Acidente da Tam pouco afeta balanço de seguradoras*

O maior acidente aéreo do Brasil, com a aeronave da TAM, ocorrido no último dia 17, trará impactos para o mercado de seguros, mas não afetará fortemente o balanço financeiro das seguradoras. Tão pouco os das seguradoras internacionais. Também não causará aumentos significativos de preço no seguro aeronáutico mundial, que até o primeiro semestre deste ano apresentava um saldo positivo entre receitas e indenizações.

Muitas pessoas desconhecem que as seguradoras operam em um regime de mutualismo. Ou seja, aqueles que querem se previnir de um risco, pagam um valor para garantir que terão direito a uma indenização caso ocorra um risco previsto em contrato. Esse dinheiro pago, chamado de prêmio, compõe um fundo para fazer frente aos pagamentos futuros. Os clientes que tiverem acidente recebem uma parcela do patrimônio deste fundo em forma de indenização para retomar os seus negócios. Caso não haja acidentes, o valor pago por todos vira lucro das companhias que administraram o contrato de risco. Aqueles clientes que tiveram um ano feliz, sem acidentes, podem ganhar condições mais favoráveis na renovação do contrato.

Atualmente, o preço do seguro de aeronaves apresenta uma redução de 20%, de acordo com um relatório da Willis, terceira maior corretora do mundo, em razão das receitas estarem equilibradas com o volume pago de indenizações. Entre 2002 e 2006, as perdas (US$ 5,7 bilhões) representaram 40% dos prêmios (US$ 14,1 bilhões). Isso gerou ganho de US$ 8,4 bilhões para o mercado, o que possibilita que as seguradoras baixem os preços para conquistar mais clientes. Para 2007, a expectativa é de que os preços continuarão em baixa, mesmo com o acidente da TAM. Até 30 de junho, ocorreram 11 acidentes fatais, o menor índice da história do setor aéreo.

A TAM tem uma apólice de responsabilidade civil, para indenizar danos materiais, corporais e morais causados a terceiros com valor de até US$ 1,5 bilhão. Este será o contrato que servirá de base para o pagamento de indenizações aos familiares das vítimas fatais. Além deste contrato, outra apólice garante os prejuízos com a perda da aeronave, estimado em aproximadamente US$ 40 milhões. segundo informação de fontes do mercado de seguros. A seguradora líder destes dois contratos é a Unibanco AIG, com participação da Bradesco Auto RE, empresa do conglomerado Bradesco. Ambas ficaram com apenas 5% do risco. Para distribuir 95% do risco da TAM, foi contratada a corretora de resseguros Guy Carpenter, do grupo Marsh.

A experiência dos seguradores mostra que o valor para indenizar os familiares das vítimas é mais do que suficiente, mesmo sendo esse o maior acidente aéreo do País. As empresas em vôo doméstico são obrigadas a contratar um seguro similar ao DPVAT usado em automóveis, chamado Responsabilidade das Empresas de Transporte Aéreo (Reta), com valores indenizatórios aos passageiros e terceiros no solo ou no ar. Hoje o valor chega a algo próximo a R$ 15 mil por passageiro.

Além deste seguro obrigatório, há o seguro de vida pessoal de cada uma das vítimas e outro pela responsabilidade direta da empresa aérea, definido pelo Código do Consumidor. Segundo o advogado especializado em seguro, Antonio Penteado Mendonça, a lei brasileira serve de base para calcular o valor da indenização aos familiares das vítimas. “O cálculo leva em conta quanto a pessoa ganhava, a idade, quanto faltava para completar 70. Se a vítima estivesse empregada, acrescenta-se ferias, décimo terceiro. Do valor encontrado, debita-se um terço que seria o gasto pessoal no período”, disse Mendonça. Esse cálculo simples é apenas um exemplo didático e tendo como base que a beneficiária seja uma viúva. “Para pais e filhos o cálculo é diferente”, acrescentou.

Além da indenização por esse tipo de perda, há outra pelo dano moral, que no Brasil tem sido de 200 salários mínimos por dependente de vítima fatal. No acidente de 1996, com 99 vítimas, a Unibanco e a TAM ofereceram aos familiares indenização de R$ 145 mil. Outros acordos menores foram ofertados para as vítimas em solo. Algumas famílias aceitaram e outras optaram por entrar com ação nos Estados Unidos, sede de empresas que poderiam ser consideradas culpadas pelo acidente, como Northrop Gruman, que fabricou o sistema de relés do Fokker-100, e a Teleflex, empresa responsável por um sistema de cabos de segurança da aeronave.

No acidente da Gol, que ainda aguarda a finalização das investigações, menos de 25 familiares aceitaram o acordo proposto pela seguradora. Rosane Guthjar, 49, viúva de uma das vítimas do acidente da Gol, recebeu uma proposta da SulAmérica de R$ 400 mil, mas não aceitou. “Se aceitasse, teria de desistir de outros processos no Brasil e no exterior”, disse Rosane, que tem prestado ajuda aos familiares das vítimas da TAM.

Ela aguarda, juntamente com mais de 100 famílias, o julgamento do processo de pedido de indenização aberto nos Estados Unidos contra a ExcelAir, empresa responsável pelos pilotos do Legacy. “Eu quero que eles sejam punidos pela irresponsabilidade que já ficou comprovada pelas investigações. Eles não sabiam operar a aeronave e sem fazer um curso ou estudar procedimentos básicos foram para o espaço aéreo e deu no que deu. Se eu pego o meu carro e dirijo a 160 quilômetros por hora numa via urbana, sem ligar o farol à noite, sem usar cinto de segurança e ultrapassando o farol vermelho, sou responsável caso cause um acidente, pois para ter a carteira de motorista tenho de cumprir regras, como passar por um curso básico de segurança”, disse a viúva.

Como as causas do acidente podem recair sobre diversas empresas, há muita gente envolvida na investigação. Mesmo sendo a empresa aérea obrigada a indenizar as vítimas, ela pode entrar com uma ação regressiva para cobrar da empresa responsável pelos prejuízos causados com o acidente, caso não seja ela. No caso da TAM, as investigações giram mais em torno da responsabilidade da empresa aérea e da Infraero. “Todas elas têm interesse de que as causas do acidente sejam bem esclarecidas e por isso acompanham as negociações”, disse uma outra fonte próxima da investigação.

No acidente da Gol, em 2006, por exemplo, cinco empresas envolvidas poderiam ser responsabilizadas: a empresa aérea, a Boeing, fabricante do avião, caso a culpa fosse atribuída a uma falha do equipamento; a Embraer, caso o Legacy fabricado por ela tivesse apresentado defeito e isso tivesse sido a causa do acidente; e a ExcelAir se os pilotos do Legacy forem responsabilizados nas investigações finais; e da Infraero, caso seja detectado falha na comunicação entre as torres e os pilotos.

O trabalho dos especialistas contratados pelas seguradoras é necessário e amparado pela International Civil Aviation Organization (ICAO), que define padrões mundiais para aviação. A investigação do acidente está sendo conduzida pelo Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipraer), que segue as normas da ICAO. “Quando finalizada, o resultado da investigação se tornará público. No entanto, mesmo que determine os culpados do acidente, o laudo não pode ser usado em processos judiciais. Ele serve apenas para prevenir outros acidentes”, explicou um advogado especializado em direito aéreo.

*Matéria escrita pela autora para a revista Forbes, em julho de 2007

Denise Bueno
Denise Buenohttp://www.sonhoseguro.com.br/
Denise Bueno sempre atuou na área de jornalismo econômico. Desde agosto de 2008 atua como jornalista freelancer, escrevendo matérias sobre finanças para cadernos especiais produzidos pelo jornal Valor Econômico, bem como para revistas como Época, Veja, Você S/A, Valor Financeiro, Valor 1000, Fiesp, ACSP, Revista de Seguros (CNSeg) entre outras publicações. É colunista do InfoMoney e do SindSeg-SP. Foi articulista da Revista Apólice. Escreveu artigos diariamente sobre seguros, resseguros, previdência e capitalização entre 1992 até agosto de 2008 para o jornal econômico Gazeta Mercantil. Recebeu, por 12 vezes, o prêmio de melhor jornalista de seguro em concursos diversos do setor e da grande mídia.

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