Nem tão depressa que pareça fuga, nem tão devagar que pareça provocação. Usando a célebre frase do senador Pinheiro Machado, dita em 1915 ao cocheiro da carruagem para escapar de um atentado, Renê Garcia, titular da Superintendência de Seguros Privados (Susep), responde a duas questões que têm gerado muita ansiedade nos executivos do mercado de seguros: a normatização da abertura do resseguro determinada pela Lei 126, sancionada em 15 de janeiro; e mudanças nas regras de solvência, especialmente na ampliação do prazo para adaptação.
“As normas de resseguros serão colocados em audiência pública nacional e internacional. Sem pressa. Nossa prioridade é garantir a sustentabilidade do setor”, disse Garcia. Segundo ele, a preocupação dos técnicos é normatizar a fase de transição, para depois esboçar uma norma definitiva. Antes de abrir o mercado de resseguros, Garcia defende que precisa ter seguradoras mais capitalizadas para atuar num mercado aberto de resseguros.
Para isso, em dezembro passado foram divulgadas resoluções criando um novo modelo de cálculo de margem de solvência das seguradoras que operam com ramos elementares. Numa explicação grosseira, seria dizer que as companhias podem vender até três vezes o seu patrimônio. Porém, cada risco terá um valor. Seguro transporte, por exemplo, terá um peso maior do que o seguro residencial, pois a incidência de risco é muito maior.
A expectativa é de que a grande maioria das seguradoras terá de aportar capital. “As que operam com todos os produtos em todas as regiões do Brasil provavelmente terão mais necessidade de capital do que as que operam regionalmente ou em nichos específicos”, disse. Só das estrangeiras, Garcia prevê um aporte de US$ 1,2 bilhão. “Elas operam com um capital pequeno no Brasil, fazendo reservas na matriz, e com as novas normas terão de trazer o capital de lá para cá”, disse. O capital mínimo exigido subiu de R$ 7,2 milhões para R$ 15 milhões a partir de 2008. Há outras duas hipóteses. Podem reduzir a atuação regional ou operar em nichos, o que conseqüentemente reduzirá o faturamento, bem como contratar resseguro, que libera o capital comprometido com o risco.
O mercado aguardava a audiência pública das normas, prometida por Garcia dois meses antes. No entanto, a divulgação foi sem aviso prévio e no último dia útil do ano. “O assunto foi exaustivamente debatido com seguradoras, estrangeiras e nacionais. Trata-se de um tema que não pode ser colocado em audiência pública pelo seu teor”. A Susep tem adotado essa prática em relação a várias regulamentações importantes, apesar de não ser obrigada, explica José Rubens Alonso, sócio da KPMG. “Ainda que fosse realizada audiência, não havia garantia de que alterações seriam feitas”.
De janeiro para cá, as seguradoras se desdobram para saber qual a melhor estratégia a ser adotada para se adequar. Houve até segurador ameaçando entrar com ação no Cade, alegando concentração de mercado. Alguns acreditam que médias e pequenas seguradoras podem ter dificuldades de aportar recursos. Há quem diga também que as normas visam criar uma grande necessidade de resseguro por parte das seguradoras, o que aumentaria o apetite dos resseguradores em se instalar no País.
Os principais executivos do setor concordam que as normas são necessárias, importantes e elevam o padrão normativo do Brasil ao de países de primeiro mundo. “As medidas aumentam a credibilidade do setor para o mercado internacional”, disse Max Thimernan, presidente da AGF. “Essas medidas eram muito esperadas por todos”, disse Luis Maurette, presidente da Liberty.
Porém, o prazo de adaptação concedido, de três anos contados a partir de 2008, e a fórmula que calcula o volume de capital adicional que será requerido são questionados. “Países de primeiro mundo terão um prazo de dez anos para adequação”, dispara Cláudio Afif, vice-presidente da Indiana Seguros. Patrick Larragoiti, presidente da SulAmérica, compartilha da mesma opinião. “São normas que exigem mudanças nas estratégias das companhias e isso requer tempo hábil para que tudo possa ser feito de forma adequada”.
Até mesmo quem entende muito do assunto, defende um debate mais amplo da “fórmula”. “O arcabouço regulatório é coerente e bem elaborado. Porém, entendo que as tabelas anexas à resolução 158 e que levam aos valores de capital adicional requerido mereceriam um debate mais amplo e que as experiências específicas de cada seguradora deveriam ser levadas em consideração”, disse Alonso, da KPMG.
Passados cinco meses e meio da divulgação das normas e muitas reuniões para tentar alterá-las, nada mudou na mente de Garcia. “Não há discussão para aumentarmos o prazo ou mudarmos a fórmula. Estamos abertos a discussões, explicações. Quem tiver problemas, que nos procure”.
Este é só o começo. Os próximos riscos da lista são: crédito, legal, operacional e riscos de mercado. “Novos requerimentos de capital serão exigidos para cobrir outros fatores de risco ainda não regulamentados”, lembrou Alonso.
*Matéria da autora publicada na Gazeta Mercantil