O novo perfil da indústria de seguros brasileira começa a ficar mais claro, após dois anos de intensas mudanças realizadas para preparar o setor para este ciclo virtuoso de evolução da economia no qual o Brasil está engrenado. “O crescimento do país não é mais uma expectativa e sim uma realidade. As seguradoras têm um papel importante na manutenção deste circulo virtuoso que se criou“, disse Joaquim Levy, secretario de Finanças do Rio de Janeiro, em sua palestra de abertura do II Brazilian Reinsurance Conference, realizado no Rio de Janeiro entre os dias 4 e 5 de março.
O evento, promovido pela revista britânica Reactions e que teve como principais patrocinadores o grupo francês Scor e o IRB Brasil Re, debateu os desafios e oportunidades da indústria de seguros no Brasil. Tanto um quanto outro são enormes. De um lado, um setor que vem crescendo a taxas de dois dígitos desde 1994, com a estabilização da moeda brasileira. Em 2009, as seguradoras faturaram quase R$ 100 bilhões.
O Brasil é um forte candidato a galgar cinco posições no ranking mundial das maiores economias do mundo. Isto quer dizer que haverá negócios para todos os segmentos da indústria de seguros, desde seguros de R$ 2 para ofertar a uma nova classe de consumidores que se consolida com o crescimento da economia brasileira até garantias para assegurar que os milionários contratos que serão assinados para viabilizar a realização dos dois jogos esportivos mundiais, a Copa Mundial em 2014 e as Olimpíadas em 2016.
Jacques Bergmann, ex-executivo do Itaú na área de grandes riscos e que há quase um ano aguarda a autorização da Superintendência de Seguros Privados (Susep) para oficializar a atuação da seguradora canadense FairFax no Brasil, prevê que entre 2010 e 2014 os prêmios dos seguros de garantia de contratos e de riscos de engenharia deverão somar R$ 9 bilhões. Hoje as duas carteiras somam menos de R$ 500 milhões.
Prêmios de R$ 9 bi em garantia e riscos de engenharia
“Se levarmos em conta os mais de 200 programas de investimentos estimados com investimentos acima de US$ 200 bilhões já em andamento no Brasil, os prêmios deste dois seguros, presentes em praticamente todos as obras de infraestrutura, representam R$ 3 bilhões. Além dos investimentos já anunciados, muitos outros virão para sustentar o crescimento do Brasil e preparar todos os setores para a demanda da Copa e Olimpíadas”, argumenta o executivo.
Além dos jogos esportivos, Pierre Ozendo, presidente e CEO da Swiss Re América, cita a importância da agricultura brasileira, um mercado ainda incipiente para seguro e resseguro e com grande demanda, os investimentos necessários em energia para suportar o crescimento.
Segundo previsões da segunda maior resseguradora do mundo, os preços das commodities e de alimentos ficarão elevados nos próximos anos, favorecendo o Brasil, tido como a quinta maior economia do mundo em 2050 e o terceiro maior em vendas de automóveis em 2025, atrás da China e Estados Unidos. “Este cenário traz um panorama muito positivo para o crescimento da indústria de seguros e resseguros brasileira”, disse em sua palestra.
Com tais números, o otimismo é uma realidade. Mas os desafios também são, principalmente se considerarmos que este mercado sofre hoje da asfixia que monopólios criam a uma economia. Durante 69 anos as seguradoras conviveram com apenas um ressegurador, o IRB Brasil Re, único autorizado a fazer resseguro, popularmente conhecido como o seguro das seguradoras.
Todos estão animados com a abertura, até mesmo o IRB Brasil Re. Nos dois primeiros anos de mercado, que se completam em abril, o IRB ainda detém quase 80% dos negócios. “É notável que o Brasil já tem quase 70 empresas de resseguros atuando em dois anos de abertura”, diz Joaquim Levy. Cingapura, por exemplo, demorou quase seis anos para ter o número de sindicatos do Lloyd’s of London que o Brasil atraiu em dois anos.
“Estas empresas já movimentam prêmios de R$ 500 milhões e o IRB Brasil Re tem se adaptado ao mercado aberto”, acrescenta Levy. Tanto se adaptada que se prepara para expandir suas operações para a América Latina e também operar com mais força no seguro garantia, ramo que tinha pouco apetite na época do mercado fechado.
Mas se depender dos concorrentes, o market share do IRB vai se reduzido. “Só estamos aqui porque acreditássemos na queda da participação do IRB”, disse Mark Byrne, presidente e fundador da Flagstone Re. Benjamin Gentsch, CEO da Scor Global Property & Casualty, reconhece que a participação do IRB é elevada após dois anos de abertura. “Mas é preciso ressaltar que o mercado não é totalmente aberto e isso justifica a eleva participação”.
Durante os dois primeiros anos de abertura, os resseguradores locais, onde se encaixa o IRB, tiveram o direito da oferta preferencial de 60%. A partir de janeiro, o percentual foi reduzido para 40%. “Isso vai mudar e vamos desenvolver um mercado aberto. A Scor quer otimizar os ramos que são atraentes. Há carteiras muito expostas e que necessariamente não se encaixam no nosso foco de negócios”, acrescenta o executivo da Scor.
IRB mantém a preferência mesmo com abertura
O IRB, que há anos vem se preparando para o mercado aberto, reage a críticas com um tom de parceria. “Estamos motivados e com grande expectativa no curto e médio prazo. Há muitos investimentos programados para acontecer e eles vão precisar de todo o mercado. Há negócios para todos no Brasil”, diz Rogério Acquarone, diretor do IRB.
As seguradoras, por sua vez, correm contra o tempo. João Carlos Botelho, responsável por resseguro no Itaú Unibanco, afirma que as seguradoras demoraram a se preparar para um mercado aberto de resseguro porque não acreditavam que a abertura realmente aconteceria. “Foram tantos anos de discussão, que era difícil acreditar que ela fosse concretizada”.
“Como seguradora esperamos uma contribuição mais profunda e intensa dos resseguradores, que hoje oferecem capacidade. Precisamos, no entanto, de novos produtos e que eles tragam experiência para as seguradoras”, afirmou Akira Harashima, presidente da Tokio Marine.
A vingança do underwriter
A quebra de paradigmas e das mudanças internas dentro das seguradoras é uma realidade no dia-a-dia. Elas investem em tecnologia para ter um banco de dados capaz de ajudar na precificação do contrato de seguro. “Eu diria que é a vingança dos underwriters”, brincou o presidente da Generali, Frederico Baroglio. Ele se refere a mudança de padrão de prioridades no fechamento de contratos, sendo hoje o cálculo técnico mais importante do que o aspecto comercial. Este profissional é importante, pois assim como há grandes contratos para serem segurados, há grandes sinistros para serem pagos caso as contas não sejam bem feitas.
Em razão dos atuários terem sido ignorados durante os anos de monopólio, uma vez que o preço do resseguro era determinado pelo IRB, há uma grande carência de profissionais que façam subscrição de riscos, executivos conhecidos como underwriting. “Nem mais roubar funcionários da concorrência atende a necessidade que temos no mercado. Precisamos preparar nossas equipes para estarem aptas a encarar os desafios do setor nos próximos anos”, afirma Antonio Trindade, executivo do Itaú Unibanco responsável por grandes riscos.
Além dos profissionais, o monopólio podou a criativadade das seguradoras em relação a produtos, uma vez que as apólices eram desenhadas pelo IRB para todo o mercado. Agora é preciso oferecer ao cliente contratos e serviços diferenciados. “Criamos mais de 20 novos produtos neste último”, disse Luis Maurette, presidente da Liberty Seguros, em sua fala no painel onde CEOs de seguradoras analisaram os dois anos de abertura do resseguro. Além dos produtos, a Liberty diversificou a operação, trazendo para o Brasil a subsidiária de gestão de grandes riscos do grupo Liberty Mutual, a Liberty Internacional Underwrinting (LIU).
Marcos Couto, presidente da ACE, aproveitou o momento para ressaltar a importância do cliente. “Neste evento estamos falando nós para nós mesmos. Precisamos envolver o cliente na discussão. Fazer mais evento com o segurado”, reforçou.
Cliente quer ser ouvido pelo setor
A única empresa compradora de seguro com direito a proferir palestra no evento foi Marcos Mendonça de Mello, coordenador de seguros da AES Brasil Company. E ele fez questão de dizer que a parceria entre cliente, seguradora, ressegurador e corretor é prioritária. “Quem conhece o risco é o segurado. Com certeza nós podemos desenvolver juntos soluções para o mercado”, afirmou.
Muitos clientes queixam-se dos preços elevados e da falta de apetite das seguradoras pelo risco. No próximo dia 15, a Petrobrás vai receber as propostas das seguradoras para três apólices de seguros, com riscos avaliados em mais de US$ 50 bilhões e prêmios acima de US$ 25 milhões. “Espero uma boa redução de preço e ampla cobertura, afinal o mercado internacional de seguros está num momento muito favorável”, comentou Luiz Octavio, gerente de risco da Petrobras.
Algumas seguradoras deixaram de operar com grandes riscos. De um lado este fato reduziu a oferta. Umas ficaram temerosas do risco de crédito de resseguradores com a crise financeira, uma vez que na ocorrência de um acidente a seguradora é responsável por pagar a indenização, mesmo se o ressegurador não honrar o contrato. Outras em razão de uma nova estratégia de atuação que privilegia mais os seguros massificados do que grandes riscos.
“Por outro lado, esta realidade acirrou a competição entre as seguradoras especializadas internacionais, como Liberty, ACE, Allianz, Mapfre entre outras”, afirma Paulo Pereira, presidente da Associação dos Resseguradores (Aber) e da Transatlantic Re. Para ele, o que há na verdade é risco mal taxado.
Ou seja, alguns clientes não apresentam informações suficientes para o calculo do risco ou tem um histórico ruim. Como conseqüência, o preço do seguro sobe e as coberturas ficam reduzidas. Alguns sequer encontram ofertas no mercado, como é o caso da CSN, que há mais de dois anos está sem seguro e conta com um reserva para fazer frente a perdas inesperadas. A Celesc também enfrenta dificuldades, com várias licitações já realizadas sem o comparecimento de seguradoras com ofertas.
“Dos dez maiores resseguradores do mundo, nove estão no Brasil, que representa apenas 1% do mercado mundial de resseguros”, informa Pereira. E vai além: “Estes números mostram que quem está encontrando dificuldade de comprar resseguro é quem tem um risco ruim, inadequado ou quer um preço que não condiz com a análise de risco exigida pelo mercado internacional”.
Resseguro da Transnordestina fechado em uma semana
Outros riscos, no entanto, são disputados a tapa e com isso o preço fica competitivo. Rodrigo Protássio, da corretora de resseguros JLT, disse que em uma semana conseguiu fechar o resseguro de riscos de engenharia da rodovia Transnordestina, com mais de R$ 5 bilhões em investimentos. “Fizemos uma análise de risco tão detalhada que o primeiro ressegurador que ofertamos ficou com toda a cobertura”, disse. O contrato foi fechado com a seguradora Mafpre e com a resseguradora alemã Munich Re.
Como bem definiu o secretário de finanças do Rio de Janeiro, Joaquim Levy, a recente catástrofe que aconteceu no Chile mostra a importância do seguro na reconstrução do país. As indenizações, estimadas em US$ 8 bilhões, serão pagas pelas seguradoras aos clientes que tiveram perdas com terremoto e tsunamis que devastaram o país no início de março, causando mais de 800 mortes.
Apesar de o Brasil contabilizar um pequeno número de catástrofes, elas não são mais um item ignorado dos clientes, investidores e governo. “A crise financeira mostrou que ninguém está inume de riscos, sejam eles criados pelo homem ou pela natureza”, comentou Levy. Diante de um cenário de incertezas, a demanda pelo seguro cresce e isto faz com que as apostas neste mercado sejam animadoras.