A divulgação da criação de uma seguradora estatal pelo governo brasileiro prevista para acontecer junto com o Programa de Aceleração do Crescimento 2 (PAC 2), divulgado ontem, ainda aguça a curiosidade de todos do setor que buscam por informações sobre o assunto. Este é um tema que tem gerado grande discussão. Até mesmo entre jornalistas renomados como Miriam Leitão em um artigo em seu blog e Antonio Penteado Mendonça na coluna do jornal O Estado de São Paulo.
Afinal, só no PAC 2 estão previstos investimentos de quase R$ 1 trilhão entre 2010 e 2014, sendo a maior parte em projetos de energia e habitação para classes de menor renda. E o seguro garantia é uma parte importante do custo desses investimentos e também um instrumento mitigador de riscos de perdas. E evitar perdas é uma prioridade não só da indústria de seguros local como também ao mercado internacional, sejam clientes, investidores, corretores, seguradores ou resseguradores.
O tema é debatido há mais de um ano por membros do governo, BNDES, seguradoras e Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abidib). O objetivo é tornar o seguro garantia, com prêmios anuais de R$ 700 milhões em 2009 e que deve atingir R$ 1 bilhão neste ano, um instrumento mais eficaz na garantia de contratos de financiamento. Executivos explicam que se houver brechas para discussões intermináveis, a obra corre o risco de ficar parada. Um risco que não podemos correr com empreendimentos como Copa e Olimpíadas. Se isso acontecer, o Brasil pode ser desclassificado.
A discussão sobre os problemas para as obras de infraestrutura começa muito antes do seguro. Segundo diagnósticos levantados em estudo da Abidid, as principais causas de paralisação e de postergação de obras estão relacionadas a conflitos no licenciamento ambiental, a conflitos no processo de licitações e contratações e também a conflitos na avaliação de preços feita pela estrutura de fiscalização do Estado, diz Paulo Godoy, presidente da Abidid, em texto publicado no portal da entidade.
Quando o assunto chega em seguros, o que se percebe é que há falta de capacidade financeira para seguro garantia no mercado de seguros mundial. E a situação fica pior quando não há informação suficiente do projeto ou ele ainda corre os riscos citados anteriormente. “Conceder garantia é assumir o risco de terceiros. Por isso, sem uma avaliação profunda a seguradora poderá ter sérios problemas de liquidez”, explica Luiz Roberto Castiglione, consultor e membro do Insitituto Roncarati de Seguros.
A redução no capital disponível para seguro garantia foi causada pela crise financeira, com a saída de algumas empresas deste nicho do mercado. Principalmente da AIG, que era a maior mundialmente e que aos poucos volta a atender o mercado com o novo nome Chartis. Além disso, obras gigantescas na China e na Índia consomem boa parte dos recursos disponibilizados em garantia. Para complicar, algumas construtoras brasileiras estão no limite “do cheque especial”, explicam executivos.
O limite médio ofertado é de US$ 400 milhões por tomador e algumas empresas já esgotaram este valor e também o crédito extra. Os resseguradores, até mesmo por regras de governança corporativa, recusam aumentar este valor em razão de colocar em risco a solvência da própria companhia. Alguns arriscam, mas cobram um prêmio maior, o que encarece o produto final, seja o preço da energia de um projeto de hidrelétrica ou o custo do pedágio de uma rodovia.
“Sofremos muito com a crise financeira. As garantias para a usina Santo Antonio estavam fechadas no final de 2008 e com a eclosão da crise perdemos quase 40% do que havíamos negociado”, conta Marcos Lima, responsável pela OCS, corretora cativa do grupo Odebrecht. No final, deu tudo certo e até hoje a garantia de R$ 3 bilhões dada ao Rio Madeira é considerada o maior contrato do mundo.
O projeto de criação desta seguradora estatal para atuar em nichos estratégicos visa driblar a falta de capacidade e preservar o mercado interno da volatilidade de preços internacional. Se nada disso acontecer, ela ficará lá para atuar em riscos nos quais as empresas privadas não têm apetite e para os quais o governo estrategicamente precise desenvolver, como é o caso de risco habitacional, rural.
“O governo injetou recursos na economia por meio dos bancos estatais para amenizar os efeitos da crise. O mesmo pode ser feito com o seguro garantia”, diz um executivo. No caso do seguro garantia, caso o governo tenha de assumir riscos para viabilizar os projetos inadiáveis, eles serão descarregados no mercado internacional em até três anos, quando vence o prazo de conclusão dos empreendimentos, liberando os recursos para novos projetos, explica um dos executivos que participa das discussões junto ao governo.
A expectativa é de o governo ajudar, seja na redução da exigência de garantias dos projetos num patamar razoável, que não coloque em risco a conclusão do empreendimento, como atuando com a seguradora estatal, ofertando garantias para riscos na mesma proporção do setor privado. “O executivo que romper o conhecido, ousar e viabilizar a concepção de inteligência de risco vai deixar a sua marca, a da empresa e a do Brasil na construção desta história de sucesso que este país está construindo”, diz o executivo da OCS. Enquanto não cria a estatal, o governo ajuda de outras formas. Uma ação recente foi reduzir de 7,5% para 5% do valor total do investimento a exigência de garantias no edital da hidrelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu (PA).
A idéia de uma seguradora estatal retarda o desenvolvimento do mercado de seguros e resseguros brasileiro, além de concentrar o risco em território nacional quando poderia estar sendo distribuido entre resseguradoras estrangeiras. Sou contra a criação da seguradora estatal e creio que temos capacidade no mercado para absorver riscos de garantia como os mencionados, pois como já foi divulgado, temos hoje 9 das 10 maiores resseguradoras do mundo instaladas no Brasil.