Fonte: Jornal do Corretor de Seguro, por Elaine Lisboa
Em um futuro não muito distante, a Terra está devastada. As constantes agressões à natureza resultaram em um mundo sem água, onde as pessoas tomam banho com vapor, pescam em mares de areia e bebem a água que vem de reservatórios, captada pela chuva, evento raro de acontecer. A sinopse apocalíptica é do filme brasileiro Acquária, produzido em 2003, com roteiro de Claudio Galperin e Flavia Moraes. É apenas mais um dos diversos filmes de ficção científica que preveem a falta de água no mundo. O que antes parecia inimaginável, pura projeção da cabeça de roteiristas e diretores, hoje passa a ser cada vez mais real para a população. O Brasil enfrenta a pior seca dos últimos 84 anos, período em que começaram a se fazer medições do fenômeno. A região Sudeste, a mais afetada, já se antevê diante do racionamento. Segundo a Sabesp, se as chuvas insistirem em não cair no sistema da Cantareira, serão cinco dias por semana sem nenhum tipo de abastecimento.
Para o coordenador de estudos de regulação do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), José Gustavo Féres, caso os cenários de racionamento se concretizem, as perdas financeiras serão consideráveis. “A situação afeta a expectativa de agentes econômicos que, em um cenário de incerteza de oferta de energia e disponibilidade de água, adiam suas decisões de investimento. As crises hídrica e energética tendem a agravar o cenário econômico para 2015, que já é bastante pessimista.” A conjunção tem sido observada de perto pelas resseguradoras. A Munich Re publicou recentemente o estudo NAT CATS 2014: Whats going on with the weather?, que dedica uma das transparências para a situação do Brasil. O material aponta que, somente no Sudeste, mais de 27 milhões de pessoas foram afetadas pela seca no ano passado, causando um prejuízo de US$ 5 bilhões. Outro relatório, agora produzido pela AON, intitulado “2014 Annual Global Climate and Catastrophe Report”, também registrou a situação do Brasil, apontando a seca como um dos eventos mais caros da história do País, tanto na esfera macroeconômica, como para o setor de seguros.
“Pelo segundo ano consecutivo [2013-2014], o evento mais caro no Brasil foi a seca intensa que afetou, principalmente, a região Sudeste, devastada pela falta de chuvas, deixando reservatórios operando com 3% a 5% da capacidade de armazenamento”, aponta o estudo. Em fase de mudanças As variáveis climáticas no Brasil não são um fato novo. Eram, na verdade, aguardadas por especialistas. O artigo científico “A indústria de seguros e as mudanças climáticas no Brasil”, assinado por Edna Ferreira Peres e Joanília Neide de Sales Cia, da Universidade de São Paulo (USP), aponta que as alterações no clima devem afetar seriamente 325 milhões de pessoas por ano e, em cerca de duas décadas, esse número deve dobrar, atingindo o equivalente a 10% da população mundial. “Espera-se que a disponibilidade de água potável, produção de alimentos e diversos ecossistemas sejam comprometidos, além da ocorrência de eventos extremos sofrerem mudanças consideráveis em decorrência de aumentos na temperatura global”.
Os prejuízos financeiros podem chegar a US$ 340 bilhões até 2030. Em entrevista dada ao portal Exame.com, o engenheiro Julio Cerqueira Cesar Neto, especialista na área hídrica, sinalizou o tamanho do problema. Segundo ele, quando acabar o volume morto da Cantareira, a população deixará de ter 30 metros cúbicos por segundo e não tem da onde tirar esse volume de água em um curto prazo. Antes da crise, a vazão retirada do reservatório era de 31 metros cúbicos por segundo. Hoje, esse número baixou para 14. Se acontecer dessa forma, deve-se esperar que a prioridade seja dada aos hospitais, polícia, bombeiros e escolas. Em outros locais como estabelecimentos comerciais, é possível ter uma redução do horário de funcionamento, férias coletivas forçadas e, até mesmo, demissões. De acordo com o gerente de negócios do Banco Nacional de Empregos (BNE), Adriano Gonçalves, a crise está levando o mundo empresarial a encontrar novas formas de poupar dinheiro e uma delas é a redução de contratações.
Em janeiro, o portal identificou uma queda de 10% em relação ao mesmo período de 2014. Por outro lado, a procura por mão de obra mais acessível, como estagiários, parece ser a tendência. Nesse item houve aumento de 30% nas contratações. O coordenador do Ipea aponta que as perdas econômicas deverão afetar, sobretudo, os setores de atividades que utilizam grandes quantidades de água, que podem se ver obrigados a reduzir ou mesmo paralisar atividades, como é o caso do setor de alimentos e bebidas. “Que empresário estaria disposto a realizar altos investimentos em tecnologias que exigem o uso intensivo de água e energia se a disponibilidade desses recursos não está garantida? Deve-se levar em conta ainda possíveis gastos adicionais para se adaptar a esse novo cenário de escassez. Indústrias e estabelecimentos comerciais podem ser levados a investirem na abertura de poços artesianos ou no aluguel de geradores de energia.
Esses gastos adicionais podem impactar o custo de produção das empresas, afetando sua competitividade e reduzindo suas margens de lucro”, pontua Féres. O problema é que a maioria dessas situações não está prevista pelo seguro. As três seguradoras entrevistadas nesta reportagem afirmam que as ocorrências não proveem garantias no setor. “Em geral, esses episódios são classificados como força maior e não estão amparadas nos contratos de seguro”, explica o diretor executivo de produtos pessoa jurídica da Tokio Marine, Felipe Smith. O diretor executivo da Yasuda Marítima Seguros, Mario Jorge Pereira, reforça que os fatores não são causados por uma eventualidade, como prevê o princípio do mutualismo, que caracteriza o seguro. “Essas são situações que não acontecem de uma hora para a outra e decorrem de uma série de decisões por parte dos gestores do estabelecimento. Por isso, é que não há uma modalidade de seguro que as contemple”, detalha Pereira.
Crise x venda de seguros E como fica o mercado de seguros diante de uma realidade caótica? É possível vender seguros na crise? Para Féres, a demanda tende a aumentar, principalmente dos produtos voltados a riscos climáticos. “O seguro contra riscos climáticos é um segmento que tende a crescer consideravelmente ao longo dos anos. Caso os cenários de mudança climática se concretizem, teremos aumento de temperatura, ondas de calor, secas prolongadas e aumento do nível do mar. Nesse contexto, a demanda por seguros só deve se expandir”, acredita o especialista. A situação impacta não apenas as áreas rurais do País (veja box sobre seguro rural), mas também uma série de setores. Dada a complexidade na análise de risco, é possível prever florestas com maior vulnerabilidade a incêndios, a saúde humana exposta a mais doenças, assim como a atividade agrícola, biodiversidade, manejo florestal, geração de hidroeletricidade e transporte fluvial sendo afetadas.
Essa é a opinião do diretor vice-presidente da Nobre Seguradora, Claudio Amaral Caldas. Segundo ele, em todas essas áreas se tem a presença do seguro, com maior exposição aos riscos. “Considerando as projeções de pagamentos de sinistros, poderíamos ter aumento de sinistralidade das carteiras de seguros envolvidas que, de certa maneira, forçariam a um aumento nos custos futuros dos produtos. Ainda assim, o seguro cumpriria seu importante papel socioeconômico quando permitiria um cenário melhor no retorno e reintegração das atividades afetadas”, destaca Caldas. Portanto, ele diz que sim, o mundo sem água faz seguros. “Seguros contra seca já são oferecidos mundialmente. A informação é a principal matéria-prima de uma seguradora. Estatísticas consistentes e adequadas trarão previsibilidade para as seguradoras, que terão condições de ofertar produtos que sejam bons para os dois lados: segurador e segurado”, continua.
Várias modalidades de seguros podem observar aumento na demanda, o que pode trazer boas oportunidades para os corretores de seguros que souberem aproveitar o cenário para alavancar os negócios. Mario Jorge Pereira diz que “os seguros empresariais, de operações logísticas, seguro garantia, seguro ambiental, seguro de responsabilidade civil e seguro engenharia são alguns dos que têm perspectiva de alta.” Ele destaca que haverá também maior observância por parte das empresas em se precaver de eventuais perdas relacionadas aos riscos climáticos. As demandas da sociedade e o aumento de leis e regulamentações ligadas às questões ambientais aumentarão as responsabilidades e riscos para as organizações. Além disso, para que novos meios de geração de energia, captação de água, entre outros pontos, passem a figurar no mercado serão necessárias obras substanciais de infraestrutura, bem como operações logísticas de relevância.
“Isso vai fazer com que os seguros relacionados a essas áreas entrem em ação para dar tranquilidade aos empreendedores”, comenta o executivo. Comprometimento mundial E o mercado segurador não apenas está se preparando para essa nova realidade, como firmou compromisso mundial para trazer soluções. No ano passado, 66 presidentes de algumas das maiores seguradoras e resseguradoras do planeta assinaram a Declaração de Risco Climático da Associação de Genebra, estabelecendo compromissos para promover ações de mitigação e adaptação. Durante o encontro, realizado em Toronto, no Canadá, as lideranças concordaram em seguir uma série de princípios que firmam o papel que o seguro pode desempenhar nos esforços globais para a redução dos riscos climáticos. E já é possível ver o engajamento do mercado para conscientizar o consumidor a reduzir o consumo de água e energia, não apenas dando dicas, mas também premiando colaboradores.
Os segurados da Zurich, por exemplo, contam com uma Consultoria Ambiental gratuita, serviço que analisa caso a caso e indica meios de reduzir o consumo. O trabalho é acompanhando pela EcoAssist Serviços Sustentáveis, que já colhe os frutos. Um levantamento feito pela empresa aponta que, em menos de dois anos, os segurados economizaram cerca de 40 mil m³ e 600 mil kWh. A Seguros Unimed chegou a levar um grupo de 15 funcionários para assistir ao jogo Palmeiras x Ponte Preta em seu camarote. A escolha foi simples: os profissionais que apresentassem a maior economia na conta de água entre dezembro e janeiro ganhariam ingressos. “Estamos muito satisfeitos com os resultados e estimulados a criar novas campanhas como essa. Já temos um bom número de participantes que, inclusive, trouxeram bons exemplos de como usar conscientemente a água”, disse, em nota, o superintendente de relações institucionais da companhia, Fernando Poyares.
Fonte: Comunicação Sincor-SP (JCS)
Fonte/Autor.: SINCOR – SP