por João Marcelo dos Santos*
“Síndrome de Estocolmo é um estado psicológico apresentado quando a pessoa se encontra em uma situação de tensão, como em sequestros ou prisão domiciliar. Para se sentir segura e tranquila, a pessoa estabelece vínculos mais pessoais com os agressores. Esse vínculo é uma resposta do inconsciente diante a uma situação de perigo. Uma característica muito presente em situações que desencadeiam a Síndrome de Estocolmo é a relação de poder e submissão.”
Essa é a clara definição, dada pelo Instituto de Psicologia Aplicada – INPA, da Síndrome de Estocolmo, descrita pela primeira vez em 1973 após um assalto a um banco em Estocolmo, associado ao sequestro dos clientes.
São características da Síndrome de Estocolmo a natureza pós-traumática e sintomas como o desamparo, a dependência do sequestrador, a dificuldade de aceitar os eventos ocorridos, flashbacks recorrentes, irritabilidade e estranhamento.
Obviamente, não é a Síndrome de Estocolmo o objeto principal destes comentários, mas a nossa relação com o Estado brasileiro e sua presença na nossa vida. E a antiintuitiva dinâmica da Síndrome de Estocolmo explica, de forma perturbadoramente exata, a relação entre a a sociedadebrasileira e o Estado.
A presença excessiva do Estado na nossa vida e na economia é deletéria. Sabemos dos desvios de todo o tipo que ela permite e incentiva, mas alguns insistem em recusar os fatos, seja como sequestrados, seja com sequestradores.
Ora, o debate quanto à redução do tamanho do Estado brasileiro não passa pela extinção dele. Ocorre que o Estado brasileiro, com seu tamanho e ineficiência, sequestrou a capacidade da sociedade de avançar e ter uma economia dinâmica e que beneficie a todos. Esse não devia mais ser um debate ideológico. Simplesmente acabou o dinheiro.
O Estado, que deveria incentivar a distribuição de renda, um dos nossos maiores problemas, tem servido como demeritório concentrador dela.
A “nova ideia” mais recente foi o resseguro estatal.
Justificariam a estatização do resseguro o risco de solvência dos resseguradores globais e a suposta dificuldade de seguradoras em contrar resseguro “satisfatório”, tudo catalizado e ampliado pela recessão global. Exemplo de possível solução seria a Agência Brasileira Gestora de Fundos e Garantias – ABGF.
Vale lembrar que o mercado de resseguro global passou por duas guerras mundiais e por outras crises e pandemias, tendo sobrevivido a tudo isso. E “carregar” esse eventual risco para o Estado brasileiro é gerar externalidades negativas (nas quais parte dos custos ou benefícios da transação, que beneficia diretamente poucos, será imposta à todos).
A suposta dificuldade de seguradoras brasileiras em acessar boas coberturas de resseguro, se existe, é consequência da necessidade de completarmos o processo de abertura e modernização dos seguros e resseguros iniciado em 2007.
Vale lembrar que a abertura do mercado brasileiro de seguros não foi imediatamente completa, ou seja não se deu com a privatização concomitante do então Instituto de Resseguros do Brasil, porque esse modelo de abertura total não era aceitável para o Governo de então. Do contrário, poderíamos hoje ter resseguros tão bons, modernos e disponíveis como telefones celulares.
E sabemos a quantos problemas isso nos levou: escândalos de corrupção (um dos primeiros naquele Governo), a necessidade de passos atrás no processo de abertura do mercadode resseguro, com a imposição da reserva associada à vedação de operações intragrupo (medidas que destruíram o processo de construção da nossa credibilidade no mercado internacional), a perda significativa (e invisível nas estatísticas) de investimentos, e outros.
O que se propõe, com a reestatização do resseguro, é dobrar a aposta que não deu certo, em homenagem a problemas atuais inevitáveis e negando os problemas do passado, muito maiores e evitáveis.
Quanto à recessão global, embora a crise atual seja de tamanho e características únicos, não é a primeira, e não parece, ao menos nesse aspecto, que devamos expandir a poética pretensão de Cazuza exposta na música “O Brasil vai ensinar o mundo”.
Por fim, quanto à ABGF, com tudo o que foi dito, escrever mais seria gastar vela boa, e caracteres, com santo ruim, quase (oxalá se torne) defunto.
Enfim, nosso processo de psicoterapia social não será fácil, mas o primeiro passo é reconhecer o sequestro e a Síndrome, e o segundo é aceitar o tratamento: reduzir ao Estado ao mínimo, para que nos traga resultados minimamente aceitáveis.
*João Marcelo dos Santos, Presidente da Academia Nacional de Seguros, ex-Diretor e Superintendente Substituto da SUSEP e sSócio Fundador do Santos Bevilaqua Advogados
Artigo extremamente lúcido.
Excelente artigo João Marcelo, parabéns.
Parabéns João Marcelo, reproduz minha opinião sobre o tema, concordo plenamente.