Crise dos frigoríficos abre discussões no mercado de seguros

A crise dos frigoríficos tem dois impactos no mercado segurador: quais as apólices podem ser acionadas e como funciona o seguro de risco reputacional. Segundo especialistas, vários tipos de apólices podem ser envolvidas em um caso como o trazido à tona com a deflagração da operação “Carne Fraca”, pela Polícia Federal, que investiga vários frigoríficos brasileiros há dois anos.

Entre as coberturas ofertadas pelas seguradoras aos clientes que buscam transferir riscos inerentes aos negócios estão imagem reputacional, directors & office (D&O), crédito, garantia de contratos entre outras. Tanto clientes das marcas investigadas como também dos frigoríficos que não foram citados podem sofrer com os efeitos da falta de credibilidade que se espalhou com as investigações. As ações dos três frigoríficos perderam em um só pregão R$ 5,9 bilhões do seu valor de mercado, quase 10% do valor do setor na bolsa.

Lembrando que prejuízos que tenham comprovação de dolo e fraude estão excluídos de qualquer apólice de seguro em qualquer parte do planeta. Para empresários do setor de seguros, o maior impacto é o risco reputacional. O seguro cobre gastos que as empresas venham a ter para reagir ao risco, como a contratação de equipes de comunicação e de consultores para gerenciar o risco de imagem.

Também neste seguro há cobertura para as perdas financeiras estimadas que não estejam contempladas em outras, como o D&O, contrato que prevê verba para despesas atreladas à gestão da crise, como ações marketing e publicidade ligadas aos executivos envolvidos. O D&O também cobre custas de defesa dos executivos até que se dê a sentença judicial, bem como danos causados aos acionistas. Neste caso a queda do valor em bolsa foi grande logo no primeiro dia.

A apólice de Erros e Omissões também pode cobrir estragos causados por um problema como o dos frigoríficos citados na operação Carne Fraca. Também é possível acionar a cobertura de responsabilidade civil para indenizar perdas causadas e solicitadas por consumidores.

As apólices de seguro reputacional são oferecidas no mercado internacional por um número reduzido de seguradoras e resseguradoras. No Brasil, menos de cinco apólices são citadas pelos segurdores. Segundo os executivos, o interesse existe e aumentou muito depois da crise reputacional vivida pela mineradora Samarco e seus acionistas Vale e BHB, com o rompimento da barragem em 2015.

No entanto, o apetite das seguradoras é restrito. Os especialistas afirmam que o seguro só é vendido para empresas que tenham um programa de compliance impecável e que ele seja realmente colocado em prática. Além disso, o treinamento de funcionários é um dos quesitos mais observados pelas seguradoras. Caso seja comprovado dolo ou omissão, a cobertura é negada.

Como são poucos grupos que ofertam, o capital disponível também é limitado e não atende a necessidade dos grandes grupos, que acabam desistindo do seguro por não mitigar o impacto estimado com evento de grandes proporções. A maior dificuldade dos grupos interessados em comprar a cobertura é definir e avaliar os riscos a que suas reputações estão expostas. A avaliação da perda financeira é feita por um perito, que vai determinar a parcela da perda total que pode ser ligada à crise reputacional.

Segundo o advogado Walter Polido, da Polido e Carvalho Consultoria em Seguros e Resseguros, dificilmente haverá um seguro eficaz para essa situação-limite. “Se tudo ocorreu como anunciado até agora, houve má-fé na administração. A atuação criminosa constitui risco excluído em praticamente todos os tipos de seguros, no Brasil e no mundo”, avalia.

Difícil seria separar uma situação e outra, explica. Única hipótese plausível seria demonstrar que realmente os atos ocorreram sem o conhecimento da Administração das empresas, sem a ordem efetiva de representante legal para que agissem de forma a provocarem o que de fato aconteceu”, comenta.

Ele explica que cada tipo de seguro tem a sua particularidade e, se algum tipo de reclamação de sinistro surgir, então os técnicos deverão se debruçar sobre os textos das apólices e tendo em mente as bases jurídicas daquele determinado contrato de seguro, as quais, através do CC/2002, artigo 762, encontram norma intransponível: “nulo será o contrato para garantir risco proveniente de ato doloso do segurado, do beneficiário, ou de representante de um ou de outro”. Então, o produto do crime e oriundo da administração da empresa jamais poderá ter a responsabilidade decorrente transferida para o contrato de seguro, seja ele qual for. “Seria imoral e antijurídico qualquer tipo de cobertura com este teor, conforme a lei citada”, finaliza.

No final de semana, o governo brasileiro concedeu entrevista coletiva para amenizar os impactos de imagem do setor de carnes, prestando esclarecimentos os mercados internacionais que importam dos frigoríficos locais. O Brasil é o maior exportação de carne do mundo, para inúmeros países. Todo os empresários do setor e membros do governo não podem esquecer que 80% da carne bovina é consumida no Brasil. Ou seja, não basta dar satisfação aos mercados que importam 20% da produção do Brasil. É preciso dar informações e transparência aos consumidores brasileiros. Um grupo pequeno foi fiscalizado. A obrigação é fiscalizar todos para ver se há irregularidades.

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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