Há uma frustração geral dos executivos de seguros com a abertura do mercado de resseguros no Brasil. Não com a regulamentação preparada pela Superintendência de Seguros Privados (Susep). Pelo contrário. Neste quesito há unanimidade de que foi feito o possível por ser o primeiro passo. A melhor demonstração é o interesse de quase 60 empresas estrangeiras já autorizadas a operar pela Susep.
“O Brasil é um país prioritário para nós e estamos satisfeitos com o processo de abertura”, diz Benjamin Gentscht, executivo responsável pela área internacional de property & casuality da Scor Re, quinta maior resseguradora do mundo e principal patrocinadora da Conferência Brasileira de Resseguros, realizada no Rio de Janeiro nos dias 4 e 5 de março, que teve o objetivo de traçar um cenário do mercado de resseguros do Brasil nestes primeiros dez meses de abertura.
“Estou aqui há seis anos, mas acompanho o processo de abertura há dez anos. E acho que o mercado aproveitou para se preparar. Acho que a maior parte dos atores tem tornado este desafio um compromisso importante”, comentou Max Thiermann, presidente da Allianz Seguros, em sua palestra no evento.
A grande expectativa era de redução de preços, concorrência, produtos e serviços inovadores. O que ninguém esperava era uma crise financeira de proporções globais, com conseqüências parecidas com as que fizeram o governo brasileiro criar o IRB em 1939, dez anos após a pior crise mundial, gerada pelo crash da bolsa de Nova York e que se estendeu por vários anos em razão da grande recessão e período de guerras.
“Naquela época as seguradoras não encontravam coberturas adequadas a preços acessíveis com as companhias locais. Como não havia nada que as impedisse de acessar o mercado internacional, as estrangeiras passaram a buscar o mercado internacional, gerando evasão de divisas e incerteza em relação ao pagamento no caso de ocorrência de acidentes”, conta Sebastião Pena, executivo do IRB Brasil Re, principal player do mercado local mesmo com tantos concorrentes cadastrados.
E depois de quase 70 anos de monopólio, sendo 12 deles marcados pela luta da maioria de executivos pela abertura, ocorre uma crise financeira internacional que mergulha as maiores economias do mundo em recessão. “Bons tempos os primeiros meses de 2008, quando a grande preocupação de todos era preparar a documentação exigida pela Susep. Agora as preocupações são outras e bem mais complexas”, diz Paulo Pereira, da Transatlantic Re.
A crise afetou os ganhos das seguradoras em todo o mundo em vários pontos: reduziu o patrimônio daquelas com ações em bolsas; a volatilidade dos mercados corroeu a rentabilidade da carteira de investimentos; aumentou o volume de pedidos de indenizações, principalmente nos seguros financeiros e de responsabilidade civil; além da forte safra de eventos naturais, o terceiro maior ano em perdas dos últimos tempos, com cerca de US$ 80 bilhões em indenizações.
“Capital escasso, perdas e recessão, que deverá reduzir o volume de seguros contratos. Um cenário propício para a alta de preços e severidade na negociação de coberturas”, explica Pereira. No entanto, esta realidade não chegou ao Brasil, onde as seguradoras ainda obtêm redução de taxas para seus clientes e são surpreendidas com produtos e serviços que chegam aos poucos para aquelas que já se prepararam para operar dentro das normas internacionais dos resseguradores estrangeiros.
Porém a crise tem gerado estresse nos grandes segurados, antes assediados por todos e que conseguiam as melhores reduções de preço e abrangência de cobertura nos últimos anos. A Petrobras, maior compradora de seguro do país, está preocupada se encontrará capacidade para colocar o seu programa de seguro com valores em riscos acima de R$ 40 bilhões neste ano em razão da crise.
A abertura do mercado de resseguros no Brasil também pode atrapalhar a negociação. Isso porque a legislação local só permite a compra de resseguro de empresas instaladas no Brasil. Apesar de o País já contar com tantos resseguradores, ainda não é o suficiente para comportar a necessidade de capital da Petrobras.
Segundo o advogado Luiz Felipe Pellon, a legislação poderá ser contornada com uma autorização da Susep caso a capacidade das empresas instaladas no País não seja realmente suficiente. “O mais interessante seria flexibilizar as exigências dos resseguradores eventuais como forma de aguçar mais o apetite daqueles que frearam seus planos de vir ao Brasil em razão da crise”, diz o advogado.
A grande dúvida é o preço, abrangência de coberturas e franquias que serão oferecidas pelos resseguradores, uma vez que precisam recuperar capital e conseqüentemente seus ratings. Segundo Luiz Otavio Mello, gerente de risco da petrolífera, apesar de já atuar junto ao mercado internacional há vários anos para a colocação dos riscos, havia sempre a contrapartida do IRB Brasil Re.
“Temos um programa de seguro volumoso e as perdas registradas pelas seguradoras e resseguradoras em razão da crise reduziu a capacidade do mercado”, disse durante o evento. “Só vamos saber na prática como ficará assim que começarmos a renegociar o contrato”, disse ele.
Para Alexis Bergun, responsável por gerenciamento de risco da Arcelor Mittal, o segredo para conseguir bons preços e coberturas abrangentes em tempos de crise é “fazer a lição de casa”. “Conseguimos multiplicar nossa capacidade por seis e reduzir o custo em 70% tendo boas informações e parceiros globais”. Já empresas que não tem um bom histórico de relacionamento com o setor, como a CSN, a situação ficou ainda pior. Nem com preços altos e coberturas restritas a siderúrgica tem encontrado cobertura.
Este cenário faz com que, apesar do enorme esforço de todos, a preferência nacional continue sendo o IRB, que tem aproveitado o momento para estreitar seu relacionamento com todo o mercado. Apesar de toda a concorrência, o balanço de 2008, que será divulgado até abril, mês de aniversário de 70 anos, será invejável, com lucro e faturamento em alta, adianta Eduardo Nakao, presidente do IRB.
“O principal desafio das seguradoras com o mercado aberto é saber avaliar bem o risco de crédito”, ressalta Angelo Colombo, diretor da Allianz. Missão que nem mesmo as maiores agências de rating do mundo foram capazes de obter sucesso diante da crise.
As seguradoras estavam acostumadas a operar com o IRB, considerado um risco praticamente zero por ser controlado pelo Tesouro Nacional. “Agora elas terão de avaliar bem os seus parceiros”, reforça Jacques Bergman, da Itaú XL Seguros. Quem poderia imaginar que uma gigante como a AIG, dona do rating mais alto entre as seguradoras, poderia falir se não fosse socorrida com US$ 150 bilhões pelo Federal Reserve, banco central dos Estados Unidos.
Algumas resseguradoras, como Swiss Re, XL entre outras tiveram suas notas rebaixadas. Uma situação complicada, principalmente porque as empresas de primeira linha exigem um rating mínimo para poder negociar contratos. Tem seguradora, como a Allianz, por exemplo, que exige uma classificação tão elevada que em certa época a própria resseguradora do grupo não tinha a classificação exigida pela controladora.
“Nós estamos cada vez mais criteriosos na escolha de nossos parceiros”, informa o presidente do IRB. Segundo Nakao, os contratos mantidos com a AIG, que teve seu rating rebaixado, estão sendo renegociados na data do vencimento em razão da necessidade de uma classificação mínima exigida pelas normas do ressegurador local. “Só podemos trabalhar dentro das regras de governança explícitas em nosso site, onde o nível de rating exigido é detalhado”.
Tirando a crise e as adaptações necessárias na regulamentação, principalmente em relação a tributos, Maria Larrea, executiva da Allianz, ressaltou os esforços das companhias de seguros para ofertar melhores produtos e serviços. “O mercado tem de ser capaz de se adequar às necessidades dos segurados e não mais fazer com que eles se adaptem ao que as seguradoras têm a oferecer”, diz. Marco Antonio Castro, representante do Lloyd’s, afirma que os sindicatos representados pelo mercado londrino têm produtos e serviços para trazer inovação ao programa de seguro de qualquer segmento da economia brasileira.
O controle interno das companhias e a qualidade das informações prestadas sobre os riscos a serem segurados são outros pontos que precisam de reparos. “Pedimos a paciência e o entendimento dos resseguradores, pois o mercado agiu por muitos anos de uma forma e agora se esforça bastante para chegar aos padrões internacionais”, diz Maria.
*matéria escrita para a Revista Apólice*