*matéria produzida com exclusividade para a revista Negócios em Infraestrutura, publicada pelo Jornal Valor Econômico no dia 11 de maio de 2010
As instituições financeiras correm para lucrar com a Copa do Mundo e a Olimpíada no Brasil. O ritmo dos executivos financeiros em torno dos dois temas está mais frenético que a rotina dos trabalhadores dos principais centros financeiros do mundo, como Wall Street em Nova York ou a City em Londres.”O Brasil deve ter um ‘boom’ de investimentos em infraestrutura, por isso os olhos dos investidores se voltam para as empresas brasileiras que podem ser beneficiadas com o crescimento do país”, diz Walter Mendes, superintendente de renda variável do Itaú Unibanco.
A gama de negócios é bem ampla. A participação de bancos e de seguradoras vai da estruturação de financiamentos para colocarem pé toda a infraestrutura para a realização dos jogos até o seguro que indenizará algum acidente com os torcedores – são aguardados 3,5 milhões nos 12 estádios. “Não há como estimar o volume de negócios”, afirma Bruno Garcia, gestor de renda variável do BNY Mellon ARX Investimentos. Mas são muitas oportunidades.
Na indústria de seguros, a expectativa é de uma receita extra de R$1 bilhão em contratos diversos. “Estamos preparados para ter no mínimo uma fatia de 10%”, diz Octavio Bromatti, diretor de grandes riscos da subsidiária da Mapfre, maior grupo segurador da Espanha e da América Latina em riscos patrimoniais.
O Itaú Unibanco fez um mapeamento dos negócios gerados pelos mundiais antes de lançar fundos temáticos. Com base nas Olimpíadas e nas Copas realizadas desde 1980 até hoje, o investimento dos países em sete anos gerou aumento de 1,4% no Produto Interno Bruto (PIB). “No Brasil, de acordo com os investimentos previstos pelo comitê organizador e pelo Ministério dos Esportes, a expectativa é de uma contribuição de 2,5% no PIB”,diz Mendes.
Para ter uma ideia do movimento, só em fevereiro deste ano, das seis ofertas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês) que aguardavam registro na Comissão de Valores Mobiliários, metade já trazia Copa, olimpíada e projetos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) como note. Somente as captações da Mills, empresa de estruturas para a construção civil, da eco rodovias infraestrutura e logística e da empresa de logística Julio Simões têm potencial para movimentar algo perto de R$ 4 bilhões.
Em infraestrutura, por exemplo, a Gerdau é claramente beneficiada pelo fornecimento de aço para os estádios e pela necessidades de melhorias em transporte, diz Alexandre Silvério, superintendente de renda variável do Santander. Mendes cita a fabricante de ônibus Marcopolo.Ela vendeu vários ônibus para a África do Sul. Imagine aqui no Brasil.
Por enquanto, os bancos preferem não dar detalhes sobre a estrutura dos financiamentos necessários para os projetos relacionados aos dois megaeventos. A expectativa mais comentada entre as instituições financeiras é de que haverá necessidade de algo próximo a R$ 130 bilhões em investimentos para a realização da Copa.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) instituiu dois programas para financiar os investimentos de Estados, municípios e da iniciativa privada voltados à Copa do Mundo de 2014, com dotação orçamentária de R$ 5,8 bilhões.
A certeza de que os jogos vão forçar o desenvolvimento da infraestrutura, num período em que o crescimento brasileiro tende a ganhar impulso, motivou o lançamento de fundos de investimentos. “Fizemos um ‘road show’ na Ásia e ficamos impressionados com o interesse dos investidores locais”, conta Silvério.Japoneses e coreanos – anfitriões da Copa de 2002 -, por exemplo, conhecem bem o potencial das oportunidades que eventos como esses trazem ao país.
O milagre de crescimento do Japão ocorreu na década de 70, posterior aos anos em que realizou os jogos olímpicos, lembra Mendes, do Itaú. Entre 1957, quando foi escolhido, até 1964, quando realizou a Olimpíada, o Japão gastou mais de 5% do PIB para se preparar. A experiência faz dos asiáticos os principais interessados nos fundos de investimentos criados pelos bancos brasileiros, compostos por ações de empresas que podem ser beneficiadas com a realização do Mundial.
Além da boa experiência, os japoneses são donos da maior poupança do mundo. Boa parte deles deixa o pé-de-meia da aposentadoria aplicado em produtos financeiros com taxa real de juros que chega a ser negativa. No entanto, com o aumento da expectativa de vida, precisam de alternativas com rentabilidade mais atraente.
E olham para o Brasil com atenção.”Algumas empresas beneficiadas direta ou indiretamente com os eventos esportivos apresentam retorno interessante, em média de 12% de juro real ao ano”, conta Garcia, do Mellon.
Um exemplo do apetite dos japoneses: em novembro de 2009, o Itaú Unibanco lançou o fundo de ações Rio Wind, numa alusão aos jogos mundiais. A captação foi realizada no japão, em parceria com a Daiwa Asset Management. Em apenas 20 dias atraiu um montante da ordem de R$2 bilhões entre os investidores asiáticos, interessados em um fundo composto por papéis de empresas brasileiras.
O Santander lançou em novembro um fundo de companhias de infraestrutura, que em meados de março contava com US$ 100 milhões captados no exterior e com potencial de chegar a US$ 500 milhões. Silvério diz que a intenção é acompanhar, direta ou indiretamente, o desempenho dos papéis das companhias de infraestrutura brasileiras.
O BNY Mellon ARX Investimentos lançou um fundo de infraestrutura em janeiro no mercado asiático e já conta com US$ 200 milhões. “O desempenho tem sido ótimo. Todo dia entra dinheiro novo”, diz Garcia, que estrutura um fundo, previsto para julho, com o objetivo de atender a demanda dos investidores europeus.
Mas já há opções para os brasileiros. O Itaú, em março, fazia testes com um fundo de investimento batizado de Itaú Esportes. Com patrimônio inicial de R$ 2 milhões, tem 21 ações de empresas beneficiadas pela Copa. A expectativa é de que os clientes Personalité possam investir no Itaú Esportes até o Sm deste semestre. E muitos outros devem surgir. Além desse,já há outro com R$ 158 milhões aplicados pelos clientes do Personalité.
No universo dos seguros, é amplo o horizonte para o desenvolvimento de negócios. Os executivos do setor já começaram a trabalhar nos fins de semana para atender a demanda. Isso porque o seguro é uma parte importante do custo final de financiamento e, muitas vezes, serve para garantir o próprio contrato. O seguro está presente do começo ao fim dos eventos internacionais. A indústria tem produtos que vão desde a apólice que garante o cumprimento do contrato assinado entre a construtora e o financiador até o que garante indenizações em caso de brigas entre torcidas nos estádios.
O IRB-Brasil Re, ressegurador que detém cerca de 80% dos negócios no Brasil,participado”pool”internacional responsável pela cobertura do seguro que a Fifa contratou para as Copas do Mundo de 2010, na África clo Sul, e de 2014, no Brasil. Segundo o diretor comercial do IRB, Sérgio Bezerra, trata-se de um seguro que abrange do cancelamento ou adiamento de jogos por problemas administrativos da sede à transferência do evento para outro país. A apólice cobre prejuízos cle até US$ 650 milhões, e 9% do risco foi repassado ao mercado ressegurador brasileiro. Em caso de sinistro, o ressegurador controlado pelo Tesouro Nacional e por seguradoras privadas, como Bradesco e Itaú, assumirá cerca de US$15 milhões.
A Munich Re, maior resseguradora do mundo, participou do resseguro de engenharia da construção de estádios, expansão do aeroporto internacional e demais obras de infraestrutura relacionadas ao evento na África. “Estamos disponibilizando para o Brasil todas as linhas de negócio, bem como capacidade financeira, know-how e soluções personalizadas”, diz Christian Garbrecht, responsável pelo desenvolvimento de negócios da resseguradora, que lucrou USS 4,2 bilhões em 2009 e que está presente no Brasil desde 1996.
A concorrente Swiss Re, segunda maior do mundo, também está na disputa. Segundo Luis Menezes, gerente de engenharia da subsidiária brasileira, a companhia analisava em março pouco menos de 200 contratos de resseguro envolvendo infraestrutura, boa parte deles para deixar o Brasil pronto para os mundiais.
Segundo Menezes, a crise econômica levou a uma paralisação de muitos projetos ao redor clo mundo, principalmente em países desenvolvidos. Para retomar os projetos, alguns investidores aceitaram condições onerosas, e qualquer atraso pode colocar em risco até a sobrevivência da empresa. Diante disso, um dos resseguros demandados atualmente é o “delay in start-up”. O seguro tem por objetivo cobrir a parte das receitas do investidor caso haja atraso na entrega do empreendimento.
Coube à subsidiária brasileira da seguradora Allianz, a maior da Europa, assinar no Brasil o primeiro contrato de seguro para a Copa de 2014.Trata-se de uma apólice de risco de engenharia e de responsabilidade civil contratada pela Retech Engenharia para a primeira etapa da reforma e ampliação do Estádio Governador Magalhães Pinto, o Mineirão, de Belo Horizonte.
Os investimentos para deixar o Mineirão pronto estão estimados em R$ 426 milhões. A apólice cobre diversos riscos relacionados exclusivamente ao andamento da obra, como atrasos na entrega causados por más condições climáticas, falhas de cálculos e problemas com os materiais, até o limite de R$ 8,2 milhões. “Temos vários outros engatilhados”, informa Ângelo Colombo, diretor da Allianz.
O seguro-garantia para a construção do Estádio Octávio Mangabeira, conhecido como Fonte Nova, em Salvador, com investimentos previstos em R$ 400 milhões, foi negociado no fim de março.”Ainda neste ano vamos contratar o seguro de responsabilidade civil da obra e o de risco de engenharia”, diz Marcos Lima, responsável pela OCS, corretora de seguros cativa do grupo Odebrecht, um dos investidores do empreendimento.
Virgil Souza, responsável por seguro-garantia da Liberty International Underwriters (LIU), empresa engajada no desenho do programa de seguro das Olimpíadas de 2012 em Londres, diz que o esforço do grupo foi projetar coberturas que permitem um trâmite rápido para a solução de problemas.”É preciso evitar cláusulas que deixem brechas para discussões, pois a agilidade é um ponto crucial para evitar atrasos no empreendimento”, comenta.
Segundo ele, no Brasil as discussões ficam mais em torno do preço do que das coberturas, e isso tem de ser mudado. “Uma das lições que podemos tirar da experiência dos seguros na África é com relação ao gerenciamento de risco das obras”, diz Luciano Calheiros, da Zurich. Em razão disso, as seguradoras e corretoras de seguros, como Aon, Marsh, Willis e MDS, as maiores do Brasil, montaram um “war room”.
A sala de guerra é usada no mapemento de todas as oportunidades a no encaminhamento das soluções mais interessantes por um preço acessível para baratear o custo final do empreendimento.
Já a ACE Seguradora trouxe par: São Paulo uma equipe que participou dos seguros contratados na Inglaterra para a Olimpíada de Londres, em 2012. “Somos a principal seguradora da grande maioria dessas obras, para as quais realizamos contratos de riscos de engenharia e responsabilidade civil para construção e reforma de arenas, estádios, rodovias, redes de saneamento e redes de hotelaria”, diz o presidente, Marcos Aurélio Couto.
“Quem trouxer recursos vai competir com mais força”, diz Fernando Pereira, vice-presidente da Aon, uma das maiores corretoras de seguros do mundo. Algumas apólices são tão grandes que serão pulverizadas por meio de consórcios ou “pool” de seguradoras.”Teremos de alinhar parcerias e escolher líderes para nossos clientes em contratos de infraestrutura”, diz Marcelo Elias, diretor da concorrente Marsh.