Saúde suplementar busca modelo mais racional para baixar custos

Em meio a restrições orçamentárias cada vez mais severas, pandemia reforça consenso sobre necessidade de mudanças no sistema assistencial que permitam ampliar acesso

Fonte: FenaSaúde

A pandemia está abrindo a possibilidade de uma transição importante nos modelos de assistência à saúde, tanto no Brasil como em todo o mundo. Ainda que não seja possível prever com exatidão como será o pós-pandemia, entre os legados já perceptíveis está a necessidade de que todos os agentes da cadeia de prestação de serviços em saúde atuem juntos para conter custos crescentes e lidar com restrições orçamentárias cada vez mais severas.

Outras lições da pandemia também indicam a possibilidade e a necessidade de se caminhar para sistemas mais racionais, que funcionem de maneira mais eficaz para todos: usuários, contratantes, prestadores e operadoras. O desenho inclui mais ênfase em prevenção e atenção primária, menos hospitalização, novos modelos de remuneração dos prestadores e uso mais disseminado da telemedicina.

Estas foram algumas das considerações feitas pela diretora executiva da FenaSaúde (Federação Nacional de Saúde Suplementar), Vera Valente, durante o Estadão Summit Saúde Brasil 2020, promovido pelo jornal ‘O Estado de S.Paulo’ na manhã desta terça-feira (27).

A crise econômica e as consequentes mudanças no mercado de trabalho – como o desemprego em alta e o aumento da informalidade – também irão afetar a forma como planos e seguros de saúde são oferecidos. A situação cobra opções mais flexíveis que sejam mais aderentes às condições de contratação de empresas e famílias – a pandemia comprovou, mais uma vez, que manter as coberturas é um dos desejos dos brasileiros.

“É nítido o anseio da população por ter acesso à saúde privada. Com o cenário atual, torna-se ainda mais necessário termos outras formas de entrada no sistema suplementar, que deem às pessoas mais possibilidades de escolha. Ninguém está falando em tirar opções, mas sim em ampliá-las. E em qualquer setor econômico mais competição sempre beneficia o consumidor final, com preços mais baixos”, disse Vera.

A ampliação das opções de cobertura à disposição dos usuários foi um dos aspectos aferidos pelo Datafolha em pesquisa sobre percepção dos brasileiros sobre a saúde suplementar feita em novembro de 2019. Para 81% dos entrevistados pelo instituto, o desejável num plano de saúde ideal é “ter um custo menor onde eu possa escolher as especialidades para ser atendido”. Abrir novas possibilidades de acesso ajuda a diminuir a demanda sobre o SUS, fortalecendo a necessária complementariedade entre os sistemas público e privado prevista na Constituição.

“A pessoa que é cuidada pela saúde suplementar desonera o SUS. No pós-pandemia, não temos nenhuma perspectiva de aumento do orçamento para a saúde pública, persistindo o subfinanciamento. Mas é certo que vamos ter aumento de demanda, tanto no público quanto no privado. Logo, criar mecanismos para trazer usuários para os planos é bom para todo mundo, porque libera o atendimento no SUS para quem não tem outra opção e depende só da rede pública. Essa conexão entre público e privado foi muito fortalecida na pandemia”.

Mudança de tendência

Neste momento, o mercado de saúde suplementar vive uma inflexão, depois da queda de procura por procedimentos médicos verificada nos meses iniciais da pandemia em função do isolamento social. A tendência que as operadoras já têm observado é de novas altas nos níveis de utilização, a chamada sinistralidade. O indicador baixou a 62% em junho, mas vem subindo desde então, para os 73% registrados em setembro, segundo relatório divulgado pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) na semana passada. 

“A partir de novembro, devemos chegar próximo aos níveis anteriores à pandemia, com a gradativa retomada de procedimentos que haviam sido adiados e que já estão ocorrendo, como todos temos percebido”. Só a partir de conhecido este contexto mais amplo, com o desempenho ao longo de toda a pandemia, é que será possível saber qual o resultado final da eclosão da covid para as operadoras de planos e seguros de saúde brasileiras.

O movimento de retomada tem servido para consolidar um dos grandes avanços da assistência à saúde alcançados durante a pandemia: a disseminação da telemedicina como instrumento de atendimento e de ampliação de acesso. Foram anos de evolução em pouco mais de sete meses. Resta agora uma regulamentação adequada para que a possibilidade torne-se permanentemente disponível para os brasileiros.

“Poucos têm se dado conta, mas a telemedicina ainda não é uma conquista assegurada definitivamente aos brasileiros. A modalidade está em vigor no país com base em regulamentação de caráter excepcional, de forma temporária e emergencial. Ou seja, a telemedicina só poderá ser oferecida à população enquanto perdurar a pandemia da covid-19”.

Vera defendeu uma regulamentação que seja mais abrangente, para que não haja riscos de engessar um mecanismo que depende diretamente da tecnologia – logo, sujeito a reviravoltas constantes. “Lei boa é lei que seja geral e genérica. Para ser viável num país continental como o nosso, é preciso ser realista, sob pena de ser restritiva, o que nos colocaria na contramão do mundo”, sugeriu a diretora executiva da FenaSaúde.

Recomposição de custos

Durante o painel “Lições da pandemia – Desafios da saúde suplementar”, Vera Valente também ressaltou a importância da recomposição dos custos para o setor, já que as operadoras apenas os apuram junto aos prestadores e repassam as despesas para os beneficiários, ou seja, não as geram. Neste ano, os planos de saúde suspenderam os reajustes das mensalidades de maneira voluntária entre maio e julho, medida ampliada pela ANS a partir de setembro.

“Plano de saúde não gera custos, ele repassa custos. Os reajustes na saúde suplementar nada mais são que a recomposição de despesas que os beneficiários já tiveram com procedimentos médicos que já aconteceram. Já são praticamente dois anos de aumentos nos custos não repassados para as mensalidades, o que pesa na sustentabilidade do setor”, comentou a diretora executiva da FenaSaúde.

Das 715 empresas de assistência médica em atuação no país, cerca de 95% são de pequeno porte, com atuação localizada, regionalizada, muitas vezes restrita ao interior do país. “Não podemos olhar apenas para a parcela das operadoras de maior porte e ignorar a imensa maioria. São empresas que não aguentam conviver com contas desequilibradas, com despesas em alta e receitas congeladas, e podem simplesmente fechar as portas, deixando aos seus usuários apenas a opção do SUS. É um risco que não vale a pena correr”, alertou Vera Valente.

Também participaram do debate promovido pelo Estadão José Cechin, superintendente executivo do IESS (Instituto de Estudos de Saúde Suplementar); Georgia Antony, especialista em Desenvolvimento Industrial do Sesi Nacional; Tatiana Aranovich, assessora da Diretoria de Normas e Habilitação das Operadoras da ANS; e Alessandro Acayaba, presidente da Anab (Associação Nacional das Administradoras de Benefícios).

Incorporação de tecnologias

Como parte da programação do Estadão Summit Saúde Brasil 2020, a FenaSaúde convidou dois especialistas em saúde para debater a incorporação de novas tecnologias nos tratamentos. Daniel Wang, professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas-SP, e Rafael Kaliks, oncologista clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e diretor do Instituto Oncoguia, participaram do painel “Incorporação de tecnologias a favor dos pacientes”, realizado também na manhã desta terça-feira (27).

Ambos ressaltaram que o processo de Avaliação de Tecnologias em Saúde (ATS) é fundamental para incorporação de novos medicamentos e procedimentos no sistema de saúde brasileiro e não pode ser abandonado. A discussão está ainda mais atual no país devido à discussão do projeto de lei n° 6.330/2019, em tramitação na Câmara dos Deputados, que prevê a incorporação dos medicamentos oncológicos orais no rol de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde apenas após o registro da Anvisa, sem passar pelo processo de ATS realizado pelas câmaras técnicas da ANS.

“Sistemas de saúde que não têm a preocupação de gastar de forma eficiente os recursos vão acabar gastando muito para beneficiar poucas pessoas e trazendo poucos benefícios. É preciso haver um equilíbrio entre custo e efetividade”, afirmou Wang. “Você tem de saber o quanto pode gastar. Não podemos ter tudo, porque isso não existe em nenhum lugar do mundo. Todos os países têm ATS. Esse processo é o que dá racionalidade para a incorporação de medicamentos”, disse Kaliks.

Outra questão debatida foi o excesso de ações judiciais que existe na saúde brasileira.  “A judicialização é a pior forma de gastar dinheiro porque não existe negociação de preços. Isso acaba destruindo qualquer planejamento financeiro, seja do governo seja da operadora”, destacou o diretor do Oncoguia.

Se você não pôde acompanhar o Estadão Summit Saúde Brasil 2020, assista a íntegra aqui: https://www.youtube.com/watch?v=l9Pd_QWMRm0

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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