acesso à prevenção e ao tratamento da saúde, mas também porque mostrou como a desaceleração de alguns setores de atividade poluente foi benéfica para o meio ambiente. A crescente consciência da sociedade global sobre os riscos associados às mudanças climáticas fortaleceu-se ainda mais. Nas empresas, essa é uma preocupação que vem à frente dos demais desafios desta segunda década do século XXI. A maior gestora de ativos do mundo atesta que nenhuma questão supera o risco climático na lista de prioridades de seus clientes.  

Por trás dessa tomada de consciência estão dados alarmantes. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), o número de catástrofes naturais – inundações, incêndios e furacões, entre outras – decorrentes do aquecimento global dobrou em quatro décadas. Entre 1980 e 1999, ocorreram 3.656 catástrofes, número que passou a 6.681 entre 2000 e 2019. Os prejuízos chegam a US$ 3 trilhões desde 2000, mas o número real é maior, uma vez que muitos países não calculam o impacto dessas tragédias sobre a economia. Para se ter uma ideia, a quantia equivale à do pacote americano de estímulo à economia no âmbito da pandemia de Covid-19. As seguradoras têm também nesse aspecto uma importante contribuição a oferecer: sua experiência em assumir e gerenciar, de forma eficaz, riscos que lhe são transferidos, identificando oportunidades e direcionando investimentos apropriados à dimensão de cada risco. O “seguro-catástrofe”, largamente utilizado em países como o México, que garante a cobertura dos prejuízos provocados por terremotos de intensidade acima da média histórica, é exemplo da importância dessa expertise.

Muitos avanços foram feitos desde o relatório “Nosso Futuro Comum”. Governos e empresas passaram a levar em conta o impacto ambiental e social de suas ações e a exigir o mesmo cuidado de seus fornecedores e clientes. Bancos têm levado em conta esses mesmos critérios nos financiamentos que concedem. E há um esforço digno de nota em aumentar a transparência no relacionamento com a sociedade. A CNseg participou da atualização das normas que tornou mais rigorosos os critérios de governança para as empresas investidas e a consideração dos critérios ASG nos investimentos das seguradoras. Atualmente, acompanha a bem-vinda decisão da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de realizar audiências públicas para estabelecer regras de ASG. Como um dos maiores investidores institucionais do País, com ativos equivalentes a 27% da dívida pública brasileira, o setor tem recursos e interesse em investir não só em ativos reconhecidamente “verdes”, como a produção de energias renováveis, mas também naqueles que incentivam transição para um mundo sustentável, como o saneamento básico. A CNseg defendeu a aprovação do marco legal do saneamento porque entende que melhores indicadores de cobertura de água tratada e esgoto sanitário são benéficos para toda a sociedade e podem acarretar a redução dos custos dos seguros de saúde e da pressão sobre o atendimento em decorrência da diminuição das doenças, além da redução das taxas de mortalidade e diminuição da frequência e do impacto de inundações que oneram o custo dos seguros patrimoniais. Com a atualização do decreto de infraestrutura, o marco legal do saneamento também amplia o papel do investimento privado que poderá ser alocado, inclusive pelas seguradoras.

A CNseg comemora os avanços e orgulha-se de ter contribuído para sua implementação e consolidação. Lembramos, no entanto, que para que continuemos a avançar na direção de um futuro sustentável, é preciso que, no presente, a sustentabilidade esteja no centro de todas as decisões. Os Princípios das Nações Unidas para o Seguro Sustentável servem como uma estrutura global para a indústria de seguros abordar riscos e oportunidades ASG. É indispensável a obtenção de um acordo internacional que resulte em critérios adaptados a cada região, que possibilitem comparar e verificar os indicadores e resultados de cada empresa, assim como estabelecer parâmetros transparentes para que um investimento seja considerado sustentável. A padronização das especificações e termos que classificam atividades “verdes” pode ser de grande valia para isso.

No que se refere à regulação, é essencial que os órgãos responsáveis reconheçam que estamos vivendo um período de transição, que exige diálogo e flexibilidade, para que o indispensável arcabouço legal não se torne entrave ao desenvolvimento de novos produtos. Por último, mas não menos importante, a solidez financeira do sistema precisa ser preservada, para que o setor possa continuar a colaborar com o futuro do País. 

*Marcio Serôa de Araujo Coriolano é economista e presidente da CNseg, a Confederação Nacional das Seguradoras

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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