Insurtech Pier recebe aporte de US$ 14,5 milhões e se prepara para atuar como operadora digital

Empresa foi aprovada recentemente no sandbox da Susep para ser seguradora digital e capital vai ajudar a empresa a consolidar produto Seguro Auto.

Se nem a perspectiva de queda de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para 2020 desanimou os fundadores da Pier, imagina agora que a insurtech foi uma das 11 aprovadas pela Superintendência de Seguros Privados (Susep) para fazer parte do projeto de Sandbox, programa criado para levar modernização, tecnologias disruptivas e inteligência de dados para o mercado brasileiro de seguros. 

“O mercado de seguros cresce mesmo sem a retomada da economia, pois há muito trabalho a ser feito para melhorar a oferta de produtos aderentes as necessidades do cliente e também para aprimorar a jornada do cliente. E no último dia 19, ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a projeção agora para o PIB é de queda de 4,5%, menos da metade da prevista seis meses antes.”, comemora Igor Mascarenhas, um dos fundadores e CEO da Pier. 

Certamente que com a economia forte, o cenário melhora muito para todos, inclusive para a insurtech que mira uma oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) nos próximos anos. “Claro que sonhamos com um IPO, como toda startup sonha. E temos a insurtech Lemonade, a primeira a fazer um. E nos anima olhar para os dados da mais famosa insurtech do mundo e constatarmos que temos um NPS melhor do que o dela”, comenta. 

Vamos por partes. Primeiro quem é a Lemonade e depois o que é NPS. A Lemonade, que conta com investidores como SoftBank, Allianz e Sequoia Capital, é um marco na história das insurtechs em todo o mundo. Após captar mais de US$ 300 milhões, a companhia viu suas ações mais do que dobrarem de valor desde na bolsa americana. Um animo e tanto para as mais de 2 mil insurtechs contabilizadas no mundo, número que não para de crescer com a pandemia. Dados da consultoria ResearchAndMarkets estima que as startups de seguros devem captar US$ 2,7 bilhões em investimentos até 2025. Um avanço e tanto considerando-se os US$ 300 milhões, quando a onda de invocação começou em 2013. 

A Pier acaba de levantar US$ 14,5 milhões em uma rodada de investimentos liderada pelo fundo de capital de risco monashees com participação nessa rodada outros investidores como Canary, Mercado Livre (por meio do MELI Fund) e BTG Pactual (por meio do boostLAB).  O aporte foi negociado durante pelo menos seis meses entre os investidores e a Pier, que já procurada por dezenas de outros investidores interessados no negócio. O dinheiro captado será usado para expandir a operação da empresa, que tem mais de 15 mil clientes em seu seguro para smartphone e conta uma lista de espera de 100 mil interessados na contratação dos serviços.  

“Os novos investimentos nos permitirão multiplicar consideravelmente as nossas vendas de seguro para celular e consolidar o produto do setor automotivo. A Pier possui uma tecnologia imbatível nessa área, oferecemos o melhor fluxo de contratação de seguro auto do mundo. Não existe ninguém, nem as empresas que são referência mundial, que consiga aprovar uma apólice de seguro auto tão rápido quanto nós e de forma tão simples. Isso porque temos uma tecnologia extremamente robusta, com uma capacidade preditiva antifraude muito refinada”, enfatiza Igor Mascarenhas.  O fato é que a tecnologia traz oportunidades que não eram possíveis anteriormente. Inclusive a forma como surgem as startups de sucesso tem mudado muito. 

“Agora, como seguradora digital, há autonomia e aumento do nosso potencial de crescimento, facilitando o desenvolvimento de novos produtos”, explica Colucci


Este é o novo jeito do mundo. Pensa que a Apple surgiu em uma garagem e o Facebook num dormitório de uma universidade. Agora as startups são criadas por pesos pesados que deixaram ou pretendem deixar as seguradoras tradicionais para agregar conhecimento aos jovens que já nasceram com o Ipad na mão. Na Pier, por exemplo, os fundadores estão na casa dos 30 anos. Fundaram a startup em 2018, numa parceria com a seguradora Too Seguros, na venda de celular. Para expandir e entrar no segmento de automóvel, contrataram em junho deste ano o experiente Carlos Colucci, com mais de 20 anos na HDI Seguros, que tem mais de 80% da produção no ramo auto, como diretor responsável para o Sandbox e Head de Seguros.

Aliás, o aporte recebido será usado para crescer  na área de Auto.“Com o novo aporte que recebemos agora vamos expandir o time. Estamos trazendo mais profissionais seniores para o board, com um nível altíssimo de conhecimento, e nossa meta é crescer em dois anos mais de 50 vezes nossa base de clientes”, declara o executivo. O seguro auto da Pier hoje é ofertado para os estados de São Paulo e Minas Gerais. “Até o primeiro semestre de 2021 estaremos operando em todas as praças do Brasil, com seguro por assinatura mensal para auto, atendendo com coberturas que a maioria das seguradoras não oferece, como o seguro de carros oriundos de leilão”, completa Colucci.

A estrutura de capital do grupo é complexa, pois a maior parte dos investimentos vem de fundos de investimentos. Se fosse acionista local, a Pier já seria uma seguradora digital, com exigência de R$ 15 milhões em capital para operar.  Sem o capital local, se juntou a Too Seguros para poder operar e testar seu modelo. Em dois anos de operação, conta com 16 mil clientes de seguro de celular e 500 veículos segurados, com cerca de R$ 5,6 milhões em indenizações pagas. Agora, no Sandbox, para o qual lutou com dados e experiência, a Pier passa a ser uma seguradora digital, com exigência de capital mínimo de R$ 1 milhão, e o IPO é o próximo sonho. 

Antes do sandbox, a Pier precisava de uma seguradora tradicional para subscrever seus riscos, ficando limitada pelas determinações de subscrição de risco da seguradora para ofertar seus seguros. “Agora, como seguradora digital, há autonomia e aumento do nosso potencial de crescimento, facilitando o desenvolvimento de novos produtos”, explica Colucci.

Um exemplo é poder aceitar riscos de carros acima de 15 anos, com base nos dados que já tem armazenados no cérebro da empresa. Segundo ele, o grupo utiliza mais de 6 mil variáveis para calcular o preço do seguro, o que determina controlar o nível de possíveis tentativas de fraudes. “A diferença para as seguradoras tradicionais, é que elas têm os dados, mas não os analisam. Nós somos uma empresa de tecnologia e analisamos todos os dados para ter a melhor precificação para nossos clientes”, afirma Mascarenhas.



“A abertura de inquéritos nos ajudou a inibir a fraude. Os fraudadores se conversam muito. Quando coibimos, as tentativas caem muito”, conta Bárbara Possignolo

A advogada Bárbara Possignolo, responsável pelo jurídico da Pier, conta que a análise de dados dos clientes já permitiu que a insuretech desmantelasse uma quadrilha de fraudadores no Rio de Janeiro. “Praticamente 80% dos pedidos de indenizações são analisados automaticamente pela inteligência de dados . Quando o processo vem para a análise de um especialista, olhamos com mais cuidado. A abertura de dois inquéritos nos ajudou a inibir a fraude. Os fraudadores se conversam muito. Quando coibimos, as tentativas caem muito”, conta.

Toda esta estrutura de dados se reflete em um indicador muito usado pelas startups quando querem mostrar que são eficientes. O Net Promoter Score (NPS) é uma medida universal da satisfação do cliente e varia de -100 a +100. Para efeito de comparação, as seguradoras tradicionais estão na faixa inferior dessa pontuação, enquanto a Apple, conhecida por suas incríveis pontuações de atendimento ao cliente, 72. “O NPS de nossa equipe é 87, o que mostra que estamos no caminho certo sobre entender a jornada do cliente”, afirma Mascarenhas. “

Colucci conta que “os meninos” conseguem um nível alto de retenção do cliente, “duas vezes acima da média de mercado”, por várias razoes. Entre elas, a insurtech pede apenas três dados para cotar um seguro de carro, ao contrário das tradicionais que chegavam a pedir 30 e agora, com a inovação, pedem pelo menos 15. Ciente conquistado, outra prova de fogo para mante-lo é na hora do “sinistro”, ou seja, que o acidente para o qual comprou cobertura se concretiza. “Pagamos indenizações para clientes com perda no celular em menos de um minuto. Em carro, nosso recorde está em dois dias”, orgulha-se a advogada.

Ao que parece, está tudo no caminho. As regras do sandbox preveem a permanência da insurtech dentro de um ambiente regulatório protegido por três anos. A expectativa da Pier é mudar conceitos operando como uma seguradora do Sandbox. Para isso, tem de conquistar o consumidor brasileiro, que pouco apreço ainda tem pelo seguro. Uma cliente postou nas nossas redes sociais da insurtech que havia adorado o atendimento, mas daria apenas 1 das 5 estrelas, pois parecia muito bom para ser verdade. 

A pandemia acelerou a inovação do mercado de seguros, que veio para ficar como vemos em outros segmentos como meios de pagamentos, bancos e empresas de saúde. A Pier entra em um mercado em que a concorrência está a todo vapor, com investidores de peso, como bigtechs, bancos digitais e varejistas, além de investidores do setor e fora dele. “E nós seremos a insurtech referência na América Latina, como a Lemonade é para o mundo”, afirmam os executivos entrevistados pelo blog Sonho Seguro. 

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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