“Uma bela tacada. A Zurich tinha pouca expressão na América Latina, apesar de ser um grande player mundial. Agora pode jogar na primeira divisão não só no Brasil, mas em todos os importantes países da região, exceto na Colômbia”, comenta o CEO de um dos principais concorrentes do novo gigante que surge na indústria de seguros brasileira e da América Latina. “O Santander demorou a decidir o que queria com seguros. Vinha crescendo com boa rentabilidade, mas com pouca expressão. Agora ganhou mais de US$ 1,6 bilhão com a venda e um sócio que é líder mundial. Uma parceria interessante e que vai estimular a concorrência”, afirma outro CEO do setor.
Diferente dos outros negócios realizados no Brasil, este envolve previdência e vida. Geralmente esses nichos ficam sob a administração dos bancos, que repassam os outros para seguradoras especializadas. “Seremos parceiros em tudo, exceto automóvel e capitalização. Seguro e previdência são negócios importantes para o banco, que será remunerado pelas vendas realizadas na base de clientes do grupo”, diz GIlberto Abreu, responsável por seguros no Santander Brasil. Assim decidiu também o Banco do Brasil, que prioriza a sociedade em seguros, previdência, capitalização, resseguro e planos odontológicos.
Isso deixou alguns concorrentes e parceiros aliviados. Pelo menos por enquanto, a parceria não envolve o seguro automóvel, que continuará sendo ofertado nas agências do banco no Brasil pela Marítima, Tokio Marine e SulAmérica. Mas a tendência, segundo fontes, é de que a medida que os contratos forem vencendo, a preferência será da Zurich neste segmento, assim como nos outros pelos próximos 25 anos.
Até mesmo os corretores, profissionais avessos ao bancassurance (venda de seguro nos bancos) comemoraram a notícia sobre a fusão. “Há muitos riscos sem cobertura no mercado e tenho certeza de que a parceria vai agregar muito para o mercado de riscos comerciais, uma vez que a Zurich passa a ter uma operação mais diversificada e por isso mais equilibrada”, diz o presidente de uma corretora estrangeira.
A holding Zurich Santander ficará sediada em Madri, Espanha. De lá, o grupo suíco vai controlar 51% da operação junto com o Santander, dono dos outros 49%. A operação engloba cinco países latinos, com 5,6 mil pontos de vendas, sendo só o Brasil responsável por 3,8 mil. A união cria a quarta maior seguradora da América Latina, com prêmios de US$ 4,2 bilhões, superada por Bradesco, Mapfre e Itaú, as líderes do ranking de seguros da região. No segmento vida a Zurich Santander passa a ser a terceira maior e no segmento não vida a sexta maior.
“A operação sinaliza um alto potencial de crescimento com um vigoroso retorno de capital”, comentou o CEO mundial da Zurich, Martin Senn, em nota. Ele frisa o objetivo do grupo em atender a jovem e crescente população de 590 milhões de habitantes da América Latina, onde a penetração de serviços financeiros ainda é baixa. Ao mesmo tempo, as seguradoras européias deverão enfrentar dificuldades em 2011 em razão da estagnação da economia, baixa taxa de juros para remunerar os investimentos e novas exigências regulatórias, segundo estudo global da Ernst Young divulgado nesta semana.
O banco espanhol começou a buscar um parceiro para atuar na América Latina em 2008, mas a crise postergou a negociação. Vários grupos foram consultados, uma vez que o Brasil é o país que mais atrai o interesse dos estrangeiros em ampliar a atuação na região. A proposta da Zurich acabou seduzindo os espanhois. “As conversas começaram na Espanha há algum tempo. No Brasil, estamos estruturando a negociação desde o final de outubro”, conta Gilberto Abreu.
Há muitos anos a Zurich está no Brasil e seu principal problema era enfrentar os gigantes brasileiros com um farto canal de distribuição via bancos. Se reinventou por diversas vezes. Em 2008, com a abertura do mercado de resseguros, o grupo se animou e comprou a Minas Brasil, seguradora do Banco Mercantil, por R$ 286 milhões. Na época, a Zurich já tinha passado por uma ampla reformulação da estratégia mundial, priorizando os mercados emergentes.
Passou a atuar com vontade em grandes riscos, ganhando diversas concorrências, principalmente em seguros financeiros, onde inovou com a oferta de produtos com coberturas flexiveis e preços competitivos. Isso ajudou a matriz a olhar o Brasil com bons olhos e a atrair os investimentos disponíveis para diversificação geográfica decidida pelos acionistas.
Do outro lado, o Santander. Um banco forte, que caminha com passos firmes para construir uma operação financeira diferenciada, tendo como principal bandeira a sustentabilidade. Uma sustentabilidade verdadeira, marcada pelo slogan “juntos”. Pequenas atitudes provam isso e tudo começa pelo exemplo do presidente do banco, Fabio Barbosa. Em qualquer conversa, seja com banqueiros ou com amigos na praia da Baleia, litoral norte de São Paulo, o discurso dele é o mesmo. Coerente. De bom senso. Diz frases que são irrefutáveis. Como, por exemplo: “Temos não só de deixar um mundo melhor para nossos filhos como filhos melhores para o nosso mundo”, enfatizando a importância da educação tão relegada hoje em dia pelos pais e pelos governos.
Dentro desta lógica de sustentabilidade, a indústria de seguros surge como um dos pilares da estratégia do banco e de muitos outros. É um mercado que vem crescendo a passos largos nos últimos anos e assim continuará por mais um bom período. Afinal, os riscos da sociedade moderna, das mudanças climáticas e dos conflitos humanos favorecem o setor, que vende contratos com uma promessa de segurança.
Na América Latina, a situação é animadora. A economia cresce, a renda da população aumenta e os investimentos se alastram. Além disso, a penetração de seguros na região está abaixo da média mundial. Enquanto em nações maduras a penetração de seguros equivale ao tamanho da economia, no Brasil há um descompasso. O país está entre as maiores economias do mundo e entre os vinte maiores mercados de seguros. Em relação ao PIB, mercados maduros apresentam indicador de 8% e o Brasil de apenas 3%.
Fora isso, temos uma inclusão social pouco vista em outros países. Nos últimos cinco anos, o Brasil ganhou 30 milhões de novos consumidores e a previsão é ganhar outros 30 milhões nos próximos cinco. O ganho de renda da população estimula o consumo, que por sua vez aumenta a demanda por seguros. Há negócios para as seguradoras em todas as frentes. Seja para garantir a exploração do Pré-Sal, a expansão da fábrica, seja para garantir a reposição do primeiro carro em caso de roubo ou acidente ou mesmo para satisfazer o desejo das classes de menor poder aquisitivo de proporcionar um funeral digno ao ente querido.
Isso mesmo. O seguro funeral é um dos mais vendidos na categoria microsseguros, nicho que aguarda regulamentação do governo para ser assim chamado. Enquanto as normas não saem, o jeito é chamar de seguro popular. Tudo isso torna a indústria de seguros um dos grandes alvos para investimentos. Até mesmo quem sempre relutou em investir em seguros cedeu a modernização do arcabouço regulatório e da governaça. Roberto Setubal, presidente do Itaú Unibanco, apostou em uma parceria com a Porto Seguro no ano passado. Pouco a pouco, o resultado começa a aparecer e a participação de seguros a evoluir até mesmo para seguros populares ligados a microfinanças.
Eis aqui um nicho onde a parceria Zurich Santander deverá proliferar. A Zurich, uma das principais seguradoras de microsseguros no mundo, iniciou um projeto com o Banco Palmas, no Nordeste. O projeto ficou famoso no mundo todo por ser agora um exemplo a ser repicado em vários países pelo grupo suíço. Também contou pontos na avaliação da escolha pelo Santander, que tem um dos programas de microfinanças mais bem desenvolvido do Brasil.
Bem, como dizem os concorrentes, trata-se de uma bela parceria, que deverá render bons frutos para todos. Traz ao Santander a oportunidade de explorar a venda de seguros de grandes riscos aos clientes, assim como uma enorme variedade de produtos antes não comercializados. Para a Zurich, a associação traz a oportunidade de aumentar a escala e consequentemente o lucro, atraindo cada vez mais o capital do acionista para a operação. E para os clientes, produtos inovadores, como o recém lançado Melhor Idade, para atender idosos, um nicho relegado por quase todos.
Em breve novas parcerias deverão ser anunciadas no mercado brasileiro, que é considerado o mais dinâmico pela indústria mundial de seguros. Digo é, pois ainda há uma chance de o governo rever as mudanças efetuadas em dezembro de 2010 na legislação do resseguro.
Caso o governo aceite renegociar a regra que proibe a retrocessão de resseguro entre empresas do mesmo grupo, a entrada de capital estrangeiro no setor deverá manter o ritmo acelerado. Caso contrário, além de suspender investimentos na ampliação das operações, os estrangeiros darão menos recursos para garantir os milionários contratos de infraestrutura. Recentemente, uma das sócias de Belo Monte ficou sem garantias e teve de sair da sociedade de uma as maiores usinas do mundo.