Artigo: Como ficam os contratos de seguros com exclusão de pandemias?

por Luciana Prado, sócia do Demarest Advogados

Em tempos excepcionais, como o que estamos hoje vivendo, regras e princípios contratuais ganham relevância como forma de endereçar os impactos decorrentes  do Covid-19  nas várias relações negociais.

Nesse cenário, ganham especial atenção as regras contidas nos artigos 421, parágrafo único, e 421-A, III do Código Civil, as quais preveem a excepcionalidade e a limitação da revisão contratual.

Fato é que efetivamente estamos vivendo uma situação excepcional, que permite invocarmos o afastamento desses princípios contratuais em prol da manutenção de um princípio maior trazido pelo nosso ordenamento cível: o princípio da boa-fé, que deve nortear tanto a conclusão quanto a execução de todo e qualquer contrato.

E essa realidade não é diferente quando falamos dos grandes contratos de distribuição de produtos de seguros, capitalização e previdência.

Obviamente tais contratos foram firmados com base em uma perspectiva muito diversa da realidade que estamos enfrentando. As premissas básicas que nortearam a conclusão destes contratos consideravam (quase em sua totalidade) a oferta presencial dos produtos securitários em grandes lojas de varejo e agências bancárias e o crescimento das vendas de tais produtos, aliado a um cenário de recuperação da economia.

Todas as cláusulas contratuais, desde o pagamento de adiantamento ou up fronts, metas e prazos, remuneração, concessão de garantias, investimentos, verbas de marketing, dentre outras, foram elaboradas com base em análises de mercado e premissas macro econômicas fundadas em uma realidade muito distinta da atual, sendo que muitas das disposições então acordadas podem, nesse momento (e durante um prazo que ainda não sabemos ao certo quanto durará), serem difíceis de executar, ou mesmo inexequíveis, e isso se aplica para ambas as partes. 

Imaginemos os valores previstos para investimentos em marketing, que eram pautados em projeções de vendas. A revisão desses montantes é quase certa, tendo em vista que as vendas e metas dificilmente serão alcançadas para se justificar investimentos mais arrojados em um futuro próximo.

O mesmo ocorre com as metas, que obviamente poderão ser revistas, tanto com relação ao racional financeiro quanto em relação à projeção do prazo aplicável para seu atingimento.

Ainda com relação às metas e projeções de venda, importante atentar para os canais de distribuição fixados nos contratos. Muitos deles preveem tão somente canais físicos (lojas, agências bancárias, lotéricas, etc.), sendo que outros incluem a distribuição não presencial ou remota, algumas vezes com metas conjugadas com aquelas relacionadas à venda assim dita física, outras vezes com metas e condições próprias. 

Para aqueles contratos e acordos que ainda não preveem a distribuição de produtos de seguros e previdência por meios remotos, talvez agora seja o momento propício para uma discussão a respeito do tema e inclusão de uma plataforma alternativa de distribuição, sempre observando as normas que regulam o tema, mais especificamente a Resolução CNSP nº. 294, de 6 de setembro de 2013, bem como a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais. 

Todo esse conjunto de disposições pode ser revisto pelas partes com a finalidade de trazer maior equilíbrio ao contrato e propiciar tanto sua manutenção quanto sua plena execução diante do atual e futuro cenários impactado pelo Covid-19.

Esta é, com certeza, a maneira mais alinhada ao principio da boa-fé capaz de dar respostas aos eventuais desequilíbrios contratuais oriundos dessa crise que estamos vivendo e, ainda, a forma mais segura para as partes evitarem demandas futuras, que já se projetam, de acordo com diversos juristas, como discussões cuja resolução será difícil de prever em virtude da ausência de precedentes. 

Assim, antes de se avaliar a existência de cláusulas contratuais que liberem as partes de responsabilidades por inadimplemento, como muito se discute sobre a caracterização ou não de caso fortuito ou força maior, ou antes da tentativa de discussão para se aplicar princípios de direito administrativo às relações contratuais, como se tem ouvido sobre o fato do príncipe, ou até mesmo antes de invocar revisões judiciais ou pedidos de encerramento do pacto baseados na teoria da imprevisão e da onerosidade excessiva (disposições, diga-se de passagem, distintas e que possuem aplicabilidade também não análogas), cabe partirmos para soluções mais simples e pautadas no princípio macro que rege todas as relações contratuais, qual seja,  o princípio da boa-fé.

Ao final, o que todos pretendem nesse momento é que tudo passe e que possamos, na medida do possível, voltar à normalidade de nossas vidas e de nossos negócios e, para isso, o importante é que não se rompam ou se estressem relações, mas sim que se abram portas para negociá-las, sempre com o intuito de não se aplicar a solução mais gravosa, que é uma resolução contratual com potencial de gerar uma longa discussão judicial ou arbitral. 

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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