Um grande mercado se abre para as seguradoras: assumir riscos de longevidade que preocupam fundos de pensão. Com o aumento da expectativa de vida, taxas de juros declinantes, e tendência de menos empregados com carteira assinada, as patrocinadoras de fundos de aposentadoria estão buscando alternativas para manter o equilíbrio entre arrecadação e pagamento de benefícios acordados aos seus funcionários.
“A cura do câncer, por exemplo. Isso traz um grande impacto para os fundos, que calcularam taxas atuariais com base em uma expectativa de que as pessoas morreriam dessa moléstia. E hoje a medicina salva muitas vidas”. explica Nilton Molina, presidente do Conselho da Mongeral Aegon e membro do Conselho Nacional de Previdência Complementar (CNPC).
Realmente viver mais traz um custo enorme a todos e é preciso se preparar. O risco de longevidade é saber se os planos de pensão públicos e privados terão renda para pagar pensões e aposentadorias por períodos mais longos do que previsto. E esse questionamento tem trazido inquietação sobre a sustentabilidade de sistemas de aposentadoria globalmente. “Claro. É um problema que atinge toda a sociedade. Do trabalhador ao acionista da empresa patrocinadora de um fundo”, ressalta Molina, que há anos busca desenvolver a cultura de gerenciamento de risco previdenciários no Brasil e onde recepcionou, ao lado do filho Helder Molina, CEO da Mongeral Aegon, cerca de 180 profissionais de fundos fechados no II Worshop Transferência de Risco de Fundo de Pensão Mongeral Aegon realizado na terça-feira, um dia antes da realização do 35ª edição do Congresso sobre Previdência Complementar Fechada, promovido pela Abrapp.
Chris Madsen, da Aegon Blue Square Re, revela que a cada ano de expectativa de vida adicional acrescenta cerca de 4% ao passivo de pensão de um plano típico. “A expectativa de vida está aumentando cerca de 2 a 3 anos por década. No caso do câncer, entre 4 e 5 anos por década”, ressalta. “Caso o câncer seja removido como causa de morte, a melboria na taxa de mortalidade média pode aumentar entre 20% a 25%”.
Assim, a medida que a longevidade aumenta, é preciso um valor maior para manter a mesma proporção de renda vitalícia. Esse é um problema que preocupa o mundo. Muitas são as hipóteses financeiras em discussão, principalmente nos EUA, com ativos previdenciários superiores a US$ 17 trilhões, no Japão, com US$ 3,7 trilhões, e nos países da Europa, sendo o Reino Unido o maior, com US$ 2,7 trilhões.
No escopo de alternativas há uma estratégia de investimento mais agressiva, desenvolvimento do mercado de títulos de longevidade, com hedges de taxas de juros, ações e inflação, bem como a retira de patrocínio (conhecido como buy out), e a transferência do risco atuarial e financeiro para um gestor, que pode ser um banco de investimento, uma resseguradora ou uma seguradora (buy in). “Há uma tendência clara nos EUA e no Reino Unido de transferência de risco de fundos corporativos e isso tem a ver com o patrocinador do plano, que cada dia mais se pergunta: Eu, como empresa. tenho de ter foco em coisas que o acionista pode identificar como bom negócio e não com algo que é especialidade do mercado financeiro”, comenta Michael Moloney, sócio da Oliver Wyman.
Segundo ele, cerca de 48% dos patrocinadores de planos empresariais dizem que provavelmente realizarão uma transação de retirada de patrocínio nos próximos dois anos. “Um mercado e tanto para as seguradoras”, diz que citou experiências recentes de transferência e gestão de riscos de longevidade como a da General Motors, da Verizon, da Motorola, e da canadense CPP Investment Board, que adquiriu a resseguradora Wilton Re nos Estados Unidos neste ano.
Na operação conhecida como “buy-out”, os ativos e passivos de um fundo de pensão são transferidos para uma seguradora em troca de um prêmio inicial, explica Molina. O risco total é calculado numa complexa conta atuarial, levando-se em conta taxas de retorno de investimento, risco de longevidade, e inflação para planos indexados a índices. O risco aqui passa a ser do participante, expostos ao risco de falência da seguradora.
Já na opção de transferência de risco via “buy-in”, na qual o fundo mantém seus ativos e passivos e paga um valor à seguradora para assumir possíveis desembolsos de renda vitalícia, o fundo de pensão continua sendo o responsável direto pelos pensionistas. “Ele apenas se livra do risco de sobreviva do participante.
Já o mercado de derivativos, chamado no jargão financeiro de “swap de longevidade”, os bancos de investimentos montam uma estrutura de pagamentos fixos periódicos feitos para um intermediário, que contrata uma seguradora ou resseguradora, em troca do pagamento de benefícios nos casos de participantes longevos. “O fundo se mantém responsável pelos pensionistas e se protege com o hedge”, explica Molina.
Enquanto no mundo esse já é um mercado consolidado, no Brasil ele está em discussão. “Falamos sobre longevidade para ser um parceiro na criação de soluções”, Helder Molina, presidente da Mongeral Aegon, que busca trazer para o Brasil as melhores soluções já encontradas pelo sócio Aegon nos diversos países onde o grupo atua. Para que que as entidades fechadas possam transferir parte de seus riscos ou passivos para o mercado segurador, é preciso que o Conselho Nacional de Previdência Complementar regulamente as normas que já estão em discussão.. “O tema já está sendo debatido entre os reguladores e uma norma poderá ser anunciada até 2015 para disciplinar a venda de títulos conhecidos como life bonds”, prevê Molina.
O mercado de bonds life movimenta trilhões de dólares no mundo e passam por uma readequação regulatória. “Em 2009, JP Morgan, UBS, Credit Suisse, RBS, BNP Paribas e Nomura atuavam com derivativos de longevidade, mas hoje apenas três, Deutsche Bank, Societe Generale e Goldman Sachs”, disse a diretora do European Insurance Solutions Group, do Deustche Bank, Pretty Saggo. Segundo ela, as maiores exigências de capital pela regra conhecida como Basileia 3 determinada pelos reguladores internacionais tirou o apetite dos bancos por esse segmento.
Para Molina, especializado no segmento vida e previdência, o mercado de rendas diferidas deve acontecer antes mesmo do desenvolvimento de life bonds e já está sendo discutido na esfera dos órgãos reguladores. Trata-se de um seguro, que garante renda vitalícia para o participante que sobreviver mais do que o período estimado pelo fundo para pagamento de benefício. “O produto dá visibilidade do risco ao patrocinador ao determinar que se o participante tiver uma sobrevida além da expectativa de vida estimada no contrato, o custo correrá por conta da seguradora”, explica Molina.
Estudo – Segundo estudo de Kathrin Hoppe, especialista em Regulação e Supervisão de Seguros da Geneva Associaton, entidade que reúne os principais CEOs da indústria de seguros do mundo, o papel desempenhado pelos seguradores de fundos de pensão está ganhando mais importância, sobretudo devido ao aumento das populações idosas que hoje vivem muito mais tempo nos países industrializados, em face de condições de vida melhores e tratamento médico melhor. Apenas nos EUA, e desde 2011 no Reino Unido, não há idade legal para aposentadoria, motivando empregadores e empregados a desenvolverem novas formas de emprego, como os “trabalhadores grisalhos”.
Como consequência, os períodos de aposentadoria têm se alongado de forma significativa e os aposentados, por conseguinte, necessitam de mais economias para sustentar seu padrão de vida, escreve Kathrin. Enquanto a geração atual de aposentados ainda se beneficia dos fundos de seguridade social, os quais foram amplamente financiados quando as taxas de natalidade e de participação no mercado de trabalho eram mais altas, a geração mais jovem de hoje terá que contar, em grande parte, com os fundos privados e as economias pessoais.
O estudo revela que os fundos de seguridade social que existem com base em contrato entre gerações têm obrigações de pagamento com um número crescente de aposentados e estima-se que haja redução nos benefícios para beneficiários futuros. Ademais, um número crescente de empregadores passa de planos de benefício definido para planos de contribuição definida, mudando o risco de longevidade relativo a seus empregados.
Parte dessa geração de idosos viverá os últimos anos de vida com algum nível de dependência, necessitando fazer uso de cuidados de longa duração (LTC na sigla em inglês). LTC é um conjunto de serviços prestados diariamente, formalmente ou informalmente, em casa ou em instituições, a pessoas que sofrem de uma perda de mobilidade e de autonomia no dia-a-dia de suas vidas. Embora a perda de autonomia possa ocorrer em qualquer idade, sua frequência aumenta na idade avançada, comenta a autora em seu estudo.
Diferente do que ocorre com as apólices padrão de seguro saúde que pagam originalmente o custo da assistência médica, as apólices de LTC são contratos de longo prazo, concebidos para ajudar as pessoas com dificuldades físicas e/ou cognitivas, que pagam pela assistência nas atividades do cotidiano. Nem todos os sistemas nacionais de seguridade social cobrem os custos médicos e de assistência, e caso os cubra, muitas vezes isso não é suficiente para cobrir os custos reais. Como consequência, as pessoas físicas têm que confiar em suas próprias economias ou nos benefícios sociais. Mais uma vez, em especial no caso da geração mais jovem, que tem uma expectativa de vida ainda maior do que a atual geração de idosos, o cuidar é essencial.
O papel do seguro, portanto, afirma Kathrin, vai muito além do seu papel de investidor financeiro e suporte ao crescimento econômico. Desde já, mas cada vez mais no futuro, a eficácia do acordo entre gerações terá que contar com o seguro como um dos provedores de “produtos de poupança”, complementado por uma redução do risco de longevidade, para a época da aposentadoria. No momento, a penetração desses produtos no mercado ainda é baixa, de modo que o segurador não é somente o provedor, mas desempenha também um papel na criação de conscientização das soluções disponíveis.