Previdência ou providência divina?

images2A longevidade é uma conquista interessante. É muito bom saber que estamos vivendo mais. Mas já parou para pensar o que isso significa em termos financeiros? Todos terão de abrir mão do consumo hoje para poupar e garantir qualidade de vida na terceira idade. Claro que investir na saúde ajuda. Principalmente a diminuir
os gastos com remédios e médicos. Mas só isso não basta. “É fundamental fazer uma reserva financeira para a aposentadoria.

Estou me referindo a uma poupança própria, sem considerar o plano de previdência da empresa, a promessa de aposentadoria do governo ou apostar em heranças. Amanhã ninguém sabe se terá o marido, o emprego ou se a empresa existirá. Mas, se poupar, saberá que terá a sua reserva financeira para enfrentar o amanhã”, diz José Roberto Carreta, consultor da Mercer, uma das maiores empresas globais de consultoria em previdência.

Por mais forte que seja o governo, ele não tem capacidade para arcar com os custos da previdência social, que não param de crescer. Os sistemas públicos de previdência no mundo todo já começam a dar sinais de exaustão, inclusive em países desenvolvidos. E a explicação é simples. Enquanto a expectativa de vida aumenta, a natalidade mundial sede pessoas acima de 80 anos. Segundo José Carlos Libânio, cientista social e ex-coordenador da Organização das Nações Unidas (ONU), nos últimos 75 anos a população de idosos cresceu 11 vezes – de 1,7 milhão para 18,5 milhões de pessoas, ou seja, de 4% para 10% da população total.

No Brasil, um país considerado jovem, a previsão é ter 30 milhões de pessoas acima de 60 anos em 2020 e 64 milhões em 2050. Ou segue um ritmo inverso. Resultado: desequilíbrio no sistema, com poucos contribuindo para pagar benefícios a muitos. O mundo mudou rapidamente. Basta olhar para alguns anos atrás. Antigamente, a média era seis filhos por mulher. Hoje é de 1,8, segundo pesquisa divulgada por Lowell Catlett, professor de economia da Universidade do Estado do Novo México. Hoje, a expectativa de vida do brasileiro é de 68 anos para homens e de 76 para mulheres. No entanto, para quem chega aos 60 anos, a expectativa de viver mais cresce, sendo que as mulheres têm mais 23 anos e os homens outros 19.

Esse cenário mundial exige mudanças para equilibrar o sistema de previdência oficial, que enfrenta problemas de déficit atuarial e financeiro em todo o mundo. Dos 30 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), quase todos executaram mudanças de maior ou menor proporção dos anos 90 para cá, revela estudo da entidade. O aumento da idade mínima para a aposentadoria e o fim do benefício de deixar a renda vitalícia para o cônjuge são os ajustes mais comuns. Até mesmo quem já fez uma reforma, como o Chile, citado como modelo durante os últimos 25 anos, começa a mudar novamente.

O que prova ser arriscado demais depender do governo daqui para a frente. Apesar de a aposentadoria oficial do Brasil ser considerada a mais generosa do mundo, com teto de dez salários mínimos, é bem provável que as regras do jogo mudem até chegar o seu dia de parar de trabalhar. A atual crise financeira veio reforçar essa tese. Muitas empresas enfrentam dificuldades e o número de desempregados não pára de crescer. A OCDE estimou em 20 milhões os empregos perdidos em razão desta crise financeira, iniciada em julho de 2007. Os que mantêm o emprego se submetem a duras negociações com os empregadores sobre redução dos benefícios, numa tentativa de preservar o número de postos de trabalho.

O fundo de previdência é o principal alvo dessas conversas. Bem antes desta crise internacional, as maiores montadoras dos Estados Unidos, como General Motors (GM) e Ford, já enfrentavam sérias dificuldades para competir com as concorrentes japonesas. Tudo começou com o alto custo de mande ter planos de aposentadoria e de saúde dos funcionários. Um cálculo famoso para ilustrar a situação da GM é que ela tem dez aposentados para cada funcionário que contribui para o fundo de pensão.

Em saúde, o rombo é imenso também. Algo próximo a 2 mil dólares da venda de cada carro são usados para pagar despesas com saúde dos funcionários. Os riscos de chegar à melhor idade com poucos recursos, para a vaidade basta: quer manter um corpinho de 30 aos 60 anos? Essa manutenção em um custo fixo mensal alto e por isso requer uma poupança farta. Para aquelas que conquistaram a independência financeira há pouco tempo, basta erguntar: tem alguma velhinha em sua família que precisa da ajuda dos parentes?

“Eu mesmo ajudo minha irmã de 82 anos. Foi professora a vida toda. Tem duas fontes de renda. Somando tudo, dá 2 mil reais por mês. É insuficiente para tudo o que necessita”, conta o consultor de finanças pessoais Willian Eid, da Fundação Getúlio Vargas. Comece a poupar agora para poder unir qualidade com quantidade. Se aposentar com 70% do salário final, é um bom número, diz Carreta, fazendo uma conta simples. Uma pessoa que ganhe hoje 10 mil reais e queira se aposentar com uma renda de 7 mil reais, precisará contribuir com a previdência oficial para receber do governo 3 mil reais e poupar mais 15% da receita mensal por 25 anos para ter uma reserva individual entre 600 mil reais e 800 mil reais, que significará os outros 4 mil reais.

O tempo de acumulação potencializa o investimento, pois faz aumentar o impacto dos juros no capital acumulado. Para quem começa cedo, contribuições mensais de 200 reais já asseguram uma boa perspectiva de rendimento na aposentadoria. Quem deixa para começar mais tarde, terá de aportar uma soma muito maior para ter uma quantia que permita viver a aposentadoria com conforto.

Os consultores têm muitos argumentos para convencer o público feminino a não cair na armadilha das promoções, compras por impulso, de usar as reservas para trocar eletrodomésticos, o apartamento ou abusar do mimo na festa de aniversário da filha. Para muitas mulheres, apelar entanto, podem ser minimizados com a poupança para a previdência privada, um investimento que deve ser compulsório e “imexível”. “Tudo tem um preço. Por isso, é preciso estabelecer prioridades”, diz Fábio Colombo, administrador de investimentos, que atua desde 1979 no mercado financeiro.

A crise traz oportunidades. Parece clichê, mas com o tempo você verá que é realidade. A crise atual não tem prazo para acabar e os próximos meses serão de muita oscilação dos preços das ações. Por isso, o momento é mais indicado para ficar em um porto mais seguro, como títulos de renda fixa. “A rentabilidade dos fundos de renda fixa está elevada e é uma boa opção no momento”, diz Fabiano Vila, gerente da Um Investimento, corretora que acaba de criar um clube de investimentos só para mulheres. Mas, se a taxa de juro está atraleiro são os produtos conhecidos como Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL) e Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL). Ambos assemelham-se a fundos de investimentos, mas tem vantagens fiscais.

“A desvantagem fica com as taxas de administração, geralmente mais elevadas do que as praticadas nos fundos tradicionais”, diz Colombo. O mais recomendado é aplicar até 40% de sua poupança total nesses fundos, para não ter de sacar em caso de emergência, já que o Imposto de Renda penaliza quem quiser sacar. “Num momento de crise como este, é preciente para quem tem investimento, está salgada para quem tem dívida. “Não deixe a dívida crescer. O juro do cheque especial em dezembro estava em 174,9% ao ano. Torna-se impagável. É preciso sair correndo das dívidas”, recomenda.

A parcela de investimento destinada à sua aposentadoria tem de ser encarada como compulsória e debitada antes das despesas. O ideal é poupar entre 15% e 20% da renda mensal. Quanto mais poupar, mais confortável será sua situação financeira no futuro.

Hoje os instrumentos disponíveis no mercado financeiro brasileiro são os produtos conhecidos como Vida Gerador de Benefícios Livres (VGBL) e o Plano Gerador de Benefícios Livres (PGBL). Ambos assemelham-se a fundos de investimentos, mas tem vantagens fiscais. “A desvantagem fica com as taxas de administração geralmente mais elevadas do que as praticadas nos fundos tradicionais”, diz Colombo. O mais recomendado é aplicar até 40% da poupança nesses fundos, uma vez que há penalidade para quem quiser sacar. “Num momento de crise como este é preciso ser mais conservador e procurar instituições de primeira linha, tradicionais, com boa nota de avaliação para aportar seus recursos”, recomenda Colombo.

Considere a diversificação. O mais indicado é começar com a caderneta de poupança, que não cobra taxas e é isenta de imposto de renda. Com recursos acima de 5 mil reais, já é possível negociar taxas menores nos fundos de investimentos. Outros produtos financeiros, como títulos do Tesouro e ações também são recomendados para diversificar o portfolio. A partir do acúmulo de 24 salários em ativos líquidos é possível partir para aplicações de menor liquidez, mais difíceis de serem resgatados em momentos inadequados.

Fique atenta para não ser obrigada a abrir mão do hábito de poupar. Se a despesa aumentou e a renda permaneceu inalterada, a saída é cortar custos. A mesma receita utilizada para perder peso: quanto mais se come, mais precisará se exercitar para manter o peso. Uma fórmula simples para manter a parcela da previdência é se organizar e colocar suas despesas dentro do ABCD: A de alimentos, B de básicos, C de contornável e D de dispensável, sugere Eid.

Comece a cortar os dispensáveis. Se não for suficiente, parta para os contornáveis. Se tiver de partir para os básicos, reduza a quantidade. Se tiver de chegar até os alimentos, resta optar por ter uma qualidade menor até passar a crise. Para aqueles que perderam o emprego ou tiveram o salário reduzido, a receita é a mesma para que use o menos possível da poupança acumulada. Assim, sua previdência estará muito mais garantida. Afinal, só rezar não basta. É preciso unir a previdência com a providência para manter aquele corpo de 30 aos 60.

Matéria veiculada na revista Elas&Lucros, número 3/2009

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor digite seu comentário!
Por favor, digite seu nome aqui

Ouça nosso podcast

ARTIGOS RELACIONADOS